A guerreira, procuradora da República, enxugou as lágrimas, da perda do filho querido, e partiu para a luta. Convocada para presidir, novamente, a Comissão de Mortos e Desaparecidos, Eugênia Gonzaga tirou o luto e voltou à linha de frente.

Desde que atuou no caso de Perus, décadas atrás, passou a ter uma legião de filhos, os desamparados pela ditadura, os que tiveram entes queridos desaparecidos. Sua dor era sua dor. E lutou com denodo, inclusive enfrentando as bestas feras do bolsonarismo, em um episódio histórico de resistência, quando foi à mídia questionar as acusações grotescas de Bolsonaro contra o pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi a primeira vez que Bolsonaro foi questionado publicamente.

Foi demitida e, com a redemocratização, recebeu o convite para voltar ao cargo. Superou as dores pessoais, assumiu o cargo, sem remuneração, e sem abrir mão de suas tarefas habituais como procuradora.

Retomou a luta para obter as certidões de óbito reconhecendo as mortes pelo Estado. Partiu dela a sugestão de procurar o Conselho Nacional de Justiça e solicitar que ordenasse aos cartórios a expedição de novas certidões de óbito, constando a informação de que foram mortos pelo Estado brasileiro. E foi um trabalho extenuante levantar todos os mortos cujas famílias deveriam receber as certidões retificadas.

Conseguiu com o presidente Luís Roberto Barroso o apoio do CNJ. Preparou o texto que deveria ser utilizado, de forma padronizada, nas novas certidões.

O coroamento seria uma cerimônia na qual o Estado brasileiro pediria oficialmente desculpas aos familiares – um gesto simbólico mas expressivo. Anteriormente, conseguiu esse momento, com a então Procuradora Geral Raquel Dodge pedindo desculpas em nome do Estado.

Aí entram os jogos da vaidade. Um dos cartórios – que sempre se recusou a fazer a retificação anteriormente – viu a oportunidade de aparecer no Jornal Nacional. Convocou duas ex-militantes para receber uma certidão e avisou a produção do JN. 

Foi uma reportagem emocionante, mas falsa, na qual a certidão não era a do CNJ, que nem começou a ser distribuída, e as duas senhoras não eram sequer da família do morto. Todos apareceram, vitoriosos, como se fosse uma vitória individual das duas ex-militantes, empanando a grande cerimônia de reparação, na qual haveria o pedido formal de desculpas do Estado brasileiro. 

E tudo porque o show não pode parar.

PS – A procuradora pediu ao seu marido que não contasse a história e o motivo de sua chateação porque, afinal, as duas senhoras exibidas foram vítimas da ditadura. Mas o marido desobedeceu, porque a solidariedade deveria ser uma marca dos lutadores pela democracia.

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Last Update: 09/01/2025