O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil anunciou, em 7 de maio de 2025, um aumento de 0,50 ponto percentual na taxa Selic. Com este aumento, a Selic passou para 14,75% ao ano. O argumento utilizado é o mesmo de sempre: o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acumulava alta de 5,53% nos 12 meses anteriores até abril/25, valor acima da meta oficial de 3% do Banco Central. O Copom alega ainda risco fiscal, em função do aumento de gastos públicos, fator que poderia pressionar a inflação. No entender do Copom, o cenário externo, contaminado pela guerra comercial desencadeada pelos EUA, aumentaria o risco de aumento dos preços. 

Muito possivelmente a medida não irá resolver o problema inflacionário, mas é certo que impactará o nível de crescimento da economia, já com o crédito mais caro, e o aumento do custo de financiamento habitacional, cairá a demanda por imóveis, desacelerando assim o ritmo da construção civil. No comércio e indústria, com o crédito mais caro, a tendência é a postergação dos investimentos, atingindo em cheio também a produção industrial. 

Além de desacelerar o ritmo de crescimento, o aumento dos juros torna a renda fixa (títulos públicos e privados) extremamente atrativa, proporcionando retornos elevados com baixo risco. No mercado de câmbio, juros mais altos tornam o real mais atrativo para investidores estrangeiros, estimulando a entrada de dólares e possível valorização cambial. Aumento de juros, ademais, significam pressão sobre as contas públicas, pois, para cada 1 ponto percentual a mais na taxa Selic, o Tesouro gasta em 12 meses, no mínimo R$ 40 bilhões de juros a mais. Além desse efeito imediato e direto nas contas públicas, o aumento dos juros eleva o principal da dívida, na medida em que uma parte dos títulos o governo “rola” porque não consegue resgatar, piorando a relação dívida/PIB. 

No ano passado o valor total gasto pelo Tesouro Nacional com o pagamento de juros da dívida pública foi de R$ 950,4 bilhões, equivalente a 8,05% do PIB. Em termos absolutos, o aumento foi de R$ 232,1 bilhões nos juros pagos de 2023 para 2024 e representou um acréscimo de 1,49 ponto percentual do PIB. Sobre esse processo, deve-se destacar alguns aspectos:

1) Gastos com juros nessa magnitude – os mais elevados do mundo em relação ao PIB – por si só, ilustram o subdesenvolvimento brasileiro:

Esse atraso não é apenas econômico, mas principalmente político, porque o país sacrifica toda uma população para refestelar um número pequeno de grandes parasitas, através de um sistema de drenagem de riqueza pública. Os gastos com a dívida, por décadas e décadas, e a conivência com suas consequências sociais por parte da elite dominante, é um sintoma de um país quase escravizado, que destina uma parcela inaceitável da riqueza produzida para os serviços da dívida. O endividamento público poderia ser utilizado para alavancar a economia, como fazem outros países, que mantém os gastos com a dívida em patamares baixos em relação ao PIB e usam os recursos para promover o desenvolvimento. Por exemplo, o Japão, apesar de ter a maior taxa de endividamento do mundo, cerca de 250% do PIB, gasta apenas 0,12% do produto com os juros. ​Mas esse está longe de ser o caso do Brasil. As elites no país são tão subservientes, que ficam mendigando às agências de classificação de risco (fina flor do vampirismo financeiro), melhorias na posição do país, quando se sabe que uma boa classificação nessas agencias, significa manter uma política fiscal criminosa contra a grande maioria da população. Claro, tais elites são muito bem remuneradas por isso. 

2) A dívida trava o desenvolvimento brasileiro há cerca de meio século, pelo menos:

Os gastos excessivos com a dívida, e o consequente baixo investimento estatal na área social e produtiva, não é um fato eventual, ou que tenha acontecido nos últimos anos. Na realidade, há décadas que o Brasil alimenta esse parasita gigante. Uma das heranças malditas que a ditadura militar implantada em 1964 deixou, foi justamente o endividamento externo: no golpe, em abril, a dívida externa do Brasil totalizava US$ 3 bilhões; quando acabou a ditadura em 1985, a dívida tinha chegado a US$ 105 bilhões. A partir de 1994, com o Plano Real, com a âncora cambial adotada e as altas taxas de juros visando atrair capital estrangeiro, a um grande aumento da dívida interna, que cresceu, em termos reais, a uma média de 24,8% ao ano na segunda metade dos anos de 1990. Mesmo com a adoção do câmbio flutuante em 1999, a dívida manteve uma trajetória de crescimento, em função das altas taxas de juros.  

3) O Brasil gasta em excesso com o serviço da dívida:

Todo ano, o país gasta 6%, 7%, 8% ou mais do PIB com os chamados serviços da dívida. Em 2024 a despesa só com o pagamento dos juros da dívida pública totalizou R$ 950,4 bilhões, o maior valor da série histórica, iniciada em 2002. Esses gastos representam 8,72% do PIB de 2024. Foi um gasto superior ao da Previdência Social no ano passado, com a diferença que a ela é fundamental para cerca de 77 milhões de brasileiros, direta ou indiretamente. Os sucessivos governos, neste quadro, se limitam a fazer política pública com o que sobra no Orçamento, após o pagamento dos serviços da dívida. 

4) O chamado “problema fiscal” do Brasil é essencialmente o serviço da dívida pública:

Em 2024, o governo federal do Brasil registrou um resultado nominal consolidado, de déficit de R$ 998 bilhões. Esse resultado inclui tanto o resultado primário quanto os encargos da dívida pública. Esse déficit nominal representou aproximadamente 9,2% do PIB nacional. O setor público consolidado é formado por União, Estados, municípios e estatais. Como vimos, a despesa com juros chegou a R$ 950,4 bilhões. Portanto, não fosse os gastos com a dívida, o Brasil praticamente não teria déficit público. No entanto, todo o diagnóstico que economistas e analistas em geral, ligados ao sistema, fazem, é de que o déficit nominal seria culpa dos gastos sociais. Bolsa família, Previdência Social, Saúde e Educação, seriam os grandes vilões do orçamento público. Os juros altos e a dívida, seriam uma consequência do “descontrole fiscal” e não sua causa. Para essa abordagem, como o governo gasta demais com “medidas populistas”, o Banco Central é forçado a manter os juros nas alturas e por isso cresce a dívida pública em relação ao PIB (atualmente está em quase 80%, a oitava do mundo).

5)  A dívida trava o desenvolvimento e a reindustrialização do País:

O governo é forçado a trabalhar na margem do orçamento, em função dos gastos com a dívida. Os investimentos na Nova Indústria Brasil (NIB), previstos para o período 2023 a 2026, de R$ 1,2 trilhão, representa uma fração do que é gasto com a dívida. Nos últimos 12 meses as despesas com a dívida estão próximo de a R$ 1 trilhão, mais de 83% do orçamento da NIB para quatro anos. Nesse sentido, a dívida, além de gerar muito dinheiro para os especuladores e impedir investimentos sociais, ainda tem o papel de travar o desenvolvimento do Brasil, o que é de grande interesse dos países imperialistas. 

6) A dívida se constitui como um “sistema”:

A dívida púbica brasileira não é um mecanismo de alavancagem do desenvolvimento, como poderia ser, e sim uma engrenagem para gerar lucros infinitos para os rentistas. Além dos gastos com a dívida, que respondem por si só, esse fenômeno pode também ser constatado pelo lucro dos bancos no Brasil, que estão sempre entre os maiores do mundo. O lucro líquido dos 5 maiores bancos em 2024 (BB, CEF, Santander, Bradesco, Itaú) foi de R$ 125,6 bilhões, 20% de crescimento em relação ao ano anterior. O Brasil cresceu 3,4%, e o lucro dos bancos cresceu 6,6 vezes mais. Ao contrário do que querem fazer parecer, a dívida é basicamente um mecanismo exclusivamente financeiro, para transferir o excedente público para a mão dos rentistas, boa parte inclusive, estrangeiros. 

7) A dívida é ilegítima:

O esquema está lotado de fraudes e ilegalidades, por isso não se consegue aprovar no Congresso Nacional uma auditoria da dívida pública. No caso de uma auditoria, muitos aspectos obscuros viriam à luz, o que não interessa aos beneficiários do sistema, que ganham muito dinheiro. Por exemplo, as taxas de juros escorchantes que reajustam os títulos da dívida, não encontra paralelo no mundo. A desculpa para o aumento dos juros é a ameaça inflacionária. O Brasil encerrou 2024 com uma inflação de 4,83% (IPCA), puxada por “Alimentação e Bebidas”, que teve o maior impacto no índice anual, acumulando alta de 7,69% e gasolina, com o maior impacto individual sobre a inflação do ano, com alta de 9,71% e contribuição de 0,48 pontos percentuais. Que influência poderia ter a taxa de juros sobre esses preços? Quem vai comer menos tomate ou laranja, por conta do aumento da taxa Selic?  A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada em 2009 e 2010, que não deu em nada, constatou inúmeras fraudes e irregularidades. Por conta desses e de muitos outros fatores, a dívida pública pode ser considerada ilegítima. 

8) Toda a política econômica do governo se ajusta às necessidades de pagamento dos banqueiros:

Todo o debate sobre finanças públicas no Brasil é feito com base no conceito de resultado primário. ​O resultado primário é um indicador fiscal que mede a diferença entre todas as receitas e despesas de um governo, excluindo apenas uma, que são os gastos com juros da dívida pública. Ou seja, toda a discussão sobre o resultado financeiro do governo, é realizada sobre os gastos primários (educação, saúde, defesa nacional, previdência social), ignorando o fundamental, que são os gastos com a dívida pública. Neste momento, por exemplo, a pancadaria é dirigida contra a política de reajuste do salário-mínimo. Os “especialistas” estão dizendo, dentre outras, que uma nova reforma previdenciária não surtirá o efeito desejado sobre as contas se não mudar a regra atual de reajuste do mínimo. Como o piso nacional de salários indexa grande parte das despesas previdenciárias e assistenciais, querem liquidar a do salário-mínimo, que já foi limitada no último pacote fiscal, em dezembro de 2024. Perante a impossibilidade de enfrentar os rentistas, todo o esforço dos governos é de reduzir os gastos primários. É exatamente por isso que, de 1985 para cá, o Brasil já realizou sete reformas da previdência, todas elas retirando direitos da população. Neste momento, inclusive, já estão falando em uma nova “reforma” da previdência. 

9) Os gastos com a dívida restringem o combate à pobreza:

Enquanto o país destina mais de 8% do PIB para o pagamento dos serviços da dívida, o Programa Bolsa Família atende aproximadamente 20,5 milhões de famílias, cerca de 61,5 milhões de pessoas e custa R$ 169,5 bilhões (gasto estimado em 2024). Os gastos com Saúde do governo federal no ano passado foram de R$ 215,9 bilhões, e com Educação totalizaram R$ 110,9 bilhões. Ou seja, os investimentos em educação e saúde, somados, representaram 34,40% dos gastos com juros da dívida. Em 2024, a arrecadação federal de impostos totalizou R$ 2,71 trilhões. O resultado representa uma alta real (descontada a inflação) de 9,62% ante 2023, que é recorde na história do Brasil. Desse valor, quase um trilhão foi para o pagamento dos juros da dívida. 

10) A Dívida Pública não gera contrapartida em investimentos:

Conforme vem denunciando há anos, a Auditoria Cidadão da Dívida (ACD), a dívida não financia qualquer investimento no país. Esse fato foi reconhecido pelo próprio Tribunal de Contas da União (TCU). ​Estudo do TCU, apresentado no Senado Federal em 2019, indicou que, entre 2000 e 2017, a dívida pública brasileira não foi utilizada para financiar investimentos no país. ​O referido estudo resultou no Acórdão nº 1.084/2018 que, inclusive, detalha que, no período referido, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) aumentou R$ 1,911 trilhão, sendo R$ 3,043 trilhões referentes à apropriação de juros, enquanto as emissões líquidas totalizaram R$ 1,132 trilhão. Os dados comprovaram o que já se conhece há muito tempo: o crescimento permanente da dívida pública em decorrência dos juros escorchantes. Paga-se uma montanha de dinheiro e o principal da dívida só cresce. É um esquema. 

11) Nenhum governo quer enfrentar o problema, porque reconhece que é um verdadeiro vespeiro:

A dívida é a prioridade do orçamento. Todas as áreas sofrem contingenciamento, menos o pagamento dos credores. A solução seria realizar uma auditoria pública da dívida, mas esse é um tabu sobre o qual nem se fala no Congresso Nacional. Nem governos de esquerda, e muito menos os de direita, querem pegar o touro pelos chifres e enfrentar o problema da dívida. Regra geral, o horizonte dos governos, no Brasil, quando muito, alcança até a próxima eleição. Em face do problema da dívida, sabendo da força dos rentistas, os governos preferem fazer o que é possível, nas margens do orçamento público consumido pela dívida. Não há dúvidas de que, entre o conjunto de grandes problemas que o país terá que enfrentar para se desenvolver, a dívida pública está entre os principais, juntamente com o modelo regressivo de pagamento de impostos, a mineração predatória e o grande agronegócio para exportações de commodities alimentares. Contraditoriamente, as mazelas do país, ao mesmo tempo, revelam o potencial de desenvolvimento do Brasil. Mas o país não vai conseguir se libertar desses problemas com “jeitinhos”. A solução do problema irá requerer muita luta da maioria da população.

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Last Update: 13/05/2025