A vitória de Milei nas eleições legislativas de Buenos Aires teve um padrinho muito importante: o FMI. Já em abril de 2024, a diretora de comunicações do Fundo, Julie Kozack se desmanchou em elogios aos “grandes avanços do governo Milei na economia”. Segundo ela, o progresso alcançado pelo governo do presidente de extrema-direita da Argentina, Javier Milei, é “impressionante”, mas “o caminho para a estabilização nunca é fácil”.” Janeiro e fevereiro” [de 2024] registraram um superávit fiscal pela primeira vez em mais de uma década, as reservas internacionais estão sendo reconstituídas, a inflação está caindo mais rapidamente do que o previsto e os indicadores de mercado, como a variação cambial e o spread soberano, continuam melhorando”, ela resumiu. O spread soberano é o custo do endividamento externo de um país. Tudo isso é meia-verdade, a situação econômica da Argentina continua piorando, mas Milei tem o apoio do Fundo. É um absurdo o patrocínio do FMI ao governo mais repressivo da história na Argentina, depois da ditadura militar, que é, aliás, resgatada pelo governo.
A “recomendação” do FMI
O pior, então, veio recentemente, em termos de posicionamento do FMI, porque se tratou de uma intervenção direta do Fundo no processo eleitoral que vive o país. Em 24 de abril deste ano, a economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, defendeu que os eleitores argentinos votem no partido governista, nas eleições legislativas marcadas para o mês de outubro. “É muito importante que a vontade de mudança não seja frustrada. Até o momento, não vemos esse risco se materializando, mas peço à Argentina que mantenha o rumo”, disse a economista búlgara, em uma entrevista realizada em Washington.
Essa posição do FMI não é afetada pela situação política dos EUA, pois a primeira manifestação do Fundo se deu durante o governo Biden e a segundo no governo Trump. É, portanto, a posição do imperialismo, mostrando o que o imperialismo quer que a motoserra de Milei predomine na Argentina e em toda a America Latina.
O FMI considera que a política econômica que levou à miséria a maioria da população argentina e que é fortemente rejeitada pela Central Sindical do país, a CGT, que já convocou três greves gerais contra ela é “um ambicioso plano de estabilização macroeconômica”. Segundo o FMI, “o plano é centrado em uma “forte âncora fiscal” que elimina qualquer financiamento do governo pelo Banco Central, e em políticas destinadas a reduzir a inflação e a reconstruir as reservas.”
Uma das possíveis consequências da intervenção do FMI é a vitória do partido do presidente argentino, Javier Milei, nas eleições legislativas de 18 de maio na cidade de Buenos Aires. A capital era um reduto tradicional do partido de centro-direita PRO que terminou em terceiro lugar atrás do peronismo (centro-esquerda), segundo o órgão eleitoral. O resultado coloca A Liberdade Avança, o partido de Milei, como a força eleitoral mais importante em Buenos Aires. O candidato de Milei, Manuel Adorni, venceu com mais de 30,13% dos votos. Com isso, desbancou o peronismo, encabeçado por Leandro Santoro, que obteve 27,35%, e Silvia Lospennato, do PRO que foi teve 15,92% dos eleitores, segundo o Instituto de Gestão Eleitoral de Buenos Aires.
O governo sabe que este apoio não é sólido para garantir sua estabilidade. Por isso não deixa de adotar medidas ditatoriais contra os trabalhadores, proibindo as greves, intensificando a repressão contra as mobilizações, continuando o ataque e perseguição de jornalistas que buscam mostrar a verdadeira situação dos trabalhadores e da maioria da população. A violenta repressão contra os aposentados que continuam se mobilizando, toda quarta-feira, é a face mais evidente do regime fascista implantado por Milei. Um governo que não mostra qualquer escrúpulo ao fechar a UTI (Unidade de Tarefa de Investigação) que deveria investigar Milei pelo escândalo da criptomoeda Libra.
A direita como um todo perdeu cerca de 300 mil votos em Buenos Aires, em comparação com os recebidos nas eleições de 2023 para cargos legislativos na cidade, mas isso não afetou a sua hegemonia na capital.
O apoio a Milei não veio só do FMI, mas também da burguesia argentina, do judiciário, que ignorou as medidas inconstitucionais e a corrupção dos irmãos Milei, bem como a maciça campanha a favor do partido governista orquestrada pela imprensa.
O resultado destes apoios é a consolidação do modelo econômico defendido por Milei, que não é contra nenhuma casta nem defende a liberdade. Trata-se de eliminar toda luta e organização popular, acabar com as conquistas obtidas pelos trabalhadores, acabar com a indústria considerada “improdutiva”, reorganizar a economia em torno da exportação de matérias-primas (lítio, gás, petróleo, minerais e cereais) para aprofundar a submissão ao imperialismo norte americano .
A direita incentiva a antipolítica, para que a política seja assunto apenas dos patrões, nacionais e estrangeiros. Os chamados progressistas tentam alimentar ainda a ilusão que a solução é uma simples mudança de governo, não do próprio capitalismo e acabam culpando o povo por sua falta de participação.
Para a esquerda, abre-se a possibilidade de desenvolver uma outra política que não separe a questão política da social e não se dedique apenas à luta eleitoral. O importante é não atuar apenas nas instituições políticas burguesas, que devem ser substituídas sob pena de perder os direitos democráticos mais elementares. É fundamental promover iniciativas e organização coletiva, baseadas na solidariedade e nos valores democráticos e sociais dos trabalhadores.
O peronismo em declínio
O peronismo, apesar de tudo, manteve suas bases eleitorais. Essa estagnação impediu a vitória nas eleições presidenciais e na capital. O Governo Fernandes liquidou o progressismo neodesenvolvimentista liderado pelos Kirschner em prol de uma total submissão ao neoliberalismo, que foi bem representado pela candidatura de Sérgio Massa nas presidenciais. O apoio a algumas medidas de Milei de certos setores parece ter desmoralizado o partido. O problema programático do peronismo é a idéia de que é possível um capitalismo com face humana. Se é que algum dia isso foi possível, atualmente não passa de uma ilusão pequeno burguesa numa época em que o capital mundial mostra sua face mais brutal , que tem no genocídio em Gaza e no Trumpismo os exemplos mais contundentes do que é o capitalismo do século XXI. O candidato peronista, ilustra bem este declínio do peronismo, ao se dedicar às atividades do Grupo Parlamentar de Amizade com o estado de Israel.
Os resultados da esquerda
A Frente de Izquierda y de Trabajadores-Unidad (FIT-U) ganhou um deputado, embora tenha perdido uma das duas cadeiras que colocou em jogo e tenha obtido quase 40 mil votos a menos do que em 2023. Como sempre, os meios de comunicação simplesmente ignoraram o grupamento. Embora seja impossível disputar com os partidos burgueses os gastos com propaganda, o resultado mostra sua debilidade política, na medida que não buscou ou não conseguiu ter raízes na classe operária.
A estratégia deste grupamento de centrar o combate apenas em Milei e Macri e não no regime como um todo, os tornou concorrentes do peronismo, e do voto em Leandro Santoro. A ausência de um programa capaz de colocar na ordem do dia a necessidade de ruptura com o capitalismo e apontar alternativas da esquerda e do povo trabalhador ao atual regime impossibilitou o combate frontal ao projeto de Milei que defende fortalecer o poder da burguesia como alternativa nacional.
A candidata Myriam Bregman mostrou claramente sua popularidade e carisma. Mas sua campanha não se assentou sobre o conjunto de seus apoiadores que congregam um número significativo de coletivos feministas, de direitos humanos, trabalhadores, de cultura, artistas e intelectuais de várias tradições de esquerda. Isso, além de impedir melhores resultados eleitorais impediu que se centrasse na luta real dos trabalhadores o eixo da central da batalha eleitoral. Se o objetivo da esquerda não é a vitória eleitoral, mas o fortalecimento da luta contra o regime econômico e político vigente, e isso não aconteceu.
A ordem do capital
O governo Milei não ocultou sua estreita vinculação com a “Casta” do capital e do imperialismo. Pouco tempo após as eleições, o presidente, junto com a maior parte de seu gabinete e a liderança da “oposição”, além de governadores e CEOs das principais empresas nacionais e estrangeiras, participaram da Convenção anual da AMCHAM, câmara que reúne empresas norte-americanas na Argentina. Lá, Facundo Gómez Minujin, banqueiro do JP Morgan e presidente da AMCHAM, junto com Abigail Dressel, encarregada de negócios da Embaixada dos Estados Unidos, foram encarregados de recomendar , sem possibilidade de contestação, para onde deve se encaminhar o governo. Eles não sugeriram como evitar emergências nacionais, como garantir alimentação para a população, estabelecer um salário digno e nem muito menos como assegurar uma moradia decente, saúde e educação de qualidade. Eles deram a ordem: deve se avançar nas reformas trabalhista, previdenciária e tributária. A mesma coisa que o FMI ordenou e que fiscalizará seu cumprimento.
A luta de classes existe
É urgente e necessário opor a construção do poder popular ao poder exercido por aqueles que nos retiram todos os direitos e tentam acabar com nossos sonhos e desejos por um mundo sem miséria, sem pobreza, sem exploração, sem golpes, sem opressão e dominação imperialista.
Warren Buffett, um capitalista bilionário, mostra seu sarcasmo contra todos nós ao dizer: “É claro que há luta de classes, mas minha classe, os ricos, é quem está ganhando”.
Como se opor a estas figuras nojentas e desprezíveis do poder burguês?
É nas lutas cotidianas, na organização popular, na defesa dos direitos democráticos ameaçados, lotando as ruas ao lado dos que, como nós, são explorados, que podemos virar o jogo e vencer esta guerra, de modo que a riqueza que produzimos socialmente, em vez de inchar as contas dos bilionários, pertença aos trabalhadores. Para impedir que fascistas como Milei e Trump continuem no poder, só há uma opção: Socialismo ou Barbárie.