Ray Maria e Roberto Henry, Florianópolis (SC)
Na segunda-feira (17) o governador Jorginho Mello fez mais uma ameaça à Universidade do Estado de Santa Catarina, e dessa vez, por conta de um “Cu”.
Em um encontro com empresários, o governador catarinense ameaçou reduzir verba da UDESC após a calourada dos estudantes, denominada “Cudesc”.
A divulgação da festa repercutiu nas redes sociais, sendo alvo de críticas de deputados estaduais do PL. Carregado de ultraconservadorismo como argumento, Jorginho fala em “reduzir o percentual” de recursos destinados à UDESC.
A calourada se constituiu de vários eventos associados diretamente com a cultura LGBTQIA+ e periférica, como o Transita Ball – evento de Ballroom realizado no dia 14 de março – e Ilha Privada, uma aula-performance com a artista Drag Urbana no dia 19. Os eventos, os posters de divulgação e o nome “promíscuo” da calourada foram mais do que suficientes para fazer o conservadorismo surtar, com direito a membros do MBL fazendo vídeos dotados de desinformação.
Todavia, os ataques não se limitaram apenas a políticos, também se estenderam para dentro da universidade, inclusive com o site oficial da UDESC publicando uma nota de repúdio ao evento, o qual foi organizado pela atual gestão do Diretório Central de Estudantes (DCE) Antonieta de Barros. Uma atitude de notável hipocrisia e cinismo, visto que a gestão esteve em constante contato com reitoria e servidores para organizar a calourada, com esses estando perfeitamente cientes do caráter do evento, sem dar absolutamente um pio sequer.
Adicionando mais lenha na fogueira, na quinta-feira (20) foi lida uma carta de repúdio dos servidores da UDESC à reitoria no Conselho Universitário. Nesta carta, dentre as diversas críticas feitas pelos servidores, está a acusação de má administração de recursos financeiros da reitoria, pois:
“A contratação de uma drag queen para um evento de recepção de calouros, ao custo de R$12,5 mil, levanta questionamentos sobre critérios e planejamento da gestão financeira. Não se trata de um ataque à diversidade ou à inclusão, valores que defendemos, mas de uma clara falta de responsabilidade na gestão dos recursos públicos.”
Por mais que a crítica possa se referir ao valor de contratação, ela ainda parece bastante seletiva. Com os cortes constantes de verba, teto das salas caindo aos pedaços, debilidades nos programas de permanência estudantil e a precariedade do serviço nos restaurantes universitários, o que faz esses servidores finalmente protestarem é: um bendito show de drag. Ademais, falham ao não levar em consideração que uma apresentação artística se forma em estágios de pré-produção, roteirização, montagem e produção, isso sem falar dos três turnos em que a artista trabalhou, passando o seu dia inteiro na universidade – isto é, de acordo com relatos de membros do DCE.
“Valores que defendemos”, mas para eles é inadmissível drag queens se apresentando e recebendo de acordo com sua força de trabalho. Drag é uma arte performática, mas pelo que parece, o fomento à cultura, à arte e ao lazer de estudantes é válido somente se corresponde aos valores burgueses de uma instituição burguesa. Chamam esses eventos de alta adesão estudantil de vulgares, mas cometem o erro de não pesquisar o significado de “vulgar” para se deparar com: pertencente à plebe, ao vulgo; popular.
Historicamente, tudo que é considerado vulgar ou profano é fortemente associado ao povo. Para Marx, o poder reside naquele que possui os meios materiais de produção de capital. A burguesia é a classe dominante de nosso tempo e, logo, detém o poder material e cultural para propagar essa ideia o quanto quiser. Assim, o povo – principalmente as camadas mais marginalizadas – é visto como burro, inculto, promíscuo etc. Em essência, essas reclamações são ataques à cultura própria que o povo desenvolveu, mesmo que sob influência burguesa. A classe dominante detesta isso profundamente, pois se trata de um dos aspectos que representam lampejos do poder popular.
O DCE Antonieta de Barros, em nota publicada recentemente no Instagram, compartilha de posicionamento semelhante ao nosso, pontuando as contradições de seus acusadores como, por exemplo, o deputado Jessé Lopes (PL), o qual recebeu o agressor de Maria da Penha em seu gabinete, ao mesmo tempo em que ataca a calourada de uma universidade por abstrações como “destruir a moral e os bons costumes”. Além disso, a nota também tece uma autocrítica referente a divulgação do evento, ainda mantendo sua posição convicta:
“Reconhecemos falhas na divulgação do evento, que reforçaram estereótipos de gênero, e reafirmamos nosso compromisso com a luta contra a objetificação e o patriarcado. No entanto, o que realmente incomoda setores reacionários não é a representação de minorias, mas sim o debate político e o pensamento crítico promovidos pelo movimento estudantil.
Enquanto o governador Jorginho Mello e aliados cortam verbas e atacam a educação pública, nós seguimos na luta por mais vagas, recursos e estrutura digna para a UDESC. Não vamos permitir que polêmicas desviem o foco da nossa defesa por uma universidade pública, gratuita e de qualidade para todos.”
Todos os estudantes devem ter direito à universidade pública e gratuita! Bem como direito à expressão, ao descanso e lazer! É um absurdo o seguimento dos ataques com políticas neoliberais e ultraconservadoras contra estudantes catarinenses, e isso sob o governo federal de Lula (PT).
Convocamos os estudantes a se organizarem em defesa da UDESC, contra os cortes no orçamento e pela liberdade de expressão dos estudantes!
Educação não é mercadoria!
Não aos cortes da educação pública!