A alta da Selic ‘mata mais matado’

Pode parecer estranho uma coluna de negócios se intrometer no tema da taxa Selic. Mas ela está diretamente vinculada ao mercado, visto que sua finalidade seria controlar a inflação desestimulando o consumo. O problema é que ela desestimula também investimentos, aumenta a dívida pública e o endividamento das famílias. Cria-se um ciclo perverso, um “matar mais matado”, em que a economia só se fragiliza.

Nessa semana o Copom subiu novamente a taxa de juros. Batemos 14,25%. O mecanismo apoiado de maneira frenética pela grande maioria do setor financeiro e atacado frontalmente pelo setor produtivo, é um remédio amargo para conter o processo inflacionário e, dizem, colocar a economia nos eixos. Mas o que realmente acontece quando a Selic sobe a patamares tão elevados?

O aumento da taxa Selic produz um efeito ilustrado no próprio site do Banco Central. Juros mais altos desestimulam o consumo e, consequentemente, obrigam o mercado a realinhar seus preços. Os empréstimos ficam mais caros, as taxas de juros de cartões de crédito sobem, e o freio de arrumação produzirá efeitos benéficos na economia. Será?

Um estudo produzido em 2024 pelo MADE – Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da Faculdade de Economia e Administração da USP, aponta um resultado que deveria deixar todos absolutamente preocupados. Há um parágrafo minimamente alvissareiro.

“Nossas estimativas sugerem que o aumento de 1 p.p. na Selic está associado a uma redução de 0,02 p.p. na taxa de inflação agregada 24 meses depois. Este resultado sugere que a inflação agregada não parece ser muito sensível a elevações na taxa Selic para este horizonte de tempo.” Em síntese: aumenta-se 1 ponto a Selic e, após dois anos, o resultado tende a ser uma redução de 0,02% na taxa de inflação agregada. O estudo avança para análise sobre os grupos que formam o IPCA. Também contém um alerta sobre algumas especificidades de períodos e menções sobre os anos da pandemia. Vale a leitura.

Fazendo as contas de maneira simplista, para haver uma redução de 2p.p. na inflação, teríamos que ter uma elevação na taxa Selic de mais 10%! Alguém pode encontrar razoabilidade nisso? Se a ideia é combater a inflação, recorrer a aumentos tresloucados de juros pode ter efeito mínimo nos índices, mas devastador no restante da economia. É como saltar do 13º andar ou do 14º – não faz diferença, pois o tombo é fatal de qualquer jeito. A pergunta é se o remédio, quando exagerado, entrega realmente os resultados prometidos.

O Brasil tem um problema brutal de competitividade que esbarra, dentre outras coisas, no parque tecnológico defasado. Com as taxas de juros mais elevadas, a indústria não investe, o que derruba ainda mais a combalida competitividade. A redução de consumo também impacta nos resultados das empresas, reforçando medidas de contenção de gastos. Diminuem investimentos. Há uma expectativa de que empresas, para enfrentar o mercado, diminuam seus preços. Na verdade, uma série delas, perdendo vendas, aumentam os preços, pois quantidade de vendas não paga salário. Ou demitem.

O impacto no setor produtivo é, em geral, ruim. Mas muito pior para as pequenas e médias empresas. Com maior dificuldade de acesso a crédito, o aumento do endividamento pode ser fatal para muitas empresas. Os oligopólios lidam melhor com crises e têm força para impor presença no mercado. Enfrentam a situação atacando a concorrência. Estas, fragilizadas, perdem espaço. O preço cairia? Sem concorrência a tese de que o mercado controla o mercado afunda. Empreendedores, sem crédito, seguem o mesmo caminho.

O aumento do endividamento das famílias, impactado imediatamente pela taxa de juros, é outro fator importante. A taxa Selic aumenta, os empréstimos e as dívidas aumentam no dia seguinte. O reflexo no consumo demora para chegar na ponta. Então, quem se beneficia imediatamente? Os rentistas, que olham a produção pelo olho mágico enquanto vigiam os cofres. Consumidores retraem-se. Perdem a confiança e mantêm a percepção de que o país não tem jeito.

Se não houvesse aumento da Selic, a inflação prosseguiria? Em fevereiro, o núcleo da inflação foi impulsionado principalmente pelos itens habitação, educação e alimentos. Será mesmo que subir a Selic resolve esses gargalos? Na conta de luz não há tanta concorrência. Já em educação, a troca de escola é uma opção limitada, e alimentação depende de clima, safra, câmbio e preço internacional. Não vai ser a taxa de juros que fará a chuva cair no cafezal.

A partir de certo ponto, manter ou elevar ainda mais a taxa Selic gera resultados duvidosos. Se não temos evidência clara de que isso controla a inflação, qual a lógica de continuar subindo? Uma coisa é certa: do 13º para o 14º andar, “morre-se” mais o futuro do que a inflação. Esta última, aparentemente, não sofre mais do que alguns arranhões.

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