A luta em defesa da política das águas no Brasil

por José Machado

A aprovação da Lei 9433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH, representou um marco fundamental para implantar no Brasil uma adequada gestão das águas doces brasileiras.

A PNRH introduziu uma visão sustentável de que Governo e sociedade devem ser parceiros constantes e imprescindíveis no cuidado com as águas. A partir dela, tornaram-se possíveis a construção do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SINGREH, incluindo o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, o fortalecimento dos órgãos gestores estaduais e a criação de comitês de bacia, configurando um sistema democrático, descentralizado e participativo.

A crise política nacional desencadeada a partir de 2016 abateu-se de forma destrutiva sobre políticas públicas em geral e desse desiderato devastador não escapou a PNRH e, de lá até o presente momento, é notável a regressão institucional da política das águas.

Determinado a esvaziar e enfraquecer o Ministério do Meio Ambiente, para “passar a boiada”, o governo Bolsonaro transferiu para o Ministério do Desenvolvimento Regional – MDR a responsabilidade federal pela elaboração, deliberação e implementação da PNRH, aí incluídos o CNRH e a ANA.

O resultado disso, dentre outros retrocessos, é que o CNRH deixou de funcionar e a atuação da ANA, progressivamente integrada por pessoas com visão divergente da proposta pela PNRH, passou a ser orientada por propósitos corporativos e privatistas no uso da água.

Reforçando essa orientação, evidentemente contrária à universalização do acesso a esse bem por todos os brasileiros e brasileiras, essa Agência recebeu em 2020 nova atribuição legal – editar normas de referência para a regulação do setor de saneamento básico.

O CNRH, os conselhos estaduais e os comitês de bacia, antes tão alvissareiros e decisivos para a gestão das águas, sobretudo nas bacias hidrográficas com situações hídricas críticas, perderam força e visibilidade, comprometendo a construção compartilhada de soluções sustentáveis para a boa distribuição da água.

O Governo Lula demonstrou, no início da gestão, a vontade expressa de resgatar o arcabouço institucional originário da PNRH ao tentar devolver ao atual Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas – MMA a responsabilidade central pela elaboração e implementação da PNRH.

Restou ao MMA uma responsabilidade residual no tocante à formulação da PNRH, a ser coordenada por instância no nível de um mero departamento – Departamento de Revitalização de Bacias Hidrográficas, Acesso à Água e Uso Múltiplo dos Recursos Hídricos, improvisado na Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável.

Já as responsabilidades do MIDR, virtualmente maiores, carecem, igualmente, de uma estrutura de governança compatível, pois lá também cabe a um departamento – Departamento de Recursos Hídricos e Revitalização de Bacias Hidrográficas, igualmente improvisado em uma Secretaria Nacional de Segurança Hídrica, a responsabilidade pela formulação da PNRH.

As mudanças climáticas exacerbaram os riscos de desastres de natureza hídrica, sobretudo quando associados à ausência ou má gestão dos recursos hídricos, haja vista o ocorrido agora no Estado do Rio Grande do Sul, para ficarmos no caso mais recente.

A reestruturação e o fortalecimento da PNRH são estratégicos para o País e sua implementação, como nunca, precisa ser colocada no topo da agenda governamental.

A situação relatada nos parágrafos anteriores é ilustrativa da governança diminuta, caótica, esgarçada e insustentável que hoje predomina no âmbito da PNRH.

A luta é dura, mas não abdicaremos dela.

José MachadoFoi Prefeito de Piracicaba/SP; Deputado Estadual e Federal; Diretor-Presidente da ANA e Secretário Executivo do MMA

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Última Atualização: 16/07/2024