Domingo, 15h30. Na laje de uma casa simples no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, a família Silva se reúne para o tradicional churrasco quinzenal. Carlos, 42 anos, funcionário da construção civil, calcula mentalmente os gastos do dia: R$ 89,90 pelo quilo da picanha (comprou apenas meio quilo), R$ 18,99 pelo quilo da asa de frango (dois quilos) e R$ 22,90 pelo pacote de linguiça (um quilo). Total: R$ 106,34.

“Pelo menos os preços deram uma trégua nos últimos meses”, comenta Carlos, enquanto vira habilmente os cortes na grelha.

A realidade da família Silva, embora fictícia, reflete dados reais do mercado brasileiro de carnes.

O pico do preço da carne bovina ocorreu durante o governo Bolsonaro, em dezembro de 2021. Naquele mês, a inflação acumulada do grupo de carnes chegou a 32,4% em 12 meses, segundo o IPCA medido pelo IBGE.

No auge da crise, em dezembro de 2021, o quilo da picanha chegou a custar R$ 102,50 em grandes redes de supermercados. A asa de frango era vendida a R$ 25,90 o quilo, enquanto o pacote de linguiça custava em média R$ 28,50.

Se Carlos comprasse exatamente o mesmo pacote de churrasco em dezembro de 2021, gastaria R$ 140,55 — valor 32,2% maior que os R$ 106,34 gastos em maio de 2025.

O consumo de carne bovina pelos brasileiros atingiu seu ponto mais baixo em dezembro de 2022, último mês do governo Bolsonaro, quando chegou a apenas 24,2 kg por habitante, o menor nível desde setembro de 2004. Em abril de 2025, esse número já subiu para 31,9 kg por habitante, um aumento de 31,8%.

Essa recuperação no consumo está diretamente ligada à melhoria dos indicadores econômicos e sociais. A taxa de desemprego, que chegou a 14,7% durante o governo Bolsonaro (em abril de 2021), caiu para 6,6% em dezembro de 2024, menor patamar da série histórica iniciada em 2012.

Brasil: potência global em exportação de carnes

O setor de carnes se consolida como um dos mais importantes da economia nacional. A cadeia produtiva emprega diretamente 1,8 milhão de pessoas no Brasil e, indiretamente, gera outros 5,2 milhões de postos de trabalho. Ao todo, são 7 milhões de empregos em maio de 2025, o equivalente a 6,7% da força de trabalho formal do país.

Nos últimos dez anos, entre maio de 2015 e abril de 2025, as exportações brasileiras de carne cresceram impressionantes 358% em valor, saindo de US$ 7,5 bilhões para US$ 27,05 bilhões no acumulado de 12 meses.

O Brasil é hoje o maior exportador mundial de carne bovina, posição conquistada em março de 2021 e mantida desde então. No segmento de frango, o país ocupa a liderança global desde janeiro de 2012, com 35% do mercado internacional. Na carne suína, o Brasil é o quarto maior exportador mundial em maio de 2025.

“O Brasil tem vantagens competitivas únicas no setor de carnes”, afirma Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), em entrevista ao Valor Econômico em março de 2025. “Temos o menor custo de produção entre os grandes produtores mundiais, disponibilidade de grãos para ração animal, tecnologia avançada e um sistema sanitário reconhecido internacionalmente.”

Um estudo da consultoria holandesa Rabobank divulgado em janeiro de 2025 mostra que o custo de produção de carne bovina no Brasil é 23% menor que nos Estados Unidos e 35% menor que na Austrália. Na produção de frango, o custo brasileiro é 18% inferior ao americano e 27% menor que o europeu.

Indústria de transformação: o valor agregado da carne

A carne não é classificada como produto primário nas estatísticas oficiais, mas como produto da indústria de transformação. Entre o abate do animal e a chegada ao consumidor, há um complexo processo industrial que agrega valor significativo ao produto.

“A carne é um produto industrializado por definição”, explica Fernando Sampaio, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), em artigo publicado na Folha de S.Paulo em fevereiro de 2025. “O processo envolve abate, desossa, corte, embalagem, refrigeração e, muitas vezes, processamento adicional.”

Esse processo de transformação industrial agrega, em média, 65% de valor sobre o preço do animal vivo. No caso de cortes especiais como picanha e filé mignon, o valor agregado pode chegar a 120%.

A logística de exportação também é complexa e custosa. Um contêiner refrigerado para transporte de carnes custa, em média, três vezes mais que um contêiner convencional. Em abril de 2025, o frete marítimo de um contêiner refrigerado do Porto de Santos para Xangai estava em US$ 5.800, contra US$ 1.950 de um contêiner seco.

China: o gigante que devora a carne brasileira

A China é o principal destino das exportações brasileiras de carne. Em abril de 2025, o país asiático absorveu 30,19% de toda a carne exportada pelo Brasil, somando US$ 8,17 bilhões no acumulado de 12 meses.

A dependência chinesa da carne brasileira aumentou significativamente após as tensões comerciais com os Estados Unidos. Em março de 2025, o governo chinês anunciou novas tarifas sobre produtos agrícolas americanos, incluindo um aumento de 25% para 35% nas tarifas de importação de carne bovina.

“A guerra comercial entre China e Estados Unidos criou uma janela de oportunidade para o Brasil”, analisa Lygia Pimentel, CEO da consultoria Agrifatto, em entrevista ao Canal Rural em abril de 2025. “Enquanto as exportações americanas de carne bovina para a China caíram 42% nos últimos 12 meses, as brasileiras cresceram 18% no mesmo período.”

BRICS: novo mercado em expansão

Outro destaque nas exportações brasileiras de carne é o crescimento das vendas para os países do BRICS. O bloco expandiu-se em janeiro de 2024 com a entrada de Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

No acumulado de 12 meses até abril de 2025, as exportações brasileiras de carne para os países do BRICS ampliado somaram US$ 12,8 bilhões, representando 47,3% do total exportado pelo Brasil. Em abril de 2022, essa participação era de apenas 38,1%.

Gigantes do setor: concentração e expansão global

O setor de carnes no Brasil é dominado por grandes conglomerados. A JBS, maior empresa de proteína animal do mundo, faturou R$ 387,8 bilhões em 2024, seguida pela Marfrig (R$ 112,3 bilhões) e BRF (R$ 68,5 bilhões).

Juntas, as três maiores empresas do setor respondem por 65% das exportações brasileiras de carne e empregam diretamente 389 mil pessoas no país.

Distribuição regional: o mapa da carne no Brasil

A produção de carne no Brasil tem uma distribuição geográfica bem definida. Em abril de 2025, Mato Grosso lidera a produção de carne bovina, com 17,2% do total nacional, seguido por Goiás (11,3%) e Mato Grosso do Sul (10,8%).

Na produção de frango, Paraná é o líder absoluto, com 33,5% do total nacional em março de 2025, seguido por Santa Catarina (14,8%) e Rio Grande do Sul (13,6%).

Já na carne suína, Santa Catarina domina com 28,3% da produção nacional em abril de 2025, seguido por Paraná (21,5%) e Rio Grande do Sul (18,7%).

Renda e consumo: a equação fundamental

Para a família Silva, no Complexo do Alemão, o pacote de churrasco que custou R$ 106,34 em maio de 2025 representa 7,0% do salário mínimo atual de R$ 1.518,00. Em dezembro de 2021, no auge da crise durante o governo Bolsonaro, o mesmo pacote custava R$ 140,55, o equivalente a 12,8% do salário mínimo da época, que era de R$ 1.100,00.

Quando consideramos a renda média do brasileiro, a melhora é ainda mais evidente. Em maio de 2025, o pacote de churrasco representa 3,5% da renda média mensal de R$ 3.057,00, segundo o IBGE. Em dezembro de 2021, o mesmo pacote consumia 5,6% da renda média da época, estimada em R$ 2.500,00.

Mais importante que olhar apenas para o preço da carne, que varia de acordo com fatores sazonais, climáticos e de mercado internacional, é analisar o poder aquisitivo do brasileiro em relação a esse item essencial da cesta de consumo. Se a renda continuar crescendo mais que o preço da carne, o consumo tende a se manter ou aumentar, mesmo com oscilações de preço.

Por outro lado, uma eventual perda de renda poderia comprometer o acesso das famílias brasileiras à proteína animal, com impactos diretos na nutrição, especialmente de crianças em fase de desenvolvimento. Esse cenário teria não apenas consequências sociais, mas também políticas, podendo afetar as perspectivas de reeleição do presidente Lula e a estabilidade do atual governo.

Para a família Silva e milhões de brasileiros, o churrasco de domingo não é apenas uma refeição, mas um momento de celebração e convívio social. Garantir que esse ritual permaneça acessível é mais que uma questão econômica – é uma questão de qualidade de vida e bem-estar social.

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Last Update: 30/05/2025