A CIA e o anticomunismo da Escola de Frankfurt

Ensaio de autoria de Gabriel Rockhill, filósofo, autor, crítico cultural e teórico político, leciona em Villanova University e na Graterford Prison, dirige o Critical Theory Workshop na Sorbonne. Tradução Marcus Atalla.

Fundamentos da Indústria da Teoria Global

A teoria crítica da Escola de Frankfurt tem sido — junto com a teoria francesa — uma das commodities mais quentes da indústria teórica global. Juntas, elas servem como fonte comum para muitas das formas de crítica teórica que definem tendências e que atualmente dominam o mercado acadêmico no mundo capitalista, da teoria pós-colonial e descolonial à teoria queer, afro-pessimismo e além. A orientação política da Escola de Frankfurt teve, portanto, um efeito fundamental na intelectualidade ocidental globalizada.

Os luminares da primeira geração do Institute for Social Research — particularmente Theodor Adorno e Max Horkheimer, que serão o foco deste ensaio — são figuras importantes no que é chamado de marxismo ocidental ou cultural. Para aqueles familiarizados com a reorientação de Jürgen Habermas para longe do materialismo histórico na segunda e terceira gerações da Escola de Frankfurt, este trabalho inicial frequentemente representa uma verdadeira era de ouro da teoria crítica, quando ela ainda era — embora talvez passiva ou pessimista — dedicada em alguma capacidade à política radical. 

Se há um grão de verdade nesta suposição, é somente na medida em que a Escola de Frankfurt inicial é comparada a gerações posteriores que remodelaram a teoria crítica como ideologia liberal radical — ou mesmo apenas descaradamente liberal. [1] No entanto, este ponto de comparação colocou um padrão muito baixo, como é o caso sempre que se reduz a política à política acadêmica. Afinal, a primeira geração da Escola de Frankfurt viveu alguns dos conflitos mais cataclísmicos da luta de classes global do século XX , quando uma verdadeira guerra intelectual mundial estava sendo travada sobre o significado e a importância do comunismo.

Para evitar sermos enganados pela história, ou pelo paroquialismo da academia ocidental, é, portanto, importante recontextualizar o trabalho do Institute for Social Research em relação à luta de classes internacional. Uma das características mais significativas desse contexto foi a tentativa desesperada, por parte da classe dominante capitalista, seus gestores estatais e ideólogos, de redefinir a esquerda — nas palavras do agente da guerra fria da CIA Thomas Braden — como a esquerda “compatível”, ou seja, não comunista. [2] Como Braden e outros envolvidos explicaram em detalhes, uma faceta importante dessa luta consistiu no uso de dinheiro de fundações e grupos de fachada de agências como o Congress for Cultural Freedom (CCF) para promover o anticomunismo e atrair esquerdistas a tomar posições contra o socialismo realmente existente.

Horkheimer participou de pelo menos uma excursão organizada pelo CCF em Hamburgo. [3] Adorno publicou no periódico financiado pela CIA Der Monat, a maior revisão do gênero na Europa e o modelo para muitas das outras publicações da Agência. Seus artigos apareceram também em duas outras revistas da CIA: Encounter e Tempo presente. Ele também hospedou em sua casa, correspondeu-se e colaborou com o agente da CIA que era indiscutivelmente a figura principal do anticomunista alemão Kulturkampf : Melvin Lasky. [4]

Fundador e editor-chefe do Der Monat, bem como membro do comitê diretor original do CCF da CIA, Lasky disse a Adorno que estava aberto a todas as formas de colaboração com o Institute for Social Research, incluindo a publicação de seus artigos e qualquer outra declaração o mais rápido possível em suas páginas. [5] Adorno aceitou a oferta e enviou-lhe quatro manuscritos inéditos, incluindo Eclipse of Reason de Horkheimer em 1949. [6] O colaborador vitalício de Horkheimer estava, portanto, intimamente ligado às redes do CCF na Alemanha Ocidental, e seu nome aparece em um documento, provavelmente de 1958/59, que delineou planos para um comitê totalmente alemão do CCF. [7]

Além disso, mesmo depois de ter sido revelado em 1966 que esta organização internacional de propaganda era uma fachada da CIA, Adorno continuou a ser “incluído nos planos de expansão da sede de Paris [do CCF]”, pois era “negócios como de costume” na parte da Alemanha supervisionada pelos EUA. [8] Esta é apenas a ponta do iceberg, como veremos, e não é de forma alguma surpreendente, já que Adorno e Horkheimer alcançaram destaque global dentro das redes de elite da esquerda anticomunista.

Uma Análise Dialética da Produção Teórica

A análise que se segue é baseada em um relato dialético da totalidade social que situa as práticas teóricas subjetivas desses dois pais fundadores da teoria crítica dentro do mundo objetivo da luta de classes internacional. Ela não aceita a linha divisória arbitrária que muitos acadêmicos pequeno-burgueses tentam desesperadamente erguer entre a produção intelectual e o mundo socioeconômico mais amplo, como se o “pensamento” de alguém pudesse — e devesse — ser separado de sua “vida”, bem como do sistema material de produção teórica, circulação e recepção que aqui chamarei de aparato intelectual. Tal suposição não dialética, afinal, é pouco mais do que um sintoma de uma abordagem idealista ao trabalho teórico, ao qual presume que há um reino espiritual e conceitual que funciona completamente independentemente da realidade material e da economia política do conhecimento.

Essa pressuposição perpétua do fetichismo da mercadoria intelectual, ou seja, a idolatria dos produtos sagrados da indústria teórica que nos proíbe de situá-los dentro das relações sociais gerais de produção e luta de classes. Ela também serve aos interesses daqueles que têm ou aspiram a fazer parte de uma franquia específica dentro da indústria teórica global, seja ela a “teoria crítica da Escola de Frankfurt” ou qualquer outra, porque protege a imagem de marca da franquia em si (que permanece imaculada pelas relações sociais reais de produção). Enquanto o fetichismo da mercadoria intelectual é uma característica principal do consumo dentro da indústria teórica, a gestão da imagem de marca é a marca registrada da produção.

Para tal análise dialética, é importante reconhecer que Adorno e Horkheimer de fato mobilizaram sua agência subjetiva na formulação de críticas significativas ao capitalismo, à sociedade de consumo e à indústria cultural. Longe de negar isso, eu gostaria apenas de situar essas críticas dentro do mundo social objetivo, o que implica fazer uma pergunta muito simples e prática que raramente é levantada nos círculos acadêmicos: se o capitalismo é reconhecido como tendo efeitos negativos, o que deve ser feito sobre isso? Quanto mais fundo se aprofunda em sua vida e obra, peneirando o obscurantismo deliberado de seu discurso, mais óbvia e mais fácil sua resposta se torna, é entender a função social primária de seu projeto intelectual.

Pois por mais críticos que às vezes sejam do capitalismo, eles regularmente afirmam que não há alternativa, e nada pode ou deve ser feito sobre isso. Além disso, como veremos, suas críticas ao capitalismo empalidecem em comparação com sua condenação intransigente do socialismo. A marca de sua teoria crítica, em última análise, leva a uma aceitação da ordem capitalista, uma vez que o socialismo é considerado muito pior. Não muito diferente da maioria dos outros discursos da moda na academia capitalista, eles oferecem uma teoria crítica que poderíamos chamar de Teoria TMS: Tudo Menos Socialismo.

A esse respeito não é nem um pouco surpreendente que Adorno e Horkheimer tenham sido tão amplamente apoiados e promovidos dentro do mundo capitalista. Para reforçar a esquerda compatível e não comunista contra a ameaça do socialismo realmente existente, que tática melhor do que defender acadêmicos como esses como alguns dos pensadores marxistas mais importantes e até mesmo mais radicais do século XX?

O “marxismo” pode assim ser redefinido como um tipo de teoria crítica anticomunista que não está diretamente conectada à luta de classes de baixo, mas que critica livremente todas as formas de “dominação” e que, em última análise, fica do lado das sociedades de controle capitalistas contra os supostos horrores “fascistas” de poderosos estados socialistas. Como o anticomunismo ignorante tem sido tão amplamente promovido dentro da cultura capitalista, essa tentativa de redefinição do marxismo pode não ser imediatamente reconhecida por alguns leitores como reacionária e socialmente chauvinista (no sentido de que, em última análise, eleva a sociedade burguesa acima de qualquer alternativa).

Infelizmente, grandes faixas da população no mundo capitalista foram inculcadas na resposta impulsiva de calúnia desinformada, em vez de análise rigorosa, quando se trata do socialismo realmente existente. Como a história material destes projetos, com todos os seus altos e baixos – em vez de histórias mitológicas de terror construídas propagandisticamente em torno de um bicho-papão comunista — é essencial para entender o argumento que se segue, tomo a liberdade de remeter o leitor ao trabalho profundo e rico de rigorosos historiadores como Annie Lacroix-Riz, Domenico Losurdo, Carlos Martinez, Michael Parenti, Albert Szymanski, Jacques Pauwels e Walter Rodney, entre outros. 

Também encorajo o leitor a examinar as importantes comparações quantitativas entre capitalismo e socialismo realizadas por analistas exigentes como Minqi Li, Vicente Navarro e Tricontinental: Institute for Social Research. [9] Tal trabalho é um anátema para a ideologia dominante, e por um bom motivo: ele examina cientificamente as evidências, em vez de confiar em tropos antigos e reflexos ideológicos desinformados. É o tipo de trabalho histórico e materialista, além disso, tem sido amplamente ofuscado pelas formas especulativas de teoria crítica promovidas pela indústria da teoria global.

Intelectuais na Era da Revolução e da Guerra de Classe Global

Embora suas vidas iniciais tenham sido marcadas pelos eventos históricos mundiais da Revolução Russa e da tentativa de revolução na Alemanha, Adorno e Horkheimer eram estetas cautelosos com o suposto atoleiro da política de massa. Embora o interesse de Adorno no marxismo tenha sido despertado por esses incidentes, eram principalmente de natureza intelectual.

Horkheimer se envolveu marginalmente em atividades em torno da república do conselho de Munique após a Primeira Guerra Mundial, particularmente ao fornecer apoio a alguns dos envolvidos depois que o conselho foi brutalmente suprimido. No entanto, ele — o mesmo é verdade a fortiori de Adorno — “continuou a manter distância dos eventos políticos explosivos da época e a se dedicar principalmente às suas próprias preocupações pessoais”. [10] Suas posições de classe estavam longe de ser insignificantes a esse respeito, pois os posicionam, e as suas perspectivas políticas, dentro de um contexto mais amplo e objetivo das relações sociais de produção. Ambos os teóricos da Escola de Frankfurt eram de famílias abastadas.

O pai de Adorno era um “rico comerciante de vinhos” e o de Horkheimer era um “milionário” que “possuía várias fábricas têxteis”. [11] Adorno “não tinha nenhum vínculo pessoal com a vida política socialista” e manteve durante toda a sua vida “uma profunda aversão à filiação formal a qualquer organização partidária”. [12] Da mesma forma, Horkheimer nunca foi “um membro declarado de nenhum partido da classe trabalhadora”. [13] O mesmo é em geral verdadeiro para as outras figuras envolvidas nos primeiros anos da Escola de Frankfurt: “nenhum dos que pertenciam ao círculo de Horkheimer era politicamente ativo; nenhum deles tinha suas origens no movimento trabalhista ou no marxismo”. [14]

Nas palavras de John Abromeit, Horkheimer procurou preservar a suposta independência da teoria e “rejeitou a posição de Lênin, Lukács e os bolcheviques de que a teoria crítica deve ser ‘enraizada’” na classe trabalhadora, ou mais especificamente nos partidos da classe trabalhadora. [15] Ele encorajou os teóricos críticos a operar como agentes intelectuais livres em vez de basear sua pesquisa no proletariado, que era um tipo de trabalho que ele menosprezava como “propaganda totalitária”. [16]

A posição geral de Adorno, como a de Herbert Marcuse, foi resumida por Marie-Josée Levallée nos seguintes termos: “o partido bolchevique, que Lênin fez da vanguarda da Revolução de Outubro, era uma instituição centralizadora e repressiva que moldaria o Estado Soviético à sua imagem e transformaria a ditadura do proletariado em sua própria ditadura”. [17]

Quando Horkheimer assumiu a direção do Institute for Social Research em 1930, sua administração foi caracterizada por preocupações especulativas com cultura e autoritarismo, em vez de análises históricas materialistas rigorosas do capitalismo, luta de classes e imperialismo. Nas palavras de Gillian Rose, “em vez de politizar a academia”, o Instituto sob Horkheimer “academizou a política”. [18] Isso talvez não tenha sido visto em nenhum lugar mais claramente do que na “constante política do Instituto sob a direção de Horkheimer”, que “continuou abstêmica, não apenas de toda atividade que fosse remotamente política, mas também de qualquer esforço coletivo ou organizado para divulgar a situação na Alemanha ou apoiar emigrantes”. [19]

Com a ascensão do nazismo, Adorno tentou hibernar, assumindo que o regime teria como alvo apenas “os bolcheviques e comunistas pró-soviéticos ortodoxos que haviam chamado a atenção para si mesmos politicamente” (eles seriam de fato os primeiros a serem colocados nos campos de concentração). [20] Ele “absteve-se de fazer críticas públicas a qualquer tipo de crítica aos nazis e às suas políticas de ‘grande poder’”. [21]

Teoria Crítica Estilo Americano

Essa recusa em participar abertamente da política progressista foi intensificada quando os líderes do Instituto o mudaram para os Estados Unidos no início da década de 1930. A Escola de Frankfurt adaptou-se “à ordem burguesa local, censurando seu próprio trabalho passado e presente para se adequar às suscetibilidades acadêmicas ou corporativas locais”. [22] Horkheimer expurgou palavras como marxismo, revolução e comunismo de suas publicações para evitar ofender seus patrocinadores nos EUA. [23] Além disso, qualquer tipo de atividade política era estritamente proibida, como Herbert Marcuse explicou mais tarde. [24] 

Horkheimer colocou sua energia em garantir financiamento corporativo e estatal para o Instituto, e até contratou uma empresa de relações públicas para promover seu trabalho nos EUA. Outro imigrante da Alemanha, Bertolt Brecht, não foi totalmente injustificado quando descreveu criticamente os acadêmicos de Frankfurt como — nas palavras de Stuart Jeffries — “prostitutas em sua busca por apoio de fundações durante seu exílio americano, vendendo suas habilidades e opiniões como mercadorias para apoiar a ideologia dominante da sociedade opressiva dos EUA”. [25]

Eles eram, de fato, agentes intelectuais livres, sem restrições de quaisquer organizações da classe trabalhadora, na sua busca de patrocínio empresarial e estatal para a sua marca de teoria crítica orientada ao mercado. O amigo próximo de Brecht, Walter Benjamin, era um dos mais importantes interlocutores marxistas dos estudiosos de Frankfurt na época. Ele não pôde se juntar a eles nos Estados Unidos porque cometeu suicídio tragicamente em 1940 na fronteira entre a França e a Espanha, na noite anterior ao enfrentar a quase certa prisão pelos nazistas. De acordo com Adorno, ele “se matou depois de já ter sido salvo” porque havia “sido feito um membro permanente do Instituto e sabia disso”. [26] Ele estava “cheio de fundos” para sua viagem, nas palavras do famoso filósofo, e sabia “que podia confiar completamente em nós materialmente”. [27]

Esta versão da história, que apresenta o suicídio de Benjamin como uma decisão pessoal incompreensível dadas as circunstâncias, foi um exercício de mentira em prol da exoneração pessoal e institucional, de acordo com uma análise detalhada publicada recentemente por Ulrich Fries. Fries argumenta que as principais figuras da Escola de Frankfurt não apenas não estavam dispostas a ajudar Benjamin financeiramente em sua fuga dos nazistas, mas também realizaram uma extensa campanha de encobrimento para se apresentarem desonestamente como seus benfeitores benevolentes. 

Antes de seu suicídio, Benjamin dependia financeiramente do Instituto para sua renda mensal. Os estudiosos de Frankfurt desprezavam a influência de Brecht e do marxismo revolucionário em seu trabalho. Adorno não teve escrúpulos em descrever Brecht com o epíteto anticomunista “selvagem” ao explicar a Horkheimer que Benjamin precisava ser “definitivamente” liberado de sua influência. [28] Não é de surpreender, então, que Benjamin temesse perder sua renda devida, em parte, às críticas de Adorno ao seu trabalho e à recusa em publicar uma seção de seu estudo sobre Baudelaire em 1938. [29] 

Horkheimer disse explicitamente a Benjamin na mesma época, quando as forças fascistas estavam se aproximando dele, que ele deveria se preparar para a descontinuação de sua única fonte de renda desde 1934. Ele alegou, além disso, que suas mãos estavam “infelizmente atadas” quando se recusou a financiar a jornada de Benjamin para a segurança pagando por uma passagem de navio a vapor para os EUA que custaria menos de US$ 200. [30]

Isso foi literalmente “um mês depois de transferir US$ 50.000 extras para uma conta exclusiva à sua disposição”, pela “segunda vez em oito meses” a qual ele assegurou US$ 50.000 adicionais (o equivalente a pouco mais de 1 milhão de dólares em 2022). [31] Em julho de 1939, Friedrich Pollock também obteve US$ 130.000 adicionais do Instituto para Felix Weil, o filho rico de um milionário capitalista cujos lucros de uma empresa de grãos na Argentina, especulação imobiliária e comércio de carne financiaram a Escola de Frankfurt. Era vontade política, não dinheiro, que faltava.

De fato, Fries concorda com Rolf Wiggershaus que a decisão cruel de Horkheimer de abandonar Benjamin era parte de um padrão mais amplo segundo o qual os diretores “sistematicamente colocavam a realização de seus objetivos de vida privada acima dos interesses de todos os outros”, enquanto propagavam a falsa aparência de “compromisso excepcional com aqueles perseguidos pelo regime nazista”. [32] Como se para colocar o último prego no caixão de Benjamin, seu patrimônio literário foi posteriormente expurgado de seus elementos marxistas mais explícitos, de acordo com Helmut Heißenbüttel: “em tudo o que Adorno fez pela obra de Benjamin, o lado marxista-materialista permanece apagado. […] A obra aparece em uma reinterpretação em que o controverso correspondente sobrevivente impõe a sua visão”. [33]

Todd Cronan argumentou que houve uma mudança palpável na orientação política geral da Escola de Frankfurt por volta de 1940 — o ano em que Pollock escreveu “State Capitalism” — à medida que ela cada vez mais dava as costas à análise de classe em favor de privilegiar raça, cultura e identidade. “Muitas vezes me parece”, escreveu Adorno ao Horkheimer naquele ano, “que tudo o que costumávamos ver do ponto de vista do proletariado se concentrou hoje com força assustadora sobre os judeus”. [34]

De acordo com Cronan, Adorno e Horkheimer “abriram a possibilidade de dentro do marxismo se ver a classe como uma questão de poder, de dominação, em vez da economia (os judeus não eram uma categoria definida pela exploração econômica). E uma vez que essa possibilidade foi levantada, ela se tornou o modo dominante de análise na esquerda em geral”. [35] Em outras palavras, os teóricos de Frankfurt ajudaram a preparar o cenário para uma mudança mais geral da análise materialista histórica baseada na economia política em direção ao culturalismo e à política de identidade, que se consolidaram na era neoliberal.

É altamente revelador a esse respeito que o Instituto tenha realizado um estudo massivo sobre “Antissemitismo no Trabalho Americano” em 1944-45, sob a liderança de Pollock. O fascismo havia chegado ao poder com amplo apoio financeiro da classe dominante capitalista, e ainda estava em rota de guerra ao redor do mundo. No entanto, os acadêmicos de Frankfurt foram contratados para se concentrarem no suposto antissemitismo dos trabalhadores dos EUA, em vez dos financiadores capitalistas do fascismo ou dos nazistas reais que estavam lutando uma guerra contra os soviéticos. 

Eles chegaram à conclusão notável de que os sindicatos “administrados por comunistas” eram os piores de todos e que, portanto, tinham tendências “fascistas”: “Os membros desses sindicatos são menos comunistas do que fascistas”. [36] O estudo em questão foi encomendado pelo Comitê Trabalhista Judaico (JLC). Um dos líderes da JLC, David Dubinsky, tinha vários laços com a Agência Central de Inteligência e estava envolvido, juntamente com agentes da CIA como Jay Lovestone e Irving Brown, na campanha expansiva da agência para assumir o controle do movimento trabalhista organizado e expurgá-lo de comunistas. [37]

Ao identificar os sindicatos comunistas como os mais antissemitas, e até mesmo “fascistas”, a Escola de Frankfurt parece ter fornecido algumas das justificações ideológicas para destruir o movimento trabalhista comunista. Alguns podem considerar a colaboração do Institute for Social Research com as autoridades dos EUA e a autocensura justificada devido às atitudes anticomunistas, e às vezes filofascistas, da elite no poder dos EUA, sem mencionar os atos e decretos estrangeiros inimigos. [38]

De fato, com base em uma visão geral detalhada da história e das atividades do Instituto em 21 de janeiro de 1944, o Federal Bureau of Investigation (FBI) mobilizou vários informantes para espionar os acadêmicos por cerca de dez anos devido à preocupação de que o Instituto pudesse estar servindo como uma frente comunista. [39] Os informantes incluíam associados próximos do Instituto, como Karl Wittfogel, outros colegas profissionais e até vizinhos.

O FBI encontrou pouca ou nenhuma evidência de comportamento suspeito e seus oficiais parecem ter ficado tranquilos quando alguns de seus informantes, que eram pessoalmente próximos dos acadêmicos de Frankfurt, explicaram a eles que os teóricos críticos “acreditam que não há diferença entre Hitler e Stalin quanto a propósito e táticas”. [40] Na verdade, como veremos abaixo, eles reivindicariam isso mesmo em alguns dos seus escritos, incluindo quando se estabeleceram na Alemanha Ocidental e já não estavam sob a ameaça direta da vigilância do FBI e de uma potencial detenção ou deportação.

Difamar o Oriente, defender — enquanto estiver a soldo — do Ocidente

Em 1949-50, os homens de frente intelectuais da Escola de Frankfurt transferiram o Instituto de volta para a Alemanha Ocidental, um dos epicentros da guerra mundial intelectual contra o comunismo. “Neste meio”, escreve Perry Anderson, “em que o KPD [Partido Comunista da Alemanha] seria banido e o SPD [Partido Social Democrata da Alemanha] abandonaria formalmente qualquer conexão com o marxismo, a despolitização do Instituto foi concluída” [41] Ninguém menos que Jürgen Habermas — que ocasionalmente flanqueava Adorno e Horkheimer à esquerda nos primeiros anos — acusou este último de “conformismo oportunista e de estar em desacordo com a tradição crítica.” [42]

De fato, Horkheimer continuou sua censura ao trabalho do Instituto, recusando-se a publicar dois artigos de Habermas que eram críticos a democracia liberal e falavam de “revolução”, ousando sugerir a possibilidade de uma emancipação dos “grilhões da sociedade burguesa”. [43] Em sua correspondência privada, Horkheimer declarou abertamente a Adorno que “é simplesmente impossível ter admissões deste tipo no relatório de investigação de um Instituto que existe com fundos públicos desta sociedade em dificuldades”. [44] Isto parece ser uma admissão direta de que a base económica da Escola de Frankfurt foi a força motriz por detrás da sua ideologia, ou pelo menos do seu discurso público.

A esse respeito é importante lembrar que cinco dos oito membros do círculo de Horkheimer trabalharam como analistas e propagandistas para o governo dos EUA e o estado de segurança nacional, que “tinham um interesse pessoal na lealdade contínua da Escola de Frankfurt porque vários de seus membros estavam trabalhando em projetos de pesquisa governamentais sensíveis”. [45] Embora Horkheimer e Adorno não estivessem entre eles, uma vez que receberam mais apoio do Instituto, o último dos dois emigrou originalmente para os Estados Unidos para trabalhar no Escritório de Pesquisa de Rádio de Paul Lazarsfeld, um dos “adjuntos de fato dos programas de guerra psicológica do governo”. [46]

Este centro de estudos de comunicação recebeu uma bolsa substancial de US$ 67 mil da Fundação Rockefeller e trabalhou muito de perto com o estado de segurança nacional dos EUA (o dinheiro do governo representava mais de 75% do seu orçamento anual). A Fundação Rockefeller também financiou o primeiro retorno de Horkheimer à Alemanha em abril de 1948, quando ele assumiu uma cátedra convidada na Universidade de Frankfurt. Para não esquecermos, os Rockefellers são uma das maiores famílias de gangsters da história do capitalismo dos EUA, eles usam sua fundação como um abrigo fiscal que lhes permite mobilizar uma parte de sua riqueza roubada “na corrupção da atividade intelectual e da cultura”. [47]

Eles estavam, além disso, diretamente envolvidos no estado de segurança nacional durante o tempo do patrocínio da Escola de Frankfurt. Depois de servir como diretor do Escritório de Coordenação de Assuntos Interamericanos (uma agência federal de propaganda cujo trabalho se assemelhava ao do Escritório de Serviços Estratégicos e da CIA), Nelson Rockefeller se tornou, em 1954, o “’supercoordenador’ para operações clandestinas de inteligência, com o título de Assistente Especial do Presidente para Estratégia da Guerra Fria”. [48]

Ele também permitiu que o Fundo Rockefeller fosse usado como um canal para o dinheiro da CIA, muito parecido com um grande número de outras fundações capitalistas que têm uma extensa história de trabalho de mãos dadas com a corporação (conforme revelado pelo relatório do Comitê Church e outras fontes). Com todos esses laços com a classe dominante capitalista e o império dos EUA, não é de forma alguma surpreendente que o governo dos EUA tenha apoiado a mudança do Instituto de volta para a Alemanha Ocidental com uma doação muito significativa de 435.000 DM em 1950  (US$ 103.695, ou o equivalente a US$ 1.195.926 dólares em 2022). [49]

Esses fundos foram administrados por John McCloy, o Alto Comissário dos EUA para a Alemanha. McCloy era um membro central da elite no poder dos EUA, que havia trabalhado como jurista e banqueiro para grandes petrolíferas e IG Farben, e concedeu amplos perdões e comutações a criminosos de guerra nazistas. Depois de ter servido como um dos arquitetos do estado de segurança nacional dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, ele — em uma mudança de carreira indicativa do relacionamento íntimo entre o estado profundo e a classe dominante capitalista — tornou-se presidente do Chase Manhattan Bank, do Conselho de Relações Exteriores e da Fundação Ford.

Além dos fundos fornecidos por McCloy, o Instituto também recebeu apoio de doadores privados, da Sociedade de Pesquisa Social e da cidade de Frankfurt. Em 1954, ele até assinou um contrato de pesquisa com a corporação Mannesmann, que “foi um membro fundador da Liga Antibolchevique e financiou o Partido Nazista”. [50] Durante a Segunda Guerra Mundial, Mannesmann usou trabalho escravo, e seu presidente do conselho foi o nazista Wilhelm Zangen, o líder da economia de guerra do Terceiro Reich. [51] O contrato pós-guerra da Escola de Frankfurt com esta empresa foi para um estudo sociológico das opiniões dos trabalhadores, com a implicação implícita de que tal estudo ajudaria a administração a paralisar ou impedir a organização socialista.

Talvez a explicação mais clara de por que os governos capitalistas e a corporatocracia apoiaram o Institute for Social Research possa ser encontrada nas palavras de Shepard Stone. Este último, devemos notar, tinha experiência em jornalismo e inteligência militar antes de servir como Diretor de Assuntos Internacionais na Fundação Ford, onde trabalhou em estreita colaboração com a CIA no financiamento de projetos culturais ao redor do mundo (Stone até se tornou o Presidente da International Association for Cultural Freedom, que foi o novo nome dado ao Congress for Cultural Freedom em um esforço de reformulação da marca após suas origens na CIA terem sido reveladas).

Quando Stone era o diretor de assuntos públicos do Alto Comissariado para a Alemanha Ocupada na década de 1940, ele enviou uma nota pessoal ao Departamento de Estado dos EUA para incentivá-lo a estender o passaporte de Adorno: “O Instituto de Frankfurt está ajudando a treinar líderes alemães que saberão algo sobre técnicas democráticas. Acredito que é importante para nossos objetivos democráticos gerais na Alemanha que homens como o Professor Adorno tenham a oportunidade de trabalhar naquele país.” [52] O Instituto estava fazendo o tipo de trabalho ideológico que o Estado dos EUA e a classe dominante capitalista queriam apoiar — e apoiaram.

Atendendo, e até mesmo superando, os ditames da conformidade ideológica à “sociedade acorrentada” que financiou o Instituto, Horkheimer expressou abertamente seu apoio total ao governo fantoche anticomunista dos EUA na Alemanha Ocidental, cujos serviços de inteligência estavam abastecidos com ex-nazistas, bem como seu projeto imperial no Vietnã (que ele julgou necessário para deter os chineses). [53] Falando em um dos Amerika-Häuser na Alemanha, que eram postos avançados de propaganda na anticomunista Kulturkampf, ele declarou solenemente em maio de 1967 que “Na América, quando é necessário conduzir uma guerra, – e agora me escute […] não é tanto uma questão de defesa da pátria, mas é essencialmente uma questão de defesa da constituição, a defesa dos direitos do homem.” [54]

O sumo sacerdote da teoria crítica descreve aqui um país que foi fundado como uma colônia, cuja eliminação genocida da população indígena se fundiu perfeitamente com um projeto de expansão imperialista que deixou, sem dúvida, a pegada mais sangrenta — como MLK Jr. argumentou em Abril de 1967 — na história do mundo moderno (incluindo cerca de 37 intervenções militares e da CIA entre o fim da II Guerra Mundial e 1967, quando Horkheimer transmitiu esta afirmação ignominiosa através de uma plataforma de propaganda dos EUA). [55]

Embora Adorno frequentemente se entregasse à política pequeno-burguesa de passividade cúmplice, evitando pronunciamentos públicos sobre grandes eventos políticos, as poucas declarações que ele fez foram notavelmente reacionárias. Por exemplo, em 1956, ele foi coautor de um artigo com Horkheimer em defesa da invasão imperialista do Egito por Israel, Grã-Bretanha e França, que visava tomar o Canal de Suez e derrubar Nasser (uma ação condenada pelas Nações Unidas). Referindo-se a Nasser, um dos proeminentes líderes anticoloniais do movimento não alinhado, como “um chefe fascista […] que conspira com Moscou”, eles exclamaram: “Ninguém sequer se aventura a apontar que esses Estados árabes ladrões estão à espreita há anos por uma oportunidade de cair sobre Israel e massacrar os judeus que encontraram refúgio lá.” [56]

De acordo com essa inversão pseudo-dialética, são os Estados árabes que são “ladrões”, não a colônia de invasores trabalhando com os principais países imperialistas para infringir a autodeterminação dos árabes. Seria bom lembrar a rejeição incisiva de Lênin a tal sofisma, que é característica de muito do que conta para “dialética” na indústria da teoria global: “Não raramente a dialética serviu […] como uma ponte para a sofística. Mas continuamos dialéticos e combatemos a sofística não negando a possibilidade de todas as transformações em geral, mas analisando o fenômeno dado em seu cenário e desenvolvimento concretos.” [57] Essa análise concreta e materialista é precisamente o que falta nas inversões idealistas à la Adorno e Horkheimer.

Os homens de frente da Escola de Frankfurt publicaram um dos seus textos mais abertamente políticos no mesmo ano. Em vez de apoiar o movimento global pela libertação anticolonial e pela construção de um mundo socialista, eles celebram — com apenas algumas pequenas exceções — a superioridade do Ocidente, enquanto repetidamente menosprezam a União Soviética e a China. Invocando descrições racistas tradicionais de “bárbaros” no Oriente, a quem eles descrevem usando o vocabulário abertamente subumanizante de “bestas” e “hordas”, eles proclamam categoricamente que esses povos são “fascistas” que escolheram a “escravidão”. [58]

Adorno até mesmo castiga os alemães que pensam erroneamente que “os russos defendem o socialismo”, lembrando-os de que os russos são na verdade “fascistas”, acrescentando que os “industriais e banqueiros” — com quem ele aqui se identifica — já sabem disso. [59] “Tudo o que os russos escrevem desliza para a ideologia, para uma tolice grosseira e estúpida”, afirma Adorno descaradamente neste texto, como se tivesse lido tudo o que escreveram, embora, como de costume, não cita uma única fonte (nem sequer saber o idioma russo, até onde sei). [60] Alegando que há “um elemento de re-barbárie” no pensamento deles, que também pode ser encontrado em Marx e Engels, segundo Adorno, e afirma descaradamente que é “mais coisificada do que no pensamento burguês mais avançado”. [61]

Como se isso não fosse uma exibição hipócrita o suficiente, Adorno tem a ousadia de descrever este projeto de escrita com Horkheimer como um “manifesto estritamente leninista”. [62] Isso ocorre em uma discussão na qual eles afirmam que “não estão convocando ninguém a agir”, e Adorno eleva explicitamente o pensamento burguês e o que ele chama de “cultura em seu estado mais avançado” acima da suposta barbárie do pensamento socialista. [63]

Além disso, é neste contexto que Horkheimer redobrou o seu chauvinismo social ao afirmar, numa conclusão histórico-mundial que não provocou qualquer refutação por parte do seu colaborador “leninista”: “Acredito que a Europa e a América são provavelmente as melhores civilizações que a história produziu até agora no que diz respeito à prosperidade e à justiça. O ponto-chave agora é garantir a preservação destes ganhos.” [64]

Isso foi em 1956, quando os EUA ainda estavam largamente segregados racialmente, estavam envolvidos em caças às bruxas anticomunistas e campanhas de desestabilização em todo o mundo, e tinham recentemente alargado o seu alcance imperial ao derrubar governos democraticamente eleitos no Irã (1953) e na Guatemala (1954), enquanto as potências europeias travavam lutas violentas para manter as suas colônias ou convertê-las em neocolônias.

“Fascismo e comunismo são a mesma coisa”

Uma das alegações políticas mais frequente apresentadas por Adorno e Horkheimer é que há uma equivalência “totalitária” entre fascismo e comunismo, se ela se manifesta em projetos de construção de Estados socialistas, movimentos anticoloniais do “Terceiro Mundo” ou mesmo mobilizações da Nova Esquerda no mundo ocidental. Em todos os três casos, aqueles que pensam que estão rompendo com a “sociedade acorrentada” estão apenas piorando as coisas.

O fato patente de que os países capitalistas ocidentais não ofereceram nenhum baluarte significativo contra o fascismo, que surgiu dentro do mundo capitalista, e que foi precisamente a União Soviética que finalmente o derrotou, o que não parece tê-los levado a refletir sobre a viabilidade dessa tese ignorante e simplista (o que não quer dizer nada sobre a importância do socialismo para os movimentos anticoloniais e as revoltas dos anos 1960). Na verdade, apesar de todas as suas opiniões morais sobre os horrores de Auschwitz, Adorno parece ter esquecido quem realmente libertou o campo de concentração infame (o Exército Vermelho).

Continue a leitura [aqui] em VeritXpress.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 22/01/2025