A constitucionalidade e a legalidade do Decreto de aumento do IOF
por Carlos Frederico Alverga
Os objetivos deste artigo são quatro. O primeiro é comprovar a constitucionalidade e a legalidade do Decreto de aumento do IOF editado pelo Presidente Lula. Ou seja, expor uma argumentação que ateste a lisura constitucional e legal do normativo em questão. Segundo, que o Ministro Haddad se equivocou ao ceder muito facilmente à pressão do Congresso, principalmente da Câmara, no sentido de recuar do que havia sido proposto inicialmente. O correto teria sido acionar a AGU para recorrer ao Supremo com vistas a garantir o exercício da competência constitucional do Presidente de alterar as alíquotas de alguns tributos (tais como os de exportação, importação, e o imposto sobre operações financeiras, o referido IOF, que incide sobre operações de crédito, câmbio, seguros e títulos ou valores mobiliários) por Decreto Regulamentar, sem necessidade de anuência do Poder Legislativo Federal, o Congresso Nacional. Em terceiro lugar, provar que são inconstitucionais os Decretos Legislativos que possam vir a ser editados para sustar os efeitos do Decreto Regulamentar Presidencial que aumentou as alíquotas do IOF. E quarto e último, afirmar que tudo que o Presidente da República puder fazer, obedecendo, naturalmente, à Constituição e às leis infraconstitucionais, sem precisar da concordância do Congresso, ele tem que fazer, exercer suas atribuições constitucionais, e não ficar pedindo licença ao Legislativo para exercer suas legítimas atribuições em conformidade com o ordenamento jurídico do país.
Geralmente, no Direito Tributário, dois princípios constitucionais vigoram. São eles o princípio da anterioridade e o princípio da anterioridade nonagesimal. O primeiro, localizado na Constituição Federal, no artigo 150, III, b, determina que os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. O segundo, que se situa na Carta Política, no artigo 150, III, c, estabelece que os entes da Federação, as entidades políticas antes enunciadas, não podem cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o princípio da anterioridade precedentemente referido.
Entretanto, como ocorre com toda regra, há exceções. Elas estão expressamente previstas no texto constitucional no artigo 150, parágrafo 1º, o qual preconiza que o princípio da anterioridade não se aplica aos tributos, impostos sobre importação e exportação e sobre as operações financeiras de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). Da mesma forma, o artigo 150, parágrafo 1º isenta esses mesmos tributos, quais sejam, os impostos sobre importação e exportação e sobre operações financeiras de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF) de obedecer ao princípio da anterioridade nonagesimal.
O Decreto que aumenta as alíquotas do IOF está fundamentado na Constituição Federal, artigos 84, IV e 150, parágrafo 1º, e na Lei 8.894, de 21 de junho de 1994, a qual tem como ementa “Dispõe sobre o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários, e dá outras providências”.
Na referida Lei, o seu artigo 1º tem a seguinte redação:
“O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários será cobrado à alíquota máxima de 1,5% ao dia, sobre o valor das operações de crédito e relativos a títulos e valores mobiliários. (…)
§ 2º O Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal”.
Ou seja, para atingir o objetivo da política fiscal de alcançar a meta de resultado primário estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), é constitucional e legal o incremento da alíquota de incidência do IOF por Decreto Regulamentar do Presidente da República, desde que respeitado o limite percentual estabelecido na aludida Lei. Salienta-se que a política fiscal abrange a política tributária, concernente à receita pública, e à política orçamentária, pertinente à despesa pública, ambas simultaneamente.
Verifica-se no Decreto 12.499, de 11 de junho de 2025, que ele determina que a alíquota incidente sobre as operações de que tratam a Lei e o respectivo Decreto de regulamentação são de 0,0082% ao dia para o mutuário pessoa jurídica, respeitando o limite máximo determinado pela Lei mencionada de 1,5% ao dia. Qual a conclusão a que chegamos: que o Decreto do Presidente Lula está em perfeita conformidade com a Constituição (o Presidente pode alterar a alíquota de incidência do IOF por Decreto sem ter que obedecer à anterioridade e à anterioridade nonagesimal, e sem necessitar de aprovação do Congresso Nacional), e, também, está em consonância com o que estabelece a Lei de regência, já que obedece ao limite percentual máximo diário no que se refere à alíquota de incidência do tributo sobre a base de cálculo. Ou seja, está tudo correto e escorreito juridicamente falando.
Tendo em vista essa situação de absoluta lisura jurídica, não deveria ter o Ministro Haddad cedido à pressão do Legislativo e recuado em relação ao primeiro Decreto editado. O melhor teria sido recorrer ao STF, por meio da AGU, para garantir o cumprimento e a validade do Decreto, tendo em vista sua higidez e perfeita conformação jurídica de adequação ao ordenamento constitucional e legal brasileiro.
O Congresso Nacional exerce suas competências por meio da edição dos Decretos Legislativos, que têm que ser aprovados por maioria simples na Câmara e no Senado. Tais competências estão arroladas no artigo 49, inciso V, uma das mais relevantes. Esse dispositivo tem a seguinte redação:
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
(…) V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;”
O poder regulamentar, por sua vez, está definido no artigo 84, IV, parte final, conforme abaixo:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(…) IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”;
Conforme já se demonstrou, o Decreto de que se trata, aumentando a alíquota do IOF, está de acordo tanto com a Constituição Federal, artigo 150, parágrafo 1º, quanto com a Lei que regulamenta o IOF, a Lei 8.894, de 21 de junho de 1994, no sentido de que respeita a alíquota máxima estabelecida na Lei correspondente. Portanto, o Presidente da República não exorbitou do poder regulamentar, logo qualquer Decreto Legislativo do Congresso Nacional sustando os efeitos do Decreto 12.499, de 11 de junho de 2025 é absolutamente, plenamente, integralmente, totalmente inconstitucional.
A única possibilidade de o Congresso editar um Decreto Legislativo constitucional sobre essa matéria seria se o Decreto Presidencial 12.499, de 11 de junho de 2025, tivesse estabelecido, por exemplo, uma alíquota diária maior do que permite a Lei. O máximo que a lei admite é 1,5% diário, se o Executivo tivesse instituído uma alíquota de 1,6% diário, aí o Presidente da República teria exorbitado do poder regulamentar, e caberia ao Congresso Nacional editar um Decreto Legislativo para sanar essa impropriedade.
Quanto aos limites da delegação legislativa, não há que se tratar disso, pois significa lei delegada, a qual não constituiu fundamento da edição do Decreto em comento. Logo, o Presidente Lula, por óbvio, não excedeu os limites da delegação legislativa. Além do mais, a lei delegada quase não é utilizada mais depois do advento da Constituição de 88, por causa da existência da Medida Provisória. A Lei delegada constava do ordenamento jurídico anterior a 1988, nos anos 60, como uma tentativa de recuperação dos poderes do Presidente João Goulart usurpados pelo Congresso durante a crise da legalidade de agosto de 1961 que redundou na instituição do parlamentarismo espúrio.
Um último aspecto que os juristas têm levantado é o de que o IOF não poderia ser utilizado porque seria um tributo regulatório, logo não poderia ser utilizado com intuito arrecadatório, para aumentar a receita tributária pública. Contudo, creio que seja mais uma construção doutrinária, na lei não consta referência a esse assunto. Pelo contrário, na lei consta que a alíquota poderá ser manejada para o alcance de objetivo da política fiscal. Ora, o alcance da meta fiscal de resultado primário da LDO é o principal objetivo da política fiscal, a qual, conforme já explanado, abrange a política tributária, concernente à receita pública. Além do já exposto, há decisões do STF admitindo o uso do IOF para aumentar a arrecadação (RE 1.269.641, Relator o Min. Edson Fachin, em 30.06.2020 e RE 1480048, Relator o Min. Edson Fachin, em 01.04.2024, conforme artigo de Luiz Alberto dos Santos, publicado em 09.06.2025 no site do DIAP). Com isso, conclui-se pela adequação do Decreto ao mandamento legal.
Por fim, fica a advertência: tudo que o Presidente da República puder fazer, obedecendo, naturalmente, à Constituição e às leis infraconstitucionais, sem precisar da concordância do Congresso, ele tem que fazer, exercer suas atribuições constitucionais, e não ficar pedindo licença ao Legislativo para exercer suas legítimas atribuições em conformidade com o ordenamento jurídico do país.
Carlos Frederico Alverga – Economista graduado na UFRJ, especialista em administração pública pelo Cipad/FGV e em Direito do Trabalho e Crise Econômica pela Universidade de Castilla La Mancha (Espanha) e mestre em Ciência Política pela UnB.
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