
Em 1973, o antropólogo Santiago Genovés deu início a um dos experimentos sociais mais inusitados da história: a expedição Acali, que reuniu 11 pessoas de diferentes origens em uma balsa no meio do oceano para estudar o comportamento humano diante da violência, sexualidade e poder. O projeto, posteriormente apelidado pela imprensa como “a balsa do sexo”, visava provocar tensões e observar como os indivíduos reagiriam ao confinamento, à hierarquia e à atração sexual ao longo de 101 dias em alto-mar.
A balsa, sem motor ou eletricidade, partiu das Ilhas Canárias rumo ao México, sob o comando da sueca Maria Björnstam, a primeira mulher oficialmente designada como capitã de uma embarcação. Genovés distribuiu papéis de liderança apenas entre as mulheres e colocou figuras como um padre católico a bordo, acreditando que os conflitos surgiriam naturalmente. A imprensa sensacionalista rapidamente transformou o experimento em manchetes escandalosas sobre “orgias em alto-mar”, embora a realidade tenha sido bem mais complexa e menos explosiva.
Apesar da proximidade física e de algumas relações sexuais entre os tripulantes, o grupo não apresentou comportamentos violentos como o cientista previa. O que surpreendeu foi o efeito do próprio Genovés sobre os participantes: ele se tornou autoritário, tentou controlar todos os aspectos do experimento e acabou sendo rejeitado pelo grupo. Em certo ponto, os tripulantes cogitaram matá-lo para recuperar a paz a bordo, como relataram anos depois no documentário “A Balsa”, do diretor sueco Marcus Lindeen.

A experiência revelou mais sobre o próprio pesquisador do que sobre seus voluntários. Genovés, frustrado com a ausência de conflitos, tentou manipular situações que provocassem tensão, mas acabou isolado emocionalmente. “O único comportamento agressivo observado foi o meu”, admitiu. Para os voluntários, a viagem foi uma aventura que criou laços duradouros, enquanto para o cientista foi um momento de crise pessoal.
O projeto Acali, que pretendia responder à pergunta “É possível viver sem guerras?”, acabou oferecendo outro tipo de resposta: mostrou que a convivência em ambientes hostis pode se tornar pacífica quando há espaço para diálogo e empatia. Em vez de guerras, surgiram cantos, histórias e apoio mútuo — mesmo sob pressão, calor, desconforto e privacidade mínima.
Décadas depois, os sobreviventes do experimento ainda mantêm contato e lembram com afeto da jornada. Já Genovés seguiu com uma carreira respeitada na antropologia, embora o experimento continue sendo alvo de debates sobre ética científica e manipulação emocional. Para muitos, o que a balsa revelou foi menos sobre o conflito humano e mais sobre a fragilidade do controle quando o observador vira o observado.
Last Update: 26/07/2025