Acompanhar as Olimpíadas é um fenômeno inevitável. E não apenas pelo impacto midiático. Afinal, não é preciso ser um fã de esportes para reconhecer que os Jogos reúnem os melhores atletas do mundo e nos fazem vibrar e se emocionar com desempenhos que são demonstrações da capacidade humana em superar limites e atingir objetivos.
Contudo, escrever sobre o tema é um desafio. Primeiro, porque as Olimpíadas, ao contrário do que se pensa, não são um intervalo nos conflitos e contradições do mundo real. Pelo contrário, os Jogos também são afetados pelas mazelas do capitalismo e pela profunda polarização que caracteriza a atual crise do sistema.
Na largada, não faltaram protestos
A preparação de Paris para as Olimpíadas foi marcada por protestos e greves, que denunciaram falcatruas financeiras, desvio de verbas e superexploração da mão de obra. E, em função disso, houve movimentos grevistas nos aeroportos e serviços públicos.
A situação mais grave se deu entre os milhares de trabalhadores sem documentos que trabalharam nas obras, submetidos a jornadas extenuantes, expostos a enormes riscos, sem pagamento de horas extras, sem vale-refeição ou quaisquer outros direitos trabalhistas.
Hipocrisia à toda prova
As contradições em Paris vieram à tona na cerimônia de abertura, quando as autoridades francesas tentaram vender o país como berço dos ideais burgueses de “igualdade, liberdade e fraternidade”, enquanto a delegação da Argélia jogou rosas no Rio Sena, lembrando as centenas de argelinos que foram “desaparecidos” nas águas da cidade.
Na sequência, tiveram que lidar com protestos mundo afora por parte da ultradireita que se escandalizou com a celebração de diversidade e liberdade.
Dessacralizando a História
A cena que mais despertou ódio foi a apresentação de homens e mulheres de várias etnias, a maioria transexuais e “drag queens”, que encenaram um “banquete dionisíaco” em homenagem ao deus grego da festa e do prazer.
Diante da polêmica, o criador do espetáculo tentou sair pela tangente, afirmando que se inspirou no quadro “Festa dos Deuses” de Jan Harmensz van Bijlert, quando se sabe que o pintor holandês já havia se remetido à obra de Leonardo, que questionava os dogmas cristãos.
Mulheres negras fazendo História
As cenas protagonizadas pelas mulheres negras foram particularmente notáveis. Exemplo disto foi a cena de mãos dadas entre as norte-americanas Simone Biles e Jordan Chiles e a brasileira Rebeca Andrade, e a judoca Bia Souza, que detonou uma sionista, membro das Forças de Defesa Israelense.
Outro exemplo foi a boxeadora argelina Imane Khelif, considerada intersexo, que atacada como transgênero, derrubou uma adversária após a outra, desafiando o discurso de ódio.
Muitos outros exemplos poderiam ser dados e merecem ser celebrados. Mas, também, sem ilusões. Sabemos que a trajetória destas mulheres é exceção à regra, pois para a maioria da humanidade, ser “vitorioso” é ter um prato de comida na mesa, um emprego, moradia, acesso à Educação e à Saúde ou não ser discriminado ou assassinado ao pôr os pés na rua.
Contradições à parte, as Olimpíadas são exemplares do gigantesco potencial dos seres humanos. Um potencial que só poderá ser plenamente desenvolvido num mundo onde diferenças e desigualdades também não afetem o direito à prática esportiva.