Em 10 de janeiro de 1948, a Câmara dos Deputados votava, por 179 votos contra 74, a cassação dos mandatos dos parlamentares eleitos pelo Partido Comunista do Brasil (PCB). O processo já havia se iniciado meses antes quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por três votos a dois, cassou o registro legal do partido. Um fato inédito na história política brasileira que se repete apenas hoje com a tentativa de cassação do Partido da Causa Operária (PCO).
À época, o mundo acabava de sair da Segunda Guerra Mundial e a América Latina – em especial o Brasil – estavam totalmente pressionados pelo imperialismo norte-americano para alinhar-se com uma política anticomunista. A cassação do PCB era, neste sentido, parte de um esforço dos Estados Unidos para controlar a política brasileira.
Em 1º de maio de 1947, o governo chegou a proibir as comemorações do Dia do Trabalhador. A liberdade de expressão, ao mesmo tempo, era restringida sob o argumento da segurança nacional. Em 23 de maio de 1946, uma manifestação pacífica no Largo do Carioca, Rio de Janeiro, foi violentamente reprimida, com centenas de feridos e dezenas de presos. A repressão era sistemática: sedes do PCB foram fechadas, dirigentes presos, deputados impedidos de trabalhar.
Uma das principais figuras do “partidão”, Luís Carlos Prestes, foi acusado de traição nacional por declarar que não apoiaria uma guerra do Brasil contra a União Soviética. Neste mesmo período, o PCB foi classificado como “partido estrangeiro”, subordinado a interesses soviéticos, ponto decisivo para a cassação de seu registro.
A decisão da cassação do registro partidário do PCB foi registrada na Resolução nº 1.841, de 7.5.1947 do processo nº 411/412, disponibilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Todos os trechos citados nesta seção foram retirados deste documento, a menos que tenha sido especificado o contrário.
A acusação contra o partido foi:
“a) que o partido é uma organização internacional orientada pelo comunismo marxista-leninista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (documentos n.os. 5 a 41);
b) que, em caso de guerra com a Rússia, os comunistas ficariam contra o Brasil (documentos n.os. 15 a 19);
c) o partido é estrangeiro e está a serviço da Rússia (documento n.º 18, entrevista do Secretário Geral do Ministério da Guerra).”
Ao mesmo tempo, o PCB foi denunciado por sua atuação no movimento operário, acusado de “insuflar a luta de classes”:
“A outra denúncia afirma que, logo após registrado, o partido passou a exercer ação nefasta, insuflando luta de classes, fomentando greves, procurando criar ambiente de confusão e desordem. Só havendo conseguido nas eleições de 2.12.1945 eleger um senador e quatorze deputados, obtendo seu candidato a presidente da República cerca de 500.000 votos ou 10% do eleitorado, o partido provou, concretamente, não ser brasileiro, mas dependência do comunismo russo, diante da afirmação do seu chefe de que combateria o governo que fizesse guerra à U.R.S.S. para reimplantar o fascismo, declaração essa reafirmada da tribuna da Assembleia Constituinte e bastante para demonstrar a colisão do partido com os princípios democráticos e os direitos fundamentais do homem.”
Para “comprovar” as alegações acima, a acusação forneceu à Justiça Eleitoral livros, panfletos e a transcrição de discursos de figuras públicas do partido. Além disso, solicitou acesso a uma série de documentos provenientes de outras investigações do aparato de repressão do Estado contra o PCB. Com isto, o relator do caso delegou ao Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal que tomasse as diligências que considerasse necessárias para investigar o PCB.
Com base em meras opiniões e publicações partidárias (como livros e dossiês), iniciou-se uma investigação digna de uma ditadura contra o partido comunista. O Judiciário utilizou sua autoridade para requisitar que o Ministério da Justiça, o Ministério do Trabalho e outras autoridades fossem atrás de uma série de documentos internos do PCB, bem como que seus registros contábeis fossem examinados pela polícia – um verdadeiro pente fino nas finanças do partido.
“Em consequência das deliberações do Tribunal Regional Eleitoral, seu ilustre Presidente se dirigiu às autoridades indicadas, solicitando as providências resolvidas. Ao Chefe de Polícia foi pedida a designação urgente de um perito-contador para o exame dos livros do Partido Comunista do Brasil, o que foi atendido, com a indicação de um perito-criminal (fls. 174). Ao partido se notificou para nomear seu perito-assistente, o que também foi satisfeito (fls. 179). Ambos os peritos assinaram termo de compromisso.”
O resultado das “investigações” do Ministério do Trabalho quanto à participação do PCB em greves é ainda mais absurdo:
“Do mesmo Ministério do Trabalho foi recebido relatório sôbre a atuação do P.C.B. nas greves verificadas em data recente (fls. 231 a 247), no qual se informa que o Governo em 1944 havia suspendido a proibição dos dissídios coletivos e se declara ‘Dificílimo… aos órgãos técnicos do Ministério do Trabalho responder quais as greves que foram incentivadas e dirigidas pelo P.C.’ (fls. 234) embora se tenha a convicção de que foi ele o organizador das de maior vulto, pois sua influência se faz sentir de ‘maneira insidiosa, falsa, dupla, na sombra’ (fls. 235).”
Os votos dos ministros do TSE para a cassação do partido são realmente grotescos. O principal argumento dos magistrados era de que o partido, devido a sua ideologia, era, por princípio, contra o regime democrático brasileiro. Logo, seria uma ameaça à democracia e não poderia existir.
“Falar em liberdade é falar em democracia; porém, hoje, essa democracia já não tem mais o conceito ilimitado de ontem, pois, como acentuei antes, de purificação em purificação, a democracia sentiu necessidade de defender-se e então sua conceituação doutrinária restringiu-se, mas o fez em favor dos poderes estatais
[…]Eis porque não posso deixar de acompanhar o parecer do ilustre e ponderado Procurador Geral, Dr. Alceu Barbedo, quando diz: ‘Onde há extremismo, não há democracia, pelo menos nos têrmos assentes e consignados na lei básica. A ideologia que pretende a destruição paulatina da Democracia, tem de incidir na sanção do art. 141, letra l3, da Constituição’”, afirmou o desembargador Cândido Lobo em seu voto a favor da cassação do registro partidário.
Finalmente, o parecer do Procurador-Geral da época, Temístocles Cavalcante, que pedia o arquivamento da ação, foi vencido, e o PCB foi cassado.
A perseguição contra o PCO nos dias de hoje segue o mesmo padrão. As denúncias contra o Partido se assentam em leis inventadas pelos mesmos juízes que querem destruí-lo, dispositivos legais genéricos, manipulados para atacar um inimigo político.
Em 2024, o Ministério Público Eleitoral pediu a cassação do registro partidário do Partido da Causa Operária (PCO) alegando falhas na prestação de contas — mesmo com decisões anteriores do TSE dizendo o contrário e mesmo após o Congresso aprovar uma anistia ampla por meio da Emenda Constitucional 133. O TSE, contrariando a decisão do Legislativo, continua exigindo o pagamento de multas como condição para aceitar documentos já entregues e para não cassar o Partido.
Ao mesmo tempo, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) abriu uma investigação contra o PCO, supostamente alegando que o partido é “uma organização terrorista islâmica voltada à prática de atos antissemitas”.
Tal como na cassação do PCB, a tentativa de cassação do PCO é uma tentativa do imperialismo de controlar o regime político brasileiro através do Judiciário. Em ambos os casos, o poder Judiciário interpreta falas, textos e posições políticas como “ameaças” ao tal Estado Democrático de Direito.
Exatamente por não se calar diante das arbitrariedades do Supremo Tribunal Federal (STF) e pela defesa intransigente da Resistência Palestina que o PCO entrou na mira da ditadura do Judiciário.
Por isso, o Partido da Causa Operária está lançando uma campanha contra sua cassação. A iniciativa será inaugurada em 17 de maio, próximo sábado, no Centro Cultual Benjamin Péret (CCBP) em São Paulo.
Será um dia cheio de atividades, iniciando com um almoço de confraternização e arrecadação, seguido pela tradicional Análise Política da Semana, realizada pelo presidente do PCO, Rui Costa Pimenta, transmitida pela Causa Operária TV (COTV) ao vivo todos os sábados no início da tarde. Após a análise, ocorrerá o evento principal do dia, o debate sobre a cassação do Partido com a participação destacada de Rui Costa Pimenta e transmissão simultânea.
O evento terá ainda a distribuição de material gratuito, na figura de um folheto exclusivo de 20 páginas, explicando todos os ataques contra o PCO, que vem sofrendo uma enxurrada de processos, tanto contra seus militantes, como contra seu presidente, e chegando a tentativas de cassação do Partido.