Na véspera do 13 de Maio — data oficial da abolição da escravidão no Brasil — a ex-ministra dos Direitos Humanos do governo Michel Temer, Luislinda Valois, concedeu uma entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura. A fala da desembargadora aposentada escancarou a contradição central do identitarismo: a tentativa de usar a pauta racial para maquiar sua participação ativa em um dos governos mais reacionários e antipopulares da história recente do país.
Luislinda, que ocupou cargo no governo golpista de 2016, defendeu abertamente a tese da representatividade racial nos espaços de poder. Segundo ela, “o Brasil precisa melhorar seu olhar para a população negra. Precisamos de ministros, embaixadores, promotores e presidentes de empresas multinacionais negros”. E continuou: “não nos faltam competência ou capacidade, mas sim oportunidades”. Para ela, é necessário “formar o hábito de ver pessoas negras em espaços de poder”.
A fala é um retrato perfeito da política identitária: esvaziada de conteúdo social e totalmente compatível com os interesses da burguesia. A mesma ministra que fez parte de um governo responsável por aprofundar o desemprego, destruir direitos trabalhistas, cortar programas sociais e congelar os investimentos públicos por 20 anos, agora se apresenta como representante da população negra, em nome da “inclusão” e da “diversidade”.
O governo Temer, vale lembrar, jogou a taxa de desemprego para 13,1%, extinguiu programas sociais, impôs a reforma trabalhista que legalizou o subemprego e institucionalizou a terceirização. Foi também o responsável pela aprovação do novo ensino médio, um ataque direto à educação pública, e pelo teto de gastos, que paralisa o investimento em saúde, educação e assistência social. Todas essas medidas atingiram em cheio a classe trabalhadora, especialmente os negros, que estão entre os mais pobres e explorados.
É diante dessa realidade brutal que a demagogia identitária se revela: enquanto a população negra é esmagada pela política neoliberal, setores da pequena burguesia negra são cooptados para legitimar o sistema, servindo como vitrine de diversidade para governos e empresas que continuam explorando e reprimindo o povo negro.
A defesa de “negros em espaços de poder”, isolada da luta contra a ditadura imperialista, serve apenas para reforçar o próprio sistema que oprime a maioria. Não é por acaso que figuras como Luislinda Valois ou o próprio Michel Temer podem tranquilamente levantar essa bandeira. O identitarismo, longe de representar a luta real contra o racismo, funciona como uma cortina de fumaça que encobre a opressão de classe e legitima governos reacionários.
A entrevista da ex-ministra é reveladora: mostra que a ideologia identitária é o verniz “progressista” da dominação capitalista. É a ideologia da cooptação — usada para dividir os trabalhadores, esconder os verdadeiros inimigos e impedir a organização independente da classe operária e da juventude negra. Em vez de combater o sistema, a política identitária serve para administrá-lo com uma nova maquiagem.