O governo, os erros e a prudência, por Aldo Fornazieri

O governo Lula tornou-se uma fábrica de crises. A oposição nem precisa se esforçar. Os materiais de ataque são fornecidos graciosamente pelo próprio governo. Mesmo com toda a tempestade do julgamento dos antos golpistas, a oposição consegue ficar na ofensiva e causar estragos significativos. Militantes, ativistas e apoiadores do governo chegam a olhar atônitos para Brasília: em que pese bons resultados na economia, não conseguem vislumbrar capacidade de reação política e a indicação de campinhos promissores para o futuro.

A nova crise, a do IOF, caminhou por trilhas já percorridas em crises recentes, particularmente às do anúncio do ajuste fiscal no final de 2024 e a do Pix no inicio deste ano. Sidônio Palmeira não se revelou o mago da comunicação, aquele que domina a arte do bem comunicar para conquistar corações e mentes. Gleisi Hoffmann, “a mulher bonita”, não confirmou a profecia de Lula de que “surpreenderia” na articulação política. Até agora só colheu derrotas.

Que o governo não tem comando político – algo que estamos dizendo há meses – agora é algo percebido a olho nu por quem olha da planície para o Planalto. Tem-se um ministério desorganizado, cheio de intriguinhas na cozinha do Palácio, que começam com Janja e terminam com escaramuças entre os ministros Fernando Haddad e Ruy Costa.

Os relatos que vêm de dentro da administração e dos agentes públicos de outras esferas que se dirigem aos ministérios para tratar de assuntos de municípios e estados, chegam a ser espantosos: revelam um alto grau de desorganização e bateção de cabeças nas estruturas internas e escalões inferiores do governo.

O Partido Democrata e Biden pavimentaram o caminho para que Trump voltasse à Casa Branca. O governo Lula e o PT fazem enorme esforço para perder as eleições em 2026. Note-se que nos Estados Unidos a economia estava em franca recuperação e, no Brasil, com a exceção de alguns pontos, a economia vai bem. Mas o governo é liderado pelos acontecimentos e dominado pelas suas crises e, os parlamentares do PT, são apáticos no Congresso. Perderam a anergia de lutar, de defender o governo, de liderar.

Em final de 2024, o governo anunciou o pacote de ajuste fiscal, mas aquém do que era necessário. O populismo fiscal de setores do governo e do PT impediram que o ajuste fosse mais duro e jogaram o problema para frente. Esses setores nunca entenderam que a saúde fiscal de um Estado é condição para que ele promova boas políticas sociais. Nos desajustes ficais, as camadas menos favorecidas são as que mais sofrem, seja por cortes, seja por surtos inflacionários que trazem juros altos e erosão dos salários.

Não satisfeitos em não fazer aquilo que era preciso ser feito, os populistas impuseram a ideia bisonha de que se deveria anunciar o pacote fiscal junto com a divulgação do projeto de isenção da tabela do Imposto de Renda para quem ganha até cinco mil reais. Uma coisa anulou a outra em termos de opinião pública. Um desastre de comunicação.

Depois veio a história do Pix. Outro desastre. Na decisão de adotar e medida e na sua comunicação não foram analisadas as possíveis consequências que ela poderia provocar na opinião pública e na oposição. O bolsonarismo e Nicolas Ferreira massacraram o governo fazendo-o recuar quando todo o desgaste já havia sido consumado. Foi a estratégia de maximização de danos.

Na crise do roubo dos aposentados do INSS através dos descontos não autorizados notou-se a mesma estratégia de maximização de danos. O ex-ministro Lupi, que deveria ter sido demitido quando a fraude foi descoberta, permaneceu no cargo até o desgaste atingir o ápice.

Agora veio a crise do IOF. Essa crise foi contratada no final de 2024, quando o governo não fez o que tinha que ter feito em termos de ajuste fiscal. Não cortou privilégios, não cortou gastos, não reduziu subsídios e não adotou uma política de eficiência do gasto público. A conta daquele populismo chegou agora.

O ministério da Fazenda foi empurrado para um beco sem saídas para cumprir as metas fiscais de 2025 e 2026, agravadas pela perda de arrecadação e por decisões perdulárias do Judiciário e do Congresso. O não cumprimento das metas fiscais produz efeitos negativos na dívida pública e gera instabilidade econômica num momento em que se caminha para eleições gerais.

O anúncio do aumento das alíquotas do IOF foi acompanhado por uma sucessão de erros. Tratou-se de um aumento de impostos anunciado intempestivamente, sem que houvesse negociação com o Congresso e nem com os setores econômicos afetados. Era previsível que haveria contestação. Em princípio, aumento de impostos é uma prerrogativa do Congresso.

Essa história é antiga. Em 1215, o monarca João Sem Terra concedeu a Magna Carta limitando o poder do rei, estabelecendo que o aumento de impostos teria que ser aprovada pela Casa dos Nobres. Este princípio evoluiu para o estabelecimento de que qualquer aumento de impostos na Inglaterra teria que ser aprovado pelo Parlamento. O rei Carlos I (1600-1649), buscando implantar o absolutismo, pretendeu, entre outros abusos, aumentar os impostos sem aprovação do Parlamento, desencadeando a guerra civil entre 1642 e 1649, no contexto da revolução inglesa. No final, o rei foi decapitado.

O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo e está entre os países com pior retorno de benefícios para a população de recursos auferidos pela alta carga tributária, que é regressiva. Esta é a principal causa da desigualdade social. Os governos petistas não agiram para remover essa iniquidade.

Com o IOF, o governo cometeu o mesmo erro do final de 2024: anunciou contingenciamento do orçamento junto com o aumento das alíquotas. As duas medidas se anularam e o efeito foi negativo. Logo depois de anunciar o aumento, o governo foi obrigado a recuar, ao menos em parte. Fraco e desorganizado, o governo está diante de um ultimato do presidente da Câmara, Hugo Motta, que lhe deu um prazo de dez dias para encontrar outra solução ou ver o aumento do IOF derrotado.

Além de não agir com inteligência estratégica, o governo mostra ter esquecido a virtude da prudência. Desde Aristóteles, a prudência, de modo geral, é tida como a virtude prática do bem decidir para bem agir. Ela define a escolha dos meios para atingir os fins, considerando sempre as circunstâncias e as contingências da realidade. Está implicada com o conhecimento, com a ponderação, com a avaliação racional, com o bom senso e com a escolha moral.

Como a decisão prudencial está entrelaçada com as circunstâncias e as contingências, na escolha dos meios para atingir os fins ela requer sempre, também, uma avaliação das consequências das escolhas decisórias e de sua execução. Exige a capacidade de previsão e de antecipação.

O principal atributo de um governo em sua dimensão executiva diz respeito à sua capacidade decisória, pois esta constitui o principal ativo da legitimidade de sua autoridade. Com Maquiavel, a prudência passou a ter duas novas exigências: 1) em política não existe decisão espontânea; 2) ao decidir, o líder precisa ter a certeza de que não revogará sua decisão. Um governo que revoga suas decisões decidiu errado, se tornará um governo fraco e todos pensarão em enganá-lo. O governo Lula aprisionou-se nessa armadilha.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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Last Update: 02/06/2025