Jonathan Haidt tem uma missão. Como professor de Ética na Escola de Administração Stern da Universidade de Nova York, ele é um ativista esforçado. Sua missão é alertar as pessoas sobre os danos que as redes sociais e a forma contemporânea de criar filhos estão causando às crianças.
Sua obra mais recente, A Geração Ansiosa – Como a Infância Hiperconectada Está Causando Uma Epidemia de Transtornos Mentais, não faz rodeios. Para o jornal The New York Times, a obra é “uma cruzada erudita, envolvente e combativa”, o que muito provavelmente explique por que está na lista dos mais vendidos de não ficção do jornal há 16 semanas.
Haidt escreve sobre uma “onda gigante” de doenças mentais e angústia a partir de 2012. As meninas adolescentes são, de acordo com ele, as mais atingidas, mas os meninos também sofrem, assim como os jovens mais velhos.
O pesquisador enxerga dois fatores por trás desse fenômeno. O primeiro é o declínio da infância baseada em brincadeiras, provocado por pais excessivamente ansiosos, que dão aos filhos menos oportunidades de brincar sem supervisão e restringem seus movimentos.
Isso se traduz em infâncias de baixo risco, nas quais as crianças não têm a oportunidade de cometer erros e aprender com eles. O segundo fator é a onipresença dos smartphones e seus inúmeros aplicativos de redes sociais. O resultado, neste caso, é a “grande reprogramação da infância” à qual Haidt se refere e uma epidemia de doenças mentais e angústia.
As prescrições de Haidt para esses males incluem proibir smartphones nas escolas e dar mais independência às crianças. Ele sugere que os pais devem aprender com a visão sensível da psicóloga Alison Gopnik. Ela, no livro O Jardineiro e o Carpinteiro, afirma que os pais devem pensar em si mesmos como “jardineiros” – interessados em cultivo, crescimento e desenvolvimento – em vez de atuarem como “carpinteiros” – que buscam controlar, projetar e moldar seus filhos.
As enormes vendas de A Geração Ansiosa sugerem que as pessoas têm prestado atenção no que ele prega – pelo menos, no que diz respeito à questão do controle do telefone.
Aqui e ali, as escolas começam a proibir smartphones. Os jovens ricos que chegarem ao Eton College, em Windsor, no Reino Unido, no próximo período letivo serão obrigados a entregar seus iPhones 15 Pro e contentar-se com Nokias antiquados que só podem fazer ligações e trocar mensagens de texto. E para onde o Eton vai, outros estabelecimentos de alto nível também devem ir. Poucos acadêmicos americanos causam esse tipo de impacto.
Mas aqui reside o enigma: os colegas do professor Haidt estão profundamente descrentes de suas evidências de que as redes sociais estão na origem da epidemia de doenças mentais entre adolescentes.
Ao analisar seu livro na revista Nature, Candice Odgers, uma importante especialista americana na relação entre as redes sociais e a saúde mental dos adolescentes, escreveu: “A sugestão repetida no livro de que as tecnologias digitais estão reprogramando o cérebro de nossas crianças e causando uma epidemia de doenças mentais não é apoiada pela ciência. Pior, a ousada proposição de que as redes sociais são as culpadas pode nos desviar de uma reação efetiva às causas reais da atual crise de saúde mental em jovens”.
As queixas dos críticos de Haidt concentram-se em duas categorias. A primeira é que grande parte da pesquisa sobre a qual ele constrói seu pensamento tem deficiências metodológicas, no sentido de que não atende aos padrões da pesquisa científica sobre fatores causais. Em outras palavras, não é exatamente ciência.
A segunda crítica é que o fenômeno descrito pode ser o que se costumava chamar de “problema do Primeiro Mundo”, ou seja, essa crise seria vivenciada, essencialmente, por garotas adolescentes de sociedades ricas, individualistas e seculares, menos ligadas às comunidades.
Essa crítica parece ser sustentada por um estudo sobre o impacto causado pelo Facebook no bem-estar de quase 1 milhão de indivíduos de 2008 a 2019, em 72 países. O estudo não encontrou “qualquer evidência sugerindo que a penetração global da rede social esteja associada a danos psicológicos generalizados”.
A missão do autor é alertar os pais sobre os danos que o modelo atual de criação tem causado
Essas questões metodológicas são, porém, triviais, diante da magnitude dos problemas apresentados pelas redes sociais. Você, afinal de contas, não precisa ser um estatístico para saber que, digamos, o Instagram é tóxico para algumas adolescentes – supostamente, muitas.
Desde as revelações da engenheira Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, temos a clareza de que a própria rede criada por Mark Zuckerberg sabia que 13% das adolescentes britânicas disseram que seus pensamentos suicidas se tornaram mais frequentes depois de terem começado a usar o Instagram.
E os próprios pesquisadores da empresa descobriram que 32% das adolescentes disseram que, quando se sentiram mal com seus corpos, o Instagram as fazia sentir-se pior.
Essas descobertas quase certamente não atendem aos exigentes padrões das melhores pesquisas científicas, mas dizem o que precisamos saber: que uma corporação que lucra explorando jovens dessa maneira é uma face inaceitável do capitalismo digital.
Então, talvez, o que os críticos de Haidt devam lembrar é que, como observou um sábio certa vez, a ausência de evidência não é evidência de ausência. •
Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1324 de CartaCapital, em 21 de agosto de 2024.