Trecho do livro: “Walther Moreira Salles, o banqueiro embaixador”
O inquérito da Érica
Puxando-se pelo avesso do fio condutor, volta-se a 1948 com Walther sendo estimulado pelo amigo Aloysio Salles a tornar-se sócio do Diário Carioca, de Horácio de Carvalho, na Érica, uma editora que deveria imprimir revistas e jornais, constituindo-se numa espécie de Time-Life tropical. Algo que a editora Abril viria a se constituir nos anos 1960.
Aloysio pensou na associação devido ao fato de o Diário Carioca ser politicamente influente, mas frágil do ponto de vista econômico. Walther ficou com 50% da editora e Horácio com os 50% restantes. O representante de Walther na editora foi Aloysio Salles, que ficou com as ações em seu nome.
A Editora Érica tinha o Diário Carioca e, em breve, adquiriria 50% da revista Sombra.
A revista já tinha sete anos quando Horácio de Carvalho resolveu dar o segundo passo e ampliar a editora. Abriu capital para atrair novos investidores e levantou empréstimos no Banco do Brasil para erguer novas instalações e adquirir maquinário sofisticado.
A alteração do contrato social transformando a Érica de sociedade limitada em uma sociedade por cotas deu-se em 1948. Dela constavam Aloysio Ferreira Salles e Walther Quadros, sócios da sociedade limitada, mais o deputado catarinense Edmundo da Luz Pinto, Ari Barbosa, Horácio Gomes Leite de Carvalho Jr., Octávio Tirso Lúcio Cabral de Andrade e Joaquim Ferreira de Salles, o mineiro do Serro, pai de Aloysio.
Em 17 de setembro de 1949, Horácio de Carvalho solicitou ao Banco do Brasil empréstimo de Cr$ 18 milhões por cinco anos para a construção de uma nova sede. Relator da proposta, o diretor da Carteira Comercial, Walther, não foi condescendente. Com base nos critérios técnicos do banco, sugeriu reduzir o empréstimo para Cr$ 10 milhões, ou 50% do valor dos bens comprometidos. A proposta de prazo de cinco anos foi alterada para um ano, podendo ser prorrogado automática e sucessivamente por mais quatro períodos iguais se ao término de cada ano a dívida estivesse reduzida em 10%, 20%, 30% e 50% respectivamente.
O empréstimo não bastou e Horácio voltou a procurar Walther, agora na condição de amigo. Walther emprestou-lhe Cr$ 12.800.000,00, que foram devolvidos meses depois, parte deles em bônus do Estado de São Paulo.
O projeto acabou não indo para frente. Horácio estava profundamente envolvido com a política e outros negócios, Walther assoberbado com a Sumoc. Sobrava pouco tempo para dedicarem à Érica.
Com a eleição de Vargas, o Diário Carioca, que havia feito feroz campanha contra ele, viu-se em maus lençóis. O jornal se mantinha sobretudo com as verbas do Instituto Brasileiro do Café. O fim do governo Dutra levou as verbas a minguarem.
A editora acabou tornando-se um mau negócio, um peso excessivo nas finanças do Diário Carioca, quando surgiu Samuel Wainer, até então repórter brilhante que Walther conhecera através de Assis Figueiredo. Depois de uma carreira fulgurante na revista Diretrizes e como repórter dos Diários Associados, Wainer caíra nas boas graças de Getúlio a partir de uma entrevista exclusiva que fez em São Borja, quando Vargas, em retiro, planejava ressurgir candidato a presidente em eleições diretas.
Com Vargas de volta ao poder, Wainer foi estimulado a montar uma rede de jornais que desse sustentação ao governo, a esta altura indisposto com quase todos os cardeais da imprensa. Industriais, como o Conde Francisco Matarazzo e Euvaldo Lodi, entraram com recursos e Wainer vislumbrou nas instalações da Érica, e nas dificuldades do Diário Carioca, a maneira mais rápida de montar a parte gráfica e lançar a rede de jornais Última Hora.
A participação de Walther na sociedade se dera através das ações em nome de Aloysio e do empréstimo feito em caráter pessoal ao amigo Horácio. Para facilitar o fechamento do negócio e reduzir a quantia a ser desembolsada, Wainer sugeriu a Walther que transferisse as dívidas de Horácio para a recém fundada Última Hora e mantivesse a participação acionária.
A Érica foi adquirida por Cr$ 40.000,00. Para assumir o seu controle, Wainer dividiu o valor em quatro cotas iguais, três por empréstimo e uma por subscrição. A primeira ficou com Walther, por conta de seus créditos junto ao grupo. As duas outras ficaram com Euvaldo Lodi e o Conde Francisco Matarazzo. Durante muito tempo Wainer escondeu o nome do quarto sócio, porque poderia gerar crise política brava. Era Ricardo Jafet, então presidente do Banco do Brasil.
A CPI da Última Hora
No começo de 1953, foi constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar as operações de crédito realizadas entre o Grupo Wainer e o Banco do Brasil, uma ideia desastrada de Wainer após uma conversa com Maurício Goulart, irmão de Jango. Supondo que o governo tivesse maioria tranquila no Legislativo, a ideia era constituir a CPI, neutralizar a oposição udenista e anular as críticas.
Não contavam com o furacão Lacerda. Nas semanas que se seguiram, usando a Tribuna da Imprensa e os microfones da Rádio Globo, que lhe foram abertos por Roberto Marinho, Lacerda incendiou o país com o tema. A questão central da CPI era apurar as acusações de favorecimento do Banco do Brasil ao chamado “grupo Wainer”. Mas acabou devassando tudo, inclusive os apoios obtidos junto a empresários privados.
Foi um tiroteio cerrado de lado a lado. No seu depoimento, Wainer acusou Lacerda de receber empréstimo do BB, intermediado por Lourival Fontes. Lacerda admitiu um financiamento de Cr$ 2 milhões. Wainer falou em Cr$ 25 milhões, mas não se confirmou.
A Comissão realizou, em 90 dias, 44 reuniões públicas para inquirição de 27 testemunhas. Uma segunda CPI corria paralela investigando as relações do BB com as empresas jornalísticas faladas e escritas de 1943 a 1953. Os depoimentos eram transmitidos pelas Rádios Globo, Mayrink Veiga e Rádio Clube do Brasil.
A exposição de Wainer transformou-se no “Livro Branco contra a Imprensa Amarela” e a de Lacerda no volume “Preto e Branco”.
O depoimento de Lacerda na CPI foi favorável a Walther, provavelmente por suas relações com Horácio de Carvalho e José Eduardo Macedo Soares. Quando seu depoimento foi tomado, Walther negou que tivesse créditos junto à Érica. Garantiu que o empréstimo havia sido pago por volta de 1950, bem antes de ser nomeado para a diretoria da Sumoc, pelo então presidente Vargas.
O deputado Guilherme Machado alertou que as ações da Érica foram vendidas a Wainer com um ágio de 100%. Depois ele as revendeu pelo valor nominal. Walther diz que nunca soube a razão. E não se importou de receber as ações pelo valor nominal, porque havia a opção de Wainer recomprar.
— As ações que adquiri foram pagas a Horácio de Carvalho. Ou melhor, ao procurador, pois Carvalho estava ausente do país.
Em seu depoimento, Horácio de Carvalho também negou que houvesse a dívida quando a Érica foi vendida.
O deputado Guilherme Machado indagou se Walther sabia se parte do pagamento das ações de Wainer havia sido efetuado com recursos do BB. Walther disse desconhecer.
– As ações pelas quais me responsabilizei foram pagas diretamente ao Sr. Martins Guimarães. Como diretor da Sumoc jamais apreciei essas operações, porque não era de minha função.
Horácio pagou Walther mais tarde. Do total, Cr$ 4.500 contos foram com bônus do Estado de São Paulo.
A maneira franca com que Aloysio Salles depôs ajudou a desarmar o clima contra o embaixador. Aloysio procurou o amigo, que o autorizou a contar tudo. Contou que suas ações pertenciam na verdade ao embaixador Moreira Salles, que as havia adquirido com seu próprio dinheiro. Por isso era um problema particular, não de governo.
– Por que as ações ficaram em seu nome? – indagaram.
– Por que sou amigo de Walther e eu era a pessoa que iria trabalhar lá dentro.
A franqueza do depoimento desarmou as visões conspiratórias da CPI.
Walther respondeu que as três mil ações a que Aloysio se referia eram aquelas que havia transferido na compra das 10 mil ações de Wainer.
No relatório final, foi relacionada uma longa lista de favorecimentos do Banco do Brasil a Wainer. No decurso de dois anos, o BB havia emprestado Cr$ 192.684.786,40 em dinheiro, uma fiança de Cr$ 87.000.037,00 para importação de papel, perfazendo o total de Cr$ 279.685.424,00.
A CPI confrontava esse dado com outros Cr$ 477.313.234,00 de créditos totais concedidos a outras 53 empresas da imprensa falada e escrita.
Constatava o favoritismo dispensado às empresas por Ricardo Jafet, patente na escassez de garantias e na violação dos procedimentos creditícios normais do banco.
A expansão do grupo não foi interrompida com a CPI. Paralelamente, Walther avançava seus negócios para a pecuária, através da fazenda Bodoquena, considerada na época a maior fazenda do planeta.
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