A crise das histórias

por Janderson Lacerda

A história, como ciência, não está em crise e esta crônica, portanto, não é sobre isto. O fato histórico é um fato, desculpe-me pela obviedade, mas é o que é e “ao vencedor, as batatas”, como escreveu Machado de Assis. A história será contada, mesmo que as elites econômicas não queiram, “a história me absolverá”, como escreveu Fidel Castro em defesa de si mesmo durante a sua prisão no regime ditatorial de Fulgencio Batista. 

Ora, mas se esta crônica não é sobre a crise da História seria sobre o quê? Sobre a crise da ficção. Em uma sociedade que valoriza a mentira, parece-me certo de que as inverdades, sem a qualidade ficcional de um texto literário, são suficientes para satisfazer a necessidade do irreal que todos nós temos. A crise das histórias se dá pelo excesso de narrativas ficcionais que são produzidas diariamente. Parece não haver mais temas possíveis, interessantes ou que joguem em nossa cara de maneira poética o cotidiano do qual tentamos fugir. A construção das personagens, do enredo parecem-me mais do mesmo. Será que a criatividade, mãe da ficção, decidiu abandonar a humanidade? Ou a exigência do sucesso, como produto fabricado, em busca do vil metal superou a arte de contar histórias?

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Não estou negando o fato de existirem bons ou até excelentes escritores contemporâneos. O meu questionamento se dá pela qualidade das narrativas. Sinto falta de histórias que provoquem as mais diversas emoções e, principalmente, que ainda sejam capazes de surpreender. Ou seja, narrativas que não sejam repetidas e com personagens caricatos. Evidentemente que a tarefa de lavrar nunca foi fácil, mas parece ainda mais insana hoje porque o capital impõe a sua pauta às mal traçadas linhas de qualquer autor. É muito difícil fugir do que é determinado pelo mercado editorial e os que conseguem o feito terão que pagar com sua própria sobrevivência e, ainda, serão classificados como medíocres e não receberão as laureas da crítica e do público.

Machado de Assis foi um revolucionário na arte de contar histórias, escreveu sobre temas impossíveis para a sua época. A sua criatividade não foi tolhida pela burguesia e igreja. Fidel Castro, alvo de ódio e de toda a sorte de calúnias orquestradas pelo Tio Sam, é um personagem histórico, no melhor sentido do termo. Fidel construiu coletivamente uma nova história, não ficcional, mas que inspirou centenas de textos literários para todos os gêneros. 

O que fazem esses dois personagens antagônicos nesta crônica? Nada ou tudo! Talvez seja o primeiro passo para uma nova história ficcional sem a diagramação do mercado editorial. 

Janderson Lacerda – Graduação em Letras, especialização em Docência no Ensino Superior e mestrado em Políticas e Gestão Educacionais pela UMESP. Integrante da RELEPE (Red de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa), autor do livro: Programa Escola da Família: Democratização do Espaço Escolar? E Professor titular dos cursos de Pedagogia e Educação Processos Escolares da Universidade Santo Amaro (UNISA).

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Last Update: 05/02/2025