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A ciência dos EUA corre riscos com Donald Trump?

por Rodrigo de Oliveira Andrade

A eleição de Donald Trump para um segundo mandato reacendeu as preocupações da comunidade científica internacional em relação aos rumos da ciência e tecnologia nos Estados Unidos. Não é para menos. Durante sua primeira administração (2017–2021), Trump foi criticado por interferências em agências científicas, cortes orçamentários e posturas controversas sobre temas cruciais, como mudanças climáticas e saúde pública.

Trump interferiu em agências de ciência e saúde, pressionando-as e até mesmo obrigando-as a alterar relatórios e recomendações para alinhá-los às suas políticas e declarações públicas. Durante a pandemia de covid-19, chegou a sugerir que luz solar e injeções de desinfetante poderiam ser usadas contra o novo coronavírus (Sars-CoV-2).

Na mesma época, Trump afirmou que a agência regulatória de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos, a FDA, havia aprovado o uso da hidroxicloroquina em pessoas infectadas com o vírus.

Seu pronunciamento desencadeou uma verdadeira corrida às farmácias daquele país e em outras partes do mundo, inclusive no Brasil, por pessoas desesperadas em busca do fármaco, vendido apenas com prescrição médica.

Muitas drogarias ficaram desabastecidas, o que comprometeu o tratamento daqueles que realmente precisam da droga, também usada contra lúpus e artrite reumatoide.

Ainda em 2020, Trump pressionou publicamente a FDA para que acelerasse a aprovação do uso de plasma convalescente em indivíduos acometidos pela covid-19, pois queria anunciá-lo como um avanço no tratamento da doença na Convenção Nacional Republicana.

Uma semana antes da convenção, alegou em um tuíte que a FDA estava atrasando a aprovação de tratamentos e vacinas para prejudicar suas chances de reeleição.

O impacto das políticas de Donald Trump na ciência e tecnologia dos EUA
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Interferências em agências de ciência e saúde

  • Durante seu primeiro mandato, Trump pressionou agências como a FDA e o NIH, influenciando relatórios e recomendações.
  • Polêmicas envolvendo a pandemia de Covid-19: promoção de tratamentos sem comprovação científica, como hidroxicloroquina e plasma convalescente.
  • Consequências: desabastecimento de medicamentos essenciais e perda de credibilidade de instituições científicas.

Negacionismo climático e políticas ambientais

  • Trump revogou mais de 100 regulamentações ambientais durante seu primeiro mandato.
  • Retirou os EUA do Acordo de Paris, comprometendo metas globais de redução de emissões de gases de efeito estufa.
  • Planos futuros incluem novas saídas do acordo e aumento da produção de energia nuclear.

Ameaças ao financiamento de pesquisas

  • Tentativas de cortes no orçamento de agências científicas, especialmente as relacionadas a mudanças climáticas.
  • Com controle republicano no Congresso, Trump poderá aprovar sua agenda com mais facilidade.
  • Dados climáticos públicos, essenciais para pesquisa e inovação, podem estar em risco.

Nomeações controversas para cargos estratégicos

  • Robert F. Kennedy Jr.: crítico de vacinas, escolhido para o Departamento de Saúde e Serviços Humanos.
  • Jay Bhattacharya: defensor da imunidade natural, indicado para o NIH.
  • Martin “Marty” Makary: opositor de medidas de saúde pública, indicado para a FDA.
  • Impactos: risco de politização da ciência e erosão da confiança pública em agências governamentais.

Negacionismo climático

Trump também nunca escondeu suas opiniões sobre as mudanças climáticas, e em diversas ocasiões expressou dúvidas sobre elas serem causadas pela ação humana, chegando a classificar o aquecimento global como “uma das maiores fraudes de todos os tempos”.

Não por acaso, revogou mais de 100 regras ambientais ao longo de seu primeiro mandato, contribuindo para um aumento das emissões de gases de efeito estufa no país.

Em uma de suas medidas mais drásticas, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, tratado internacional assinado em 2015 por diversos países com o objetivo incentivar ações para limitar o aumento do aquecimento global — isto é, a elevação da temperatura média global em relação aos níveis da era pré-industrial — a menos de 2 ºC, mantendo-o preferencialmente abaixo de 1,5 ºC.

À época, alegou que as metas impostas aos norte-americanos eram muito altas — o país voltou ao Acordo em 2021, no governo de Joe Biden.

É esperado que seu retorno à Casa Branca agrave a crise climática global. Trump já sinalizou que irá retirar novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris e que apoiará o aumento da produção de energia nuclear.

O republicano também pretende revogar as determinações do atual presidente Joe Biden sobre veículos elétricos e outras políticas destinadas a reduzir as emissões oriundas de automóveis.

Riscos ao financiamento de pesquisas

Outra preocupação da comunidade científica diz respeito ao financiamento de pesquisas. Em seu primeiro mandato, Trump tentou repetidamente reduzir o orçamento operacional de agências envolvidas em estudos sobre mudanças climáticas, sendo muitas vezes contido pelo Congresso.

Na última eleição, o Partido Republicano conseguiu garantir o controle total do Congresso, o que significa que Trump poderá ter mais facilidade para aprovar sua agenda nos próximos dois anos.

“Ainda não sabemos quais serão as políticas da nova administração para antecipar como elas afetarão as pesquisas sobre mudanças climáticas, disse ao Science Arena Peter Girard, vice-presidente de comunicação da Climate Central, organização norte-americana sem fins lucrativos focada na análise e divulgação de informações sobre mudanças climáticas e suas soluções.

“Uma coisa é certa: o valor científico dos dados climáticos coletados e disponibilizados pelo governo é incomparável e inestimável”, ressalta Girard.

De acordo com ele, esses recursos possibilitam o desenvolvimento de pesquisas climáticas como as realizadas pela Climate Central.

Robert F. Kennedy Jr. foi indicado por Donald Trump para chefiar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos e sua posição crítica sobre vacinas e questões científicas levanta preocupações na comunidade científica | Imagem: Gage Skidmore/Wikimedia Commons

“Além disso, dados e informações públicas contribuem para o desenvolvimento de soluções energéticas, modelos de risco e sistemas de alerta precoce que beneficiam comunidades em todo o mundo”, informa Girard.

As preocupações da comunidade científica em relação ao segundo mandato de Trump aumentaram ainda mais no início de dezembro, quando Robert F. Kennedy Jr., negacionista declarado da segurança e eficácia das vacinas, foi anunciado como chefe do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS).

O órgão abriga as seguintes instituições:

  • Os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), principal agência de apoio à pesquisa biomédica dos EUA;
  • O Departamento de Energia (DOE);
  • A agência espacial norte-americana (Nasa);
  • A National Science Foundation (NSF), principal agência norte-americana de apoio à ciência básica.

“Robert F. Kennedy Jr. é um negacionista contumaz que acredita que a AIDS não é causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e que afirmou ano passado, em um podcast, que nenhuma vacina é benéfica”, afirma Paul Offit, diretor do Centro de Educação sobre Vacinas do Hospital Infantil da Filadélfia, onde também atua como médico assistente na Divisão de Doenças Infecciosas.

“Não duvido que [Robert F. Kennedy Jr] fará o possível para deslegitimar as vacinas nos Estados Unidos nos próximos anos”, diz Paul Offit, diretor do Centro de Educação sobre Vacinas do Hospital Infantil da Filadélfia, nos EUA.

Trump também escolheu o médico Jay Bhattacharya para dirigir os NIH, que em 2025 deverá contar com um orçamento de US$ 48 bilhões.

Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Stanford, Bhattacharya é um dos autores da Declaração de Great Barrington, manifesto anti-lockdown emitido em 2020 que afirmava que o novo coronavírus deveria circular livremente entre pessoas jovens e saudáveis ​​que estivessem “com risco mínimo de morte”, para que desenvolvessem imunidade natural, enquanto os esforços de prevenção eram direcionados a pessoas mais velhas e vulneráveis.

Além disso, Trump também indicou o cirurgião Martin “Marty” Makary para ser o próximo comissário da FDA.

O médico britânico-americano ganhou destaque na pandemia por sua oposição às exigências de vacinação e outras medidas de saúde pública.

Embora alguns especialistas estejam cautelosamente otimistas de que ele trará mudanças necessárias à FDA, outros temem que Makary, um convidado frequente da Fox News, politize a ciência.

“O que todos eles têm em comum é que eles não confiam nas próprias instituições que vão comandar, acham que elas fizeram um trabalho ruim na pandemia e agora precisam ser reformuladas”, disse Offit ao Science Arena.

“Alguns colegas dizem que eles podem erodir a confiança da população nas agências governamentais de ciência e saúde”, comenta Offit.

“Eu penso o contrário: é justamente porque a confiança nesses órgãos está abalada que agora temos que lidar com esses indivíduos em postos estratégicos.”

“Pessoas estão sendo nomeadas por serem leais a Trump, não por serem competentes. Serão tempos difíceis para a ciência nos Estados Unidos”, observa o pesquisador.

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Last Update: 08/01/2025