
Por Débora Nunes e Ayala Ferreira*
Da Página do MST
Sem sombra de dúvidas, vivenciamos um momento histórico para a Reforma Agrária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com a ida do presidente Lula ao acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio, sul de Minas Gerais, na última sexta-feira (7). A primeira visita após sua terceira eleição, oficializou por meio de decreto a área como de interesse social para o assentamento de 459 famílias Sem Terra. Antes, a área compunha uma massa falida de uma usina de açúcar, que explorava os trabalhadores rurais.
A conquista demorou 27 anos para acontecer. Antes disso, 11 despejos, opressão policial, e muita violência dos senhores de engenho. O Quilombo Campo Grande é uma área simbólica para a recepção de um Presidente da República com a missão à que veio; um território que representa a luta árdua das outras mais de 145 mil famílias acampadas que hoje lutam por um pedaço de terra e vida digna no campo.
No geral, o governo federal anunciou que destinará 12.297 lotes para famílias acampadas em 138 assentamentos rurais, totalizando 385 mil hectares espalhados em 24 estados do país. Esse foi o maior anúncio de famílias assentadas de seu terceiro mandato até o momento. Desse total anunciado, 4.883 famílias assentadas são do MST, com a criação de 60 assentamentos em 18 estados. Uma vitória importante, mas muito aquém da demanda represada pela Reforma Agrária.
Nós temos, atualmente, 100 mil famílias Sem Terra acampadas. Destas, reivindicamos o assentamento imediato de 65 mil, que estão acampadas há décadas à espera da Reforma Agrária. São famílias que estão há dez, 20, 30 anos debaixo da lona preta, sem acesso à políticas públicas básicas, plantando e colhendo, faça chuva ou sol, sob a sorte de suas próprias mãos e suor.
Se considerarmos os números apresentados pelo governo, veremos que o anúncio feito representa apenas 8% da demanda imediata por assentamentos. E já estamos no terceiro mês do terceiro ano de mandato, chamado pelo próprio presidente Lula, como “o ano da colheita”.
É necessário avançarmos nas desapropriações, e não é possível fazer desapropriações de terra se não houver orçamento ampliado. O Governo Federal anunciou para o orçamento 2025, o indicativo de R$ 400 milhões para a obtenção de terras para a Reforma Agrária. Com este valor é possível assentar somente 4 mil famílias, um número pífio.
Em 2024, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) teve um orçamento bastante reduzido, de insignificantes R$ 520 milhões, para a obtenção de terras por meio da desapropriação ou por compra direta; sendo R$ 383 milhões previstos para famílias Sem Terra.
A ausência de ações efetivas nessas áreas perpetua as mais antigas chagas que marcam a história do Brasil: a concentração de terras e os persistentes conflitos agrários. Segundo dados preliminares da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Brasil registrou 1.056 ocorrências de conflitos agrários no primeiro semestre de 2024. Até novembro do ano passado, foram 11 mortes pelo mesmo motivo, sendo que quase metade foi cometida por fazendeiros.
Foi anunciado também 1,6 bilhão de reais para o crédito instalação, recurso que possui a expectativa de beneficiar 18 mil famílias, segundo o Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). No entanto, ainda há um passivo de 50 mil novas moradias rurais para 2025, de 150 mil reformas para casas de assentamento, além de outros créditos.
Enquanto isso, a bancada ruralista deve levar R$ 600 bilhões para o Plano Safra do próximo ano, sendo que este ano já foram destinados mais de R$ 400 bilhões, valor recorde. Além disso, o governo federal concedeu cerca de 30 bilhões de reais só em isenções fiscais para empresas do agronegócio.
Durante o primeiro Governo Lula, entre 2003 e 2006, foram criados 1.705 assentamentos. Já no segundo mandato, de 2007 a 2010, foram 979. No primeiro governo de Dilma Rousseff (PT), de 2011 a 2014, foram realizados 455 assentamentos. No período do impeachment, a política desacelerou: foram 70 assentamentos nos anos de 2015 e 2016.
Sob a gestão de Michel Temer (PMDB), de 2016 a 2018, foram 66 assentamentos, e no governo de Jair Bolsonaro (PL), entre 2019 e 2022, apenas 18.
Neste terceiro mandato de Lula, a política de reforma agrária tem se mostrado similar à de seus antecessores: não tem sido tratada como uma prioridade estratégica e estruturante para o país. No entanto, a realização da Reforma Agrária e o incentivo à produção de alimentos da agricultura familiar e camponesa se apresentam como uma saída concreta para que o preço dos alimentos não sofram com a inflação e especulação do mercado.
Solução está na Reforma Agrária e em políticas públicas
Se o Governo Lula quer mesmo combater a alta do preço dos alimentos, a saída é a Reforma Agrária. Para isto, deve destinar recursos massivos para incentivar a produção de alimentos e fortalecer canais de comercialização, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
As políticas que estimulem a permanência dos camponeses e camponesas no campo, que fortaleça a produção, são extremamente importantes, não apenas para resolver a demanda das famílias Sem Terra; mas para resolver problemas estruturais que afetam o conjunto da sociedade, como à fome, à insegurança alimentar, à concentração de terras e poder, à exploração de trabalhadores, o racismo, o sexismo, o patriarcado, à crise ambiental, entre outras desigualdades que nos açoitam.
Todo este debate não é uma discussão apenas das famílias Sem Terra. As consequências do modelo do agronegócio tem afetado o conjunto da sociedade, seja no campo ou nas cidades: alimentos caros, crise ambiental, miséria… Então, é a sociedade quem tem que decidir e exigir: “nós vamos entrar nessa luta e vamos definir qual é o modelo de agricultura que queremos para o nosso país?”.
Por isso, nestes meses de março e abril, estaremos em jornadas de lutas pela Reforma Agrária, iniciando neste mês de março, com as Mulheres Sem Terra denunciando as violências causadas pelo agronegócio, e o capital no campo. E no próximo mês de abril, com nossa Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária, reivindicando os marcos de lutas em Memórias dos 21 camponeses Sem Terra, que foram mártires do Massacre de Eldorado dos Carajás em 1996, no Pará.
A solução definitiva para romper com as cercas desse ciclo de violências em nossos corpos, comunidades e territórios causadas pelo agronegócio passa pelo governo federal realizar a Reforma Agrária de fato.”
Enquanto MST, temos o compromisso com o povo brasileiro de produzir alimentos, combater as desigualdades sociais, as violências e proteger a natureza. E a nossa forma de fazer isso é com luta. Faremos nossa parte, lutando contra o latifúndio, com a expectativa de que os próximos anúncios representem a verdadeira colheita que queremos do Governo Lula.
*Agricultoras, assentadas da Reforma Agrária e dirigentes nacionais do MST.
**Edição: Solange Engelmann