A armadilha da taxa de juros alta
por Fernanda Feil
Desde a implementação do Plano Real em 1994, a política monetária brasileira tem sido caracterizada por taxas de juros persistentemente elevadas como principal instrumento de controle inflacionário. A Selic, como mostra o Gráfico 1, chegou a ultrapassar 40% ao ano no início da estabilização monetária e, mesmo com a consolidação do regime de metas de inflação a partir de 1999, manteve-se em patamares elevados. Atualmente ela se encontra em 15% ao ano, correspondendo a uma das maiores taxas de juros do mundo.

A premissa de taxas elevadas se ancora em uma hipótese simplificadora: a elevação dos juros reduzirá a inflação via contenção da demanda agregada, por meio do estímulo à poupança e da desaceleração do consumo. Essa lógica ignora os determinantes reais da inflação brasileira, que são majoritariamente de origem estrutural e de custo — não de demanda. Além disso, desconsidera os efeitos colaterais profundos da política monetária sobre o investimento, o crédito, a renda e o próprio crescimento econômico.
Na prática, juros elevados não promovem o aumento da poupança. Em contextos de incerteza e instabilidade, taxas de juros mais altas tendem a intensificar a preferência dos agentes econômicos pela liquidez. Ainda, a poupança não é uma variável autônoma estimulada pela taxa de juros, mas sim uma consequência do nível de renda agregada. Como os juros altos desestimulam o investimento produtivo e desaceleram a atividade econômica, acabam por reduzir a própria renda disponível.
Ainda mais, em um ambiente de crédito caro e volátil, parte significativa da renda é absorvida pelo serviço da dívida, reduzindo ainda mais a capacidade de formação de poupança líquida. Assim, ao invés de gerar equilíbrio macroeconômico, a política de juros elevados reforça a instabilidade, reprime o investimento e compromete o crescimento sustentável da economia.
Especificamente, juros elevados aumentam o custo de oportunidade do capital, tornando o investimento produtivo menos atraente em comparação com aplicações financeiras de baixo risco e alto retorno, como os títulos públicos indexados à própria Selic. Dessa forma, o capital é redirecionado para o setor financeiro em vez de ser investido na produção real, aprofundando o processo de financeirização da economia. Em vez de conter a inflação, a política de juros altos desestimula a atividade produtiva, reduz a oferta futura de bens e serviços e compromete o crescimento econômico de longo prazo.
Esse desestímulo ao investimento produtivo se tornou ainda mais evidente na realidade brasileira após a substituição da antiga TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) pela TLP (Taxa de Longo Prazo) nos financiamentos do BNDES, em 2018. Diferentemente da TJLP, que mantinha um nível de juros relativamente estável para apoiar investimentos de longo prazo, a TLP passou a variar de forma pró-cíclica, acompanhando as flutuações da taxa Selic e os rendimentos dos títulos públicos indexados à inflação.
Com isso, o custo dos financiamentos do BNDES passou a oscilar de acordo com a política monetária de curto prazo, tornando o crédito de fomento volátil, caro e sujeito às mesmas pressões do mercado financeiro – ver gráfico 2. Na prática, a TLP reforçou o efeito da alta dos juros sobre o setor produtivo, pois os empresários passaram a enfrentar custos crescentes de capital em momentos de aperto monetário — justamente quando o estímulo ao investimento seria mais necessário para reativar a economia. Essa mudança institucional desestruturou uma das principais fontes de financiamento estável para projetos de longo prazo no Brasil e intensificou a substituição do investimento produtivo por aplicações financeiras, aprofundando os efeitos da política monetária restritiva sobre o crescimento.

A retração dos investimentos produtivos agravou os problemas estruturais da economia brasileira. A estagnação da capacidade produtiva limitou a resposta da oferta a choques de preço, como os de energia e alimentos, elevando a inflação por custos. Nessa situação, a resposta da política monetária convencional – elevação da Selic – é contraproducente: reduz ainda mais o crédito disponível, aumenta o custo do financiamento e reforça a retração da demanda agregada, aprofundando a estagnação.
Esse ciclo vicioso compromete a capacidade do Estado de atuar de forma coordenada e planejada na indução do desenvolvimento, especialmente num momento em que a transição ecológica exige um novo paradigma produtivo.
Essa realidade já seria grave em uma conjuntura “normal” de estabilidade macroeconômica e baixo risco estrutural. No entanto, ela se torna ainda mais preocupante diante do atual contexto de crise climática, ambiental e social, que introduz novos riscos à estrutura produtiva e à coesão social dos países. A transição para uma economia sustentável, resiliente e inclusiva não é mais uma possibilidade futura, mas uma necessidade urgente e concreta. Isso exige uma nova convenção macroeconômica, na qual políticas fiscal e monetária deixem de operar de forma isolada e desarticulada, e passem a ser coordenadas com os objetivos de sustentabilidade e transformação estrutural.
Diante desse novo cenário as políticas fiscal e monetária precisam ser reorientadas. Essa mudança deve começar por uma revisão da política de juros, que deve ser compatível com os objetivos de estabilidade macroeconômica, estímulo ao investimento produtivo e promoção de uma transição ecológica justa.
Fernanda Feil – Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia da UFF, diretora no Centro de Finanças Sustentáveis – CeFiS e pesquisadora do Grupo de Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF
Blog: Democracia e Economia – Desenvolvimento, Finanças e Política
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF
O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp
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