Entre as dezenas e graves confissões de Cid, consta o relato de que Bolsonaro ordenou, em dezembro de 2022, o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE

A derrubada do sigilo da bombástica delação do tenente-coronel Mauro Cid, pelo ministro Alexandre de Moraes nesta quarta-feira (19), não deixa mais dúvida sobre os inúmeros crimes cometidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e sua quadrilha. Das mãos do general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022, Cid confessou que recebeu dinheiro vivo, dentro de uma caixa de vinho, no Palácio da Alvorada, para custear despesas com o golpe para impedir a posse de Lula.

Essa foi apenas uma das dezenas e graves confissões de Cid, que revelou que Bolsonaro ordenou, em dezembro de 2022, o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em depoimento em novembro de 2024 sobre a operação Punhal Verde e Amarelo, Cid ficou frente a frente com Alexandre de Moraes e ouviu do ministro: “Quero os fatos, por isso que eu marquei essa audiência. Eu diria que é a última chance do colaborador dizer a verdade sobre tudo”.

O ex-ajudante de ordens descreveu os pormenores das ações do ex-presidente, militares e assessores na trama golpista, que concretizaram a formação de organização criminosa armada dentro da estrutura institucional do Estado brasileiro, com a finalidade de dar um golpe.

Cid delatou que Braga Netto se reuniu com ele e militares para definir ações que mobilizassem as massas populares e gerassem caos social, para que Bolsonaro pudesse decretar estado de sítio. Segundo Cid, todos concordaram com os atos para impedir a posse de Lula.

“O general Braga Netto, juntamente com os coronéis Oliveira e Ferreira Lima concordavam com a necessidade de ações que gerassem uma grande instabilidade e permitissem uma medida excepcional pelo Presidente da República. Uma medida excepcional que impedisse a posse do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva”, delatou Cid.

Crimes em série

Junto com as provas obtidas pela PF, os relatos de Cid apontam para a formação de organização criminosa e crimes contra o Estado de Direito, peculato, lavagem de capitais e obstrução da justiça.

Aos poucos, a trama golpista está sendo revelada”, postou a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann. “Surpreendendo um total de zero pessoas, Michelle Bolsonaro, então primeira-dama, fazia parte de grupo mais radical e era a primeira a instigar Jair Bolsonaro a dar um golpe de Estado. Ela não está na lista de denunciados pela PGR. Mas só por enquanto”, publicou Gleisi na rede X.

Colaboração espontânea

Partiu do próprio Cid a iniciativa de colaborar com as investigações da PF. Nos dias 5, 28 e 31 de agosto de 2023, ele prestou depoimentos que ajudaram a esclarecer os ataques virtuais a opositores, instituições e urnas eletrônicas, toda a trama da tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, além dos ataques às vacinas contra a Covid-19 e medidas sanitárias.

A lista de ilícitos é grande e não para por aí. Cid ainda expôs detalhes sobre o uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens, como o uso de cartões corporativos para pagamento de despesas pessoais, inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina, desvio de joias dadas por autoridades estrangeiras a Bolsonaro para posterior venda e apropriação dos recursos.

Em troca da delação, Cid pediu o perdão judicial ou a aplicação de pena de prisão não superior a dois anos e a restituição de bens e valores apreendidos. O ex-ajudante de Bolsonaro delatou no intuito de proteger seu pai, general Mauro Lourena Cid, diretamente envolvido na venda de joias, além da esposa e filha maior, envolvidos na falsificação dos cartões de vacina.

Bolsonaro editou minuta do golpe

A diuturna narrativa falsa de fraude nas urnas eleitorais partia do próprio Bolsonaro, segundo Cid, que atestou que Bolsonaro não só tinha ciência da famosa “minuta do golpe” como a apresentou para os comandantes das Forças Armadas. Elas foram alvo de tentativa de cooptação por parte dos comparsas de Bolsonaro, informou Cid à PF.

Bolsonaro, segundo Cid, fez alterações na minuta, definiu pela prisão de Alexandre Moraes e levou a proposta ao almirante Almir Garnier, ao general Freire Gomes e ao brigadeiro Batista Junior, que se posicionou contra qualquer tentativa de golpe. Garnier foi favorável. Freire Gomes, segundo Cid, disse que não havia fraude nas eleições.

O general Mário Fernandes tinha acesso pessoal a Bolsonaro, e era um dos mais radicais na defesa da ruptura institucional, informou à PF o ex-ajudante de ordens, que explicou que os acampamentos em frente aos quartéis não foram desmobilizados porque o ex-presidente “sempre dava esperanças que algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe”. A nota das Forças Armadas autorizando a permanência dos acampamentos se deu por ordem de Bolsonaro.

Bolsonaro é o mandante!”, publicou o líder da bancada do PT na Câmara, deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), sobre a confissão de Cid de que Bolsonaro foi o mandante de espionar Alexandre de Moraes e falsificar o cartão de vacina.

Braço da Punhal Verde Amarelo, a Copa 2022 foi uma ação clandestina dos golpistas com o objetivo monitorar e assassinar Alexandre de Moraes.

Amigos escondidos no Alvorada

O então presidente chegou a esconder da Polícia alguns amigos golpistas. Cid revelou que Bolsonaro abriu as portas do Palácio do Alvorada para abrigar Oswaldo Eustáquio dia 12/12/2022, e também Bismark e Paulo Souza, do canal Hipócritas, para impedir que fossem presos.

Cid confessou que o Gabinete do Ódio, instalado no mesmo andar do gabinete presidencial no Palácio do Planalto, produzia conteúdos para as redes socias que eram disparados por influenciadores, sob comando do vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ).

Partiu de Cid a ordem para a inserção de dados falsos no cartão de vacinação de Bolsonaro e sua filha Laura, a pedido do ex-presidente que gerenciava sua conta no Facebook. Carlos era responsável pelos demais perfis do pai. A PF confirmou, pelos celulares apreendidos, que o próprio Bolsonaro repassava mensagens de ataque às urnas eletrônicas e aos ministros do STF.

Hacker na Defesa

Bolsonaro se empenhava em desacreditar as urnas eletrônicas e Cid confirmou que, após um café da manhã com o hacker e a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) o ex-presidente acionou o Ministério da Defesa para receber Delgatti. O ex-presidente queria que o ministério emitisse um relatório apontando fraude nas urnas.

Bolsonaro reclamava dos pagamentos da condenação judicial em litígio com a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) e das multas de trânsito por não usar o capacete nas motociatas. Segundo Cid, o ex-presidente recebeu uma parte da receita da venda das joias em dinheiro vivo, cerca de U$ 18 mil dólares e mais U$ 64 mil forma fracionada, para fugir do controle do sistema bancário.

Cid reportou o uso do cartão corporativo pela família Bolsonaro de forma triangula, com saques na boca do caixa e pagamentos em dinheiro para camuflar a origem e o destino dos recursos públicos.

Michelle radical

Num dos relatos, Cid descreveu os três grupos que atuavam junto a Bolsonaro após a derrota de 2022. O “conservador”, composto por figuras como o senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Ciro Nogueira (PP-PI) e o brigadeiro Batista Junior, orientava o ex-presidente a se colocar com líder da oposição e acabar com os acampamentos em frente aos quarteis.

Na turma “moderada”, Cid incluiu os generais do Exército Freire Gomes e Paulo Sérgio, ministro da Defesa, que não se opunham ao resultado das eleições. O grupo “radical” tinha o general Eduardo Pazzuello e o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto e defendia que as eleições foram fraudadas e incentivavam Bolsonaro a dar golpe de Estado.

Os mais radicais eram o deputado federal Onix Lorenzoni (PL-RS), senadores Jorge Seiff (PL-SC) e Magno Malta (PL-ES), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-RJ), o general Mário Fernandes e a esposa Michele Bolsonaro. Segundo Cid, eles romantizavam o artigo 142 da Constituição como fundamento para o golpe e tinham convicção que os caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) se manteriam na rua por Bolsonaro.

PTNacional, com portal UOL

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Last Update: 20/02/2025