O jornal O Estado de S. Paulo publicou, no dia 1º de maio, uma coluna intitulada Quem usurpa a liberdade de expressão?, na qual o articulista Eugênio Bucci opõe o suposto “jornalismo independente” do periódico em que escreve ao “abuso de poder” das big techs.
Bucci comenta dois eventos comemorativos dos 150 anos d’O Estado de S. Paulo, realizados em Brasília: uma sessão no Congresso, presidida pela senadora Mara Gabrilli — que migrou do PSDB para o PSD em 2023 — e um seminário promovido diretamente pelo jornal. Em ambos, o tema “liberdade de expressão” foi central, com o Estadão sendo apresentado, curiosamente, como exemplo dessa liberdade na imprensa brasileira.
Na sequência, o colunista adverte que essa “garantia fundamental” estaria sendo “usurpada, parasitada e sucateada por forças que não se cansam de sabotar a ordem democrática”. Até aí, tudo bem. O problema está em ignorar que o próprio jornal para o qual escreve integra o monopólio das comunicações no Brasil — um monopólio que só se impôs calando opiniões contrárias aos interesses das poucas empresas que o compõem.
Sua argumentação contra as big techs oscila entre denunciar o grande poder econômico e reclamar que algoritmos “não podem ter direitos humanos”. Inteligência artificial e algoritmos seriam, segundo ele, mecanismos que distorcem a “pluralidade desejável no debate de ideias”. Seria essa a mesma “pluralidade” que O Estado de S. Paulo demonstrou durante décadas de ataques ao Partido dos Trabalhadores? A enxurrada de matérias e editoriais que criou o clima político para aberrações jurídicas como o processo do “mensalão” e da Lava jato seria um exemplo dessa “pluralidade” que agora estaria ameaçada pelas big techs?
É curioso ver um defensor do monopólio da comunicação brasileiro — aliado ao monopólio internacional — denunciar “abuso de poder econômico e tecnológico”. Afinal, imprimir um jornal diário e distribuí-lo em todo o País é algo ao alcance de qualquer jornalista independente, não é mesmo? A tal “pluralidade” do jornalão defendido na coluna aparece claramente em sua abordagem sobre a questão palestina, a guerra na Ucrânia e todos os temas politicamente mais relevantes. Por coincidência — ou não — vemos o mesmo viés da imprensa imperialista nas páginas da Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo etc.
O monopólio das big techs é, de fato, nocivo e parasitário. Mas o monopólio das comunicações também o é. Um representa o capital imperialista — com suas disputas internas — e o outro, um capital nacional intimamente vinculado ao bloco mais poderoso desse capital imperialista. Seria então o Google uma ameaça à “liberdade de expressão”, mas O Estado de S. Paulo, não? Uma tese ridícula, que recorre à farsesca “luta antifascista” propagandeada pelo imperialismo.
Como a extrema direita conseguiu utilizar as redes sociais para romper o bloqueio da imprensa burguesa tradicional, o setor principal do imperialismo usa esses grupos como espantalho para assustar uma parte da esquerda. O colunista cita como exemplo de “abuso de poder” do Google o fato de a empresa ter colocado, em sua página inicial, um link que levava a um artigo crítico ao “PL das Fake News”. Entre outras medidas, esse projeto de lei previa censura prévia sem necessidade de decisão judicial — ou seja, obrigaria legalmente as big techs a censurar ainda mais.
Ou seja: para, supostamente, limitar o poder dessas empresas, o Estado brasileiro passaria a exigir que elas censurassem conteúdos em uma escala ainda maior. Em grande medida, a resistência das empresas a esse mecanismo legal se dá por razões de negócio: perda em massa de usuários ou consequências jurídicas negativas. Como este Diário tem denunciado, o “PL das Fake News” representava um ataque profundo aos direitos democráticos do povo brasileiro.
A liberdade de expressar ideias é vital para os oprimidos — é vital para a organização revolucionária. O medo da extrema direita fez com que setores inteiros da esquerda se acovardassem. Políticos e militantes passaram a pedir ajuda do Estado burguês para se proteger. Uma demonstração de falência política total.
O colunista do jornalão da família Mesquita tenta seduzir esquerdistas incautos com apelos contra “abusos do poder econômico e tecnológico” ou contra “o poder da técnica, do dinheiro e de um tal presidente dos Estados Unidos”. Mas não passa de um “pega-trouxa”, como já exposto aqui. A esquerda tem o dever de lutar pela ampliação dos direitos democráticos — não por sua supressão. No caso da liberdade de expressão, ou ela é absoluta, ou simplesmente não é.