O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, se abaixa para pegar o acordo comercial assinado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, em Kananaskis, Canadá. Fotografia: Chip Somodevilla/ Getty Images

Horas depois de os Estados Unidos lançarem um ataque criminoso e ilegal contra o Irã, bombardeando instalações nucleares pacíficas (com enorme risco de contaminação radioativa para toda a região), a opinião pública voltou os olhos para as reações das lideranças políticas internacionais.

No Oriente Médio, vimos imediata condenação pela Arábia Saudita, embora floreada num discurso cuidadoso, em que os EUA aparecem numa frase e a condenação à violação da soberania iraniana em outra, como que para evitar a aparência de uma condenação direta aos EUA:

“O Reino da Arábia Saudita acompanha com profunda preocupação os desdobramentos na República Islâmica do Irã, particularmente o ataque às instalações nucleares iranianas pelos Estados Unidos da América. O Reino reafirma o conteúdo de sua declaração emitida em 13 de junho de 2025, na qual condenou e denunciou a violação da soberania da República Islâmica do Irã.”

A maior parte da região (com exceção exatamente do Irã) tornou-se, há muito tempo, uma espécie de protetorado militar americano.

A expansão desse aparato começou nas décadas de 1990 e 2000, após a Guerra do Golfo, quando os Estados Unidos instalaram bases permanentes no Catar, Bahrein, Kuwait, Emirados Árabes, Omã, Jordânia, Arábia Saudita, Iraque e Turquia. Mais recentemente, desde 2015, consolidaram postos militares também na Síria. Hoje, são entre 24 e 37 bases na região, que operam como plataformas para vigilância, controle aéreo, operações navais e apoio a aliados locais, garantindo a projeção militar americana em todo o Oriente Médio.

Da China, temos certeza de que virá uma condenação vigorosa aos ataques americanos, na linha do que já fez quando Israel lançou os primeiros mísseis contra o Irã.

É da Europa, contudo, que eu esperava, neste momento dramático da história mundial, um mínimo de dignidade e bom senso, ainda mais depois das gigantescas manifestações pró-Palestina e anti-Israel que ocorreram em algumas cidades importantes, como Paris, Berlim, Londres, Haia, Bruxelas etc.

Quer dizer, não estou sendo sincero. Não esperava muita coisa das lideranças europeias. Mesmo assim, mesmo sem expectativas, é com profunda decepção que leio as manifestações de Ursula von der Leyen, Kaja Kallas, Starmer e Macron.

Desses quatro, os três primeiros se manifestaram especificamente sobre os ataques americanos. O comentário de Macron ainda é sobre os ataques de Israel, de alguns dias atrás. Até o momento em que escrevo, ele segue em silêncio sobre os bombardeios ocorridos nas últimas horas.

O que vemos é um jogo ensaiado, coreografado, de vassalos eunucos do império, gaguejando pateticamente as mesmas frases.

“O Irã não deve, não pode, nunca poderá desenvolver uma arma nuclear”, repetem todos, fingindo ignorar que Israel desenvolveu a sua de maneira ilegal, não assina um tratado sobre o tema e hoje protagoniza o mais brutal e cruel genocídio da história moderna.

Essas lideranças disputam entre si o prêmio da declaração mais infame, mais hipócrita, mais subserviente. Há alguns dias, o chanceler alemão chocou o mundo ao elogiar Israel por “fazer o serviço sujo” para “nós”, não especificando exatamente quem é esse “nós”, embora seja fácil supor que se trata dessa elite profundamente racista do Ocidente, para quem vidas não brancas não valem muita coisa.

Dessa vez, coube a Starmer, primeiro-ministro do Reino Unido, liderar o ranking da vassalagem corrupta, ao praticamente festejar os ataques americanos — um infame crime de guerra em todas as acepções do termo.

Os EUA não consultaram o Conselho de Segurança da ONU, desprezaram manifestações da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ignoraram relatórios de sua própria comunidade de inteligência e ainda interromperam diálogos diplomáticos que estavam em curso entre representantes iranianos, americanos e europeus.

A propósito, vale lembrar que Israel também assassinou, no bombardeio de dias atrás, os representantes diplomáticos responsáveis por conduzir os diálogos.

Kaja Kallas, chefe da diplomacia da União Europeia, e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, repetem a mesma ladainha. Nenhuma delas condena os crimes de Israel e EUA, de assassinar cientistas, diplomatas, junto com suas famílias e vizinhos, e de colocar em risco de contaminação radioativa uma região densamente povoada. Nenhuma condenou as ameaças terroristas e desumanas de Trump de ordenar a “evacuação” de Teerã, uma das maiores capitais do mundo.

O que se tornou a Europa, meu Deus!

Como é possível que suas lideranças políticas e suas mídias tenham se degradado dessa forma? É absolutamente monstruoso! E com que objetivo?

Há pouco, o presidente dos EUA, Donald Trump, se vangloriou, na frente do chanceler alemão, Friedrich Merz, de ter sido o responsável por inviabilizar os gasodutos ligando a Rússia à Alemanha — ou seja, de que participou de uma operação para prejudicar economicamente toda a Europa. Merz, na ocasião, agradeceu muito aos EUA pela vitória na II Guerra, mais uma vez sem lembrar que foram os russos — os mesmos que hoje os alemães parecem tratar como sub-humanos — quem efetivamente abriram o caminho para a derrota de Hitler.

Em suas mensagens, os líderes europeus mencionam a necessidade de o Irã “retornar à mesa de negociações”, o que é uma tentativa surreal de inverter a realidade. O Irã nunca parou de dialogar diplomaticamente. Inclusive, horas antes de os EUA, traiçoeiramente (assim como Israel), atacarem o país, representantes iranianos estavam em contato com diplomatas europeus justamente para dar prosseguimento aos esforços de paz.

Nunca a expressão “gaslighting” foi tão apropriada.

Gaslighting é uma expressão da língua inglesa que descreve uma forma de manipulação psicológica em que uma pessoa faz outra duvidar da própria percepção da realidade, da própria memória ou do próprio juízo.

A ideia é fazer com que a vítima comece a se questionar, se sentir confusa, insegura e até acreditar que está ficando louca. É uma técnica muito usada em relações abusivas, mas também aparece no discurso político, na mídia e em relações de poder em geral.

Quanto aos EUA, os ataques de Trump servem ao propósito político de silenciar a crítica interna aos imensos arbítrios de sua administração. Todos aqueles âncoras da MSNBC, a maioria dos youtubers progressistas, podcasters, que estavam fazendo barulho contra o autoritarismo antipobre e anti-imigrante de Trump, contra suas tarifas estúpidas e antieconômicas, ficam desorientados diante de questões geopolíticas que, à diferença das questões domésticas, unem ambos os partidos — Democrata e Republicano — numa só entidade imperialista.

Nestas ocasiões, apenas os comunicadores comprometidos com a luta anti-imperialista desde sempre, e que nunca engoliram os jargões russofóbicos e os chauvinismos “pró-democracia” da mídia liberal, conseguem manter a espinha ereta e um discurso coeso contra a guerra e pela paz.

Por outro lado, talvez — e é um talvez muito tímido — a animosidade dos liberais americanos contra Trump os faça rever sua própria postura em relação a outra guerra ilegal no Oriente Médio. O horror de muitos americanos com o genocídio em Gaza poderá ajudar a construir, pela primeira vez em décadas, uma massa crítica antiguerra e anti-imperialista mais consistente na classe média liberal americana? A ver.

É interessante ainda que um setor do próprio trumpismo, como o apresentador Tucker Carlson e o marqueteiro Steve Bannon, esteja batendo duro na decisão presidencial de afundar o país em outra guerra trilionária, inútil, ilegal e sangrenta.

Finalmente, podemos prever ao menos duas consequências interessantes, para o mundo, dessa nova guerra imperialista. Uma delas é que os custos desse conflito debilitarão ainda mais as finanças e a infraestrutura dos EUA, além da desmoralização dos setores mais corrompidos e vassalos da elite europeia. A outra é o avanço geopolítico da China, que prefere investir em trens de alta velocidade do que torrar centenas de bilhões de dólares matando civis no Oriente Médio. Esta é, aliás, uma das principais razões de seu sucesso econômico e ampliação de seu soft power.

Espera-se que o Brasil aproveite essa oportunidade para dar mais atenção ao encontro dos BRICS, que deve se realizar no Rio em algumas semanas (6 a 7 de julho).

O Irã, a propósito, é um novo membro dos BRICS e, como tal, deve ser defendido por seus colegas desses ataques traiçoeiros de um imperialismo degenerado e moribundo.

Keir Starmer, primeiro-ministro do Reino Unido, comenta ataques dos EUA ao Irã e defende solução diplomática – Foto: Reprodução/X/@Keir_Starmer
Kaja Kallas, chefe da diplomacia da União Europeia, pede retorno às negociações após ataques no Oriente Médio – Foto: Reprodução/X/@kajakallas
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, defende solução diplomática e diz que o Irã “nunca deve adquirir a bomba” – Foto: Reprodução/X/@vonderleyen
Emmanuel Macron, presidente da França, defende retomada das negociações com o Irã e reforça preocupação com armas nucleares – Foto: Reprodução/X/@EmmanuelMacron

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Last Update: 22/06/2025