A decepção com o desenvolvimentismo à brasileira, por Luís Nassif

No café da manhã que marcou sua despedida da presidência da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Josué Gomes confessou-se um desenvolvimentista desiludido. Disse que a análise da realidade o tornou um liberal.

Refere-se à montanha de lobbies privados, conseguindo benesses fiscais e creditícias. O volume expressivo conseguido por setores, valendo-se exclusivamente de sua influência política, deturpou completamente um dos principais instrumentos de políticas industriais: os incentivos fiscais.

Exemplos não faltam. O exemplo a seguir não é de Josué, mas de associações que reúnem produtores independentes de cervejas e refrigerantes.

Há grandes empresas de bebidas que praticam fraudes conhecidas com a Zona Franca de Manaus. Compram de lá xaropes, a preços supervalorizados. Recebem os incentivos previstos para a Zona Franca mas podem utilizar para abater outros impostos, nos estados que consomem e impostos federais.

É um caso nítido de burla fiscal. Só que, ao invés de combater essa fraude – o que depende da aprovação do Congresso – discute-se agora a criação de um  imposto seletivo, que incide sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde, incidindo sobre toda a produção de guaraná e outros refrigerantes açucarados. Tudo isso para bancar a jogada fiscal da Coca-Cola, Ambev (controlado pela 3G, o maior predador econômico do país), Heineken Brasil.

O gasto fiscal federal com subsídios – incluindo benefícios tributários, creditícios e financeiros – chegam a R$ 678 bilhões em 2024, cerca de 5,78% do PIB. Estados em dificuldades financeiras, Minas Gerais desvia uma montanha de subsídios a grupos sem nenhuma relevância econômica – como locadoras de automóveis – tendo como único critério as ligações políticas do governador com os empresários.

Em outros tempos, decidiu-se privilegiar os chamados “campeões nacionais”, entre os quais grandes frigoríficos, com enorme poder de influência sobre toda a cadeia produtiva do gado. Em vez de um trabalho sistêmico, de fortalecimento da cadeia de produção, de fortalecimento dos pequenos produtores, de consolidação da estrutura de produção, com o aprimoramento do preparo do couro, fortaleceu-se apenas o elo mais forte da cadeia.

Agora mesmo, está em curso uma batalha gigante pelo controle da venda de remédios, com as grandes redes de drogarias pretendendo fabricar marcas próprias, e os laboratórios ameaçando entrar com vendas diretas. Os supermercados tentam entrar na venda de remédios e até grandes plataformas, como a Mercado Livre, passam a comercializar remédios. Sem contar laboratórios ligados a grandes grupos hospitalares, que já atendem pacientes internados, através de sistemas automatizados de receitas eletrônicas. Não há um movimento sequer em favor da farmácia independente, aquela que deveria ser o grande fator de fortalecimento da saúde pública.

Tudo isso ocorre porque, nesses anos de liberalismo irresponsável, deixou-se o incentivo fiscal à mercê dos lobbies regionais e setoriais.

Agora, tenta-se direcionar para setores portadores de futuro, como é o caso da NIB (Nova Indústria Brasileira) e dos projetos de transformação ecológica. Mas é um debate que não alcança a opinião pública, devido a um enorme déficit de informação de uma mídia que perdeu totalmente o compromisso público. Em outros tempos, havia setoristas na indústria, na agricultura, nos sindicatos, no setor financeiro.

Hoje em dia, todos são setoristas de likes.

Mesmo assim, o planejamento racional do desenvolvimento é uma arma potente, como demonstrou Gabriel Palma, em artigo que publiquei ontem. O grande desafio é inocular novamente o vírus do desenvolvimento em um país que desenvolveu toda forma de anticorpos para impedir queda da Selic, redução dos spreads bancários, exigência de contrapartidas de transferência tecnológica de empresas estrangeiras.

Há algo muito mais profundo em curso: a grande batalha para a recuperação da autoestima nacional. Apenas quando o governo tiver um ponto de partida, uma ideia central que transmita a noção de crescimento – como os 50 anos em 5 de JK -, e conquistar corações e mentes da opinião pública, conseguirá penetrar no coração empedernido como pão embolorado dos lobbies econômicos.

Leia também:

Artigo Anterior

Pesquisa testa a disputa pelo governo e pelo Senado em RO; veja os resultados

Próximo Artigo

Anac aprova venda do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro

Escrever um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter por e-mail para receber as últimas publicações diretamente na sua caixa de entrada.
Não enviaremos spam!