No dia 13 de maio, data do aniversário de 137 anos do fim da escravidão no Brasil, foi publicado no portal Brasil 247 um texto intitulado “Liberdade para quem? A abolição da escravidão e sua herança no Brasil de hoje”. O texto é de autoria de Paola Jochimsen.

Segundo a autora, o País teria pouco a comemorar, já que, segundo o pensamento corrente do identitarismo, a comemoração do fim da escravidão para milhares de pessoas seria apagar a luta dos escravos contra o regime escravocrata, ao mesmo tempo que engrandeceria a assinante da Lei Áurea, a princesa Isabel, como já mostra o primeiro parágrafo de seu texto:

“Muito antes da assinatura da Lei Áurea por princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, milhares de pessoas já lutavam, resistiam e morriam pelo fim da escravidão. A abolição foi resultado direto de levantes populares, fugas em massa, quilombos, greves e campanhas conduzidas por homens e mulheres negros, libertos ou não, que enfrentaram o regime escravocrata com a própria vida. Essa verdade histórica ainda hoje é abafada por uma narrativa heroica e paternalista que glorifica a assinatura de uma princesa, como se a liberdade tivesse sido um presente gracioso da monarquia a um povo passivo.”

É interessante notar que essa ideia é corrente no meio da esquerda identitária. No entanto, eles nunca citam a fonte que estaria engrandecendo a princesa Isabel enquanto abafasse a luta da população contra a escravidão. A ideia também é errada em si.

Quando se comemora o fim da escravidão, o que se está comemorando é justamente o desfecho de uma luta, nada além disso. A esquerda pequeno-burguesa não consegue imaginar o que era a escravidão e tenta encontrar paralelos em questões abstratas, como a do chamado “racismo estrutural”, para tentar dizer que a situação em que vivemos hoje é praticamente a mesma de antes da abolição, como se nada tivesse mudado.

A coluna de Paola tenta também estabelecer uma distinção entre a luta travada pela população e a data da abolição, o que não faz sentido algum, pois, a luta levou justamente ao fim da escravidão. Essa data, portanto, é o ponto final de toda a luta, da mesma forma que a independência em 1822 foi o fim da luta pela independência no Brasil.

Dias atrás, para dar outro exemplo, vimos a comemoração pelos 50 anos da derrota do imperialismo norte-americano no Vietnã. Ninguém em sã consciência vai propor que não se comemore o fim da guerra no Vietnã porque o que vale é a luta e não o fim dela.

Essa ideia também mostra como a maioria da esquerda não faz ideia do que é a luta real. Não sabem que a luta tem um objetivo final e que todo o processo, até o cumprimento desse objetivo, é muito importante, mas não se trata de uma luta para não chegar a lugar algum.

Existe o objetivo estratégico a ser cumprido. Por exemplo, os operários lutam pela tomada do Estado e tudo o que fazem vai nessa direção.

A Lei Áurea, portanto, se trata do fim de toda a luta contra a escravidão no Brasil. A partir de então, por mais que se apresentem problemas residuais, não houve mais escravidão legal no País, o que se não constitui algo importante para uma classe média, certamente é motivo de júbilo para os escravos de então.

Outro ponto presente no texto e em todas as análises dos identitários é a questão dos direitos dos negros que foram libertados. Vejamos o que diz Jochimsen:

Quando a lei finalmente foi assinada no Rio de Janeiro, o Brasil foi o último país das Américas a abolir formalmente a escravidão. Mas o fez sem garantir nenhum direito aos ex-escravizados. Nada de terras, de indenização, de trabalho, de educação. Apenas o abandono e a exclusão.”

Em primeiro lugar, não é verdade que nenhum direito foi assegurado aos antigos escravos. O fato de eles não serem mais escravos, mas homens livres mostra que eles tiveram, sim, direitos que até então não tinham. Em relação à educação, nunca se pôde dizer que o Brasil garantiu que sua população tivesse acesso a ela.

Não se trata, portanto, de algo relacionado aos antigos escravos, mas a toda a população brasileira. Para se ter uma ideia, somente com a Constituição de 1934 é que o Brasil garante a educação a todos, embora ainda muito precária até os dias de hoje.

No entanto, mesmo que não levemos em conta nada disso, ainda assim, a abolição representou um alívio gigantesco para milhares de pessoas, além de proporcionar o fim de algumas amarras que travavam o desenvolvimento nacional. Tentar dizer que não valeu de nada por não alcançar todos os objetivos históricos é maluquice, pois, se assim fosse, nunca poderíamos comemorar nada na história da humanidade, a não ser que todos os problemas humanos estivessem resolvidos de uma vez.

O texto, no entanto, vai se tornando algo cômico:

A verdadeira liberdade não se dá por decreto. Ela se constrói com políticas públicas, com reparação histórica, com justiça social. Enquanto o Brasil não enfrentar seu passado escravocrata com a seriedade que ele exige e não garantir condições dignas de existência ao povo negro, o 13 de maio seguirá sendo apenas uma data simbólica: um alívio para a consciência branca, mas uma farsa para quem ainda espera por sua verdadeira libertação. Se a assinatura da Lei Áurea não representou um ato de heroísmo, tampouco resultou em liberdade plena. A abolição sem medidas concretas de inclusão transformou-se em mais uma etapa do processo de exclusão. Se não houve heroína, também não houve reparação.

Para Jochimsen, a abolição da escravatura no Brasil representou apenas um alívio para a consciência branca. A colunista, portanto, acredita que os negros deveriam continuar sendo escravos? O ideal seria, então, que continuasse existindo escravidão para que os brancos não tivessem esse “alívio para a consciência”, seja lá o que isso quer dizer?

A autora demonstra um desconhecimento profundo da história do Brasil, porque muitos brancos também lutaram pelo fim da escravidão, muitos, inclusive, dentro das forças armadas. Benjamin Constant, por exemplo, era branco. Castro Alves, citado na matéria de Jochimsen, também.

O que fazem os identitários é tentar criar uma divisão dentro do povo brasileiro entre negros e brancos, uma divisão que vai contra a história do país e da própria cultura brasileira, que nunca fez diferenças raciais. Ao mesmo tempo em que fazem isso, falam coisas como “A abolição sem medidas concretas de inclusão transformou-se em mais uma etapa do processo de exclusão.”, de onde se pode tirar a conclusão de que a escravidão atrapalhou o desenvolvimento nacional e o País deveria ter continuado no regime escravocrata.

Além disso, não levam em consideração que a ideia de uma raça pura é um mito, um mito utilizado inclusive pelo nazismo. Os “brancos” brasileiros, em sua esmagadora maioria, são descendentes de negros e poderiam dizer que são negros de pele clara.

Continuando o texto, a autora relaciona a abolição à situação de desgraça dos trabalhadores de hoje, ao mesmo tempo em que atribui ao Brasil coisas que são próprias da economia capitalista mundial, como a dita “uberização do trabalho”.

Além disso, vivemos sob uma lógica de produção que exige que pessoas dediquem suas vidas inteiras ao trabalho, sem tempo para o lazer, o pensamento ou o descanso. A precarização das relações trabalhistas, o aumento do trabalho informal, a uberização da economia e o esgotamento físico e mental dos trabalhadores refletem um novo tipo de servidão: uma escravidão moderna que se disfarça sob a ideologia do “empreendedorismo de si mesmo”. Quem não se adapta, é descartado. Quem questiona, é silenciado.

A ideia é extravagante. Não se deve comemorar o fim da escravidão porque hoje vivemos a precarização das leis trabalhistas. A autora só se esquece que as próprias leis trabalhistas só foram possíveis, pois não havia mais escravidão, já que, o regime escravocrata não garantia nenhum direito aos escravos, que dirá leis trabalhistas. A comicidade, enfim, atinge seu auge nos seguintes trechos:

Apesar desse histórico de exclusão e resistência, a população negra no Brasil conquistou, a duras penas, alguns avanços nas últimas décadas. A política de cotas raciais em universidades e concursos públicos representou um marco importante de reparação simbólica e acesso à educação.

Ou seja, a população brasileira de conjunto e, em especial a parcela negra da população, não devem se alegrar com o fim da escravidão, um regime que permitia que um ser humano pudesse ser propriedade privada de outro, mas sim com algumas vagas por meio de cotas nas universidades. É o cúmulo do pensamento pequeno-burguês.

Por fim, uma coisa inexplicável, o que seria o “racismo contra LGBT”?

“Essa ampliação do conceito jurídico é um reconhecimento de que a opressão racial no Brasil não se limita à cor da pele, mas atinge também migrantes, indígenas, populações LGBTQIA+ e outros grupos historicamente marginalizados.”

Descobrimos, portanto, que ser ou não ser escravo não importa, o que importa é conseguir entrar na universidade por cotas, além de que as grandes vítimas do racismo não são os negros, mas sim os LGBT. Sempre se aprende alguma coisa nova.

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Last Update: 14/05/2025