Mais da metade das escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro está em territórios sob a influência de grupos armados: 30% em regiões dominadas pelo tráfico de drogas e 28,4% em áreas controladas por milicianos. Na região metropolitana, o problema atinge cerca de 1.800 colégios, pouco menos da metade do total.
Os dados constam do relatório Educação Sob Cerco: as escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada, divulgado nesta quinta-feira 29. A elaboração coube a Unicef, Instituto Fogo Cruzado, Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense e Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social.
A análise considerou dados da pesquisa Mapa Histórico dos Grupos Armados (GENI-UFF/Instituto Fogo Cruzado) e do Censo Escolar da Educação Básica 2022 (INEP-MEC).
Os pesquisadores constataram que mais de 800 mil estudantes na capital e na Grande Rio são cotidianamente expostos à violência crônica imposta pelo controle armado nas regiões em que suas escolas estão. Contabilizaram também pelo menos 4.400 eventos como tiroteios nas imediações de escolas apenas em 2022.
A zona norte da capital registrou o maior número de ocorrências naquele ano: tiroteios afetaram as escolas da região 1.714 vezes. Na sequência, aparece a Baixada Fluminense, com 1.110. A zona sul é a que apresenta menos escolas em áreas dominadas por grupos armados e a que teve menos escolas afetadas (29) por tiroteios (86 vezes) em 2022.
Os pesquisadores destacaram com preocupação a frequência com que algumas escolas são expostas a episódios de violência armada. Em 2022, uma mesma unidade de São Gonçalo sofreu 18 casos do tipo — na média, um tiroteio a cada duas semanas.
“Essa situação reforça as desigualdades já conhecidas, mas também a necessidade de promover maior integração entre as políticas de segurança pública e educação para lidarmos com os efeitos do controle territorial armado no acesso à educação”, diz a chefe do escritório do Unicef no Rio, Flavia Antunes.
Segundo a diretora do Instituto Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto, os dados também exibem padrões de violência armada que podem ajudar o poder público a priorizar as áreas de intervenção. “Informações como essas são instrumentos poderosos para agir hoje e reduzir as desigualdades de amanhã. Negá-las é negar o direito igual à educação de todas as nossas crianças e adolescentes.”
Recomendações
O relatório lista uma série de sugestões ao poder público, reivindicando a prevenção da violência armada contra crianças e adolescentes.
Entre elas está a necessidade de enfrentar e reduzir o controle territorial armado e seus efeitos sobre a comunidade escolar. O estudo recomenda, por exemplo, ações articuladas entre os Três Poderes para identificar e perseguir os envolvidos, além de garantir serviços básicos à população, como a mobilidade segura de crianças e adolescentes por todo o território, especialmente rumo às escolas.
Os pesquisadores defendem uma integração entre as políticas de segurança e de educação, a fim de combater os crimes armados com inteligência, sem ações puramente repressivas.
Por fim, pedem a implementação da lei estadual Ágatha Felix, criada em 2021 em homenagem à menina de oito anos morta em 2019 após ser atingida por tiros de fuzil no Complexo do Alemão. A legislação assegura prioridade nas investigações de crimes contra a vida de crianças e adolescentes no Rio de Janeiro.