Ninguém seria capaz de colocar em dúvida a capacidade do novo treinador da Seleção Brasileira. Ainda assim, a apresentação do italiano Carlo Ancelotti e a divulgação da primeira lista de convocados trouxeram elementos que nos estimulam a fazer algumas reflexões.

Ficou clara, nessa primeira entrevista, sua forma de liderar uma comissão técnica e de acompanhar as mudanças do futebol ao longo do tempo. E ele, de quebra, desmitificou a ideia de que existiriam as tais “estratégias superiores” que serviriam de justificativa para a quantidade crescente de estrangeiros no nosso futebol.

Indagado sobre sua filosofia de trabalho, Ancelotti logo desmontou a pretensão de manobras superelaboradas, indicando que vai optar pela simplicidade. Ele preferiu desvencilhar-se das complicações, repetindo – sobre os famosos “sistemas” – que o melhor é conseguir deixar o jogador confortável para mostrar suas qualidades. O tal “sistema”, para ele, consiste em encaixar os jogadores mais talentosos com suas características próprias, de modo a alcançar o melhor rendimento do conjunto. Ou seja, reduzir tudo à sua expressão mais simples.

Ao ser questionado, com certa malícia, sobre qual seria sua forma de jogo preferida, se propositiva ou reativa, o técnico não se esquivou, ressaltando não acreditar em um sistema engessado. Disse que tudo depende do andamento do jogo e da necessidade do momento – de defesa ou de ataque.

Ancelotti repetiu algumas vezes palavras como “atitude” e “momento” de cada membro da Seleção e chegou a mencionar a palavra “sacrifício” – o que ajuda a entender os nomes convocados, escolhidos com a participação da numerosa equipe técnica.

Crítico declarado do calendário do futebol mundial, o treinador mostrou sensibilidade ao buscar a maior estabilidade possível diante do seu principal adversário: a falta de tempo. Ele assume a Seleção em plena disputa por classificação, com jogos oficiais em pouquíssimos dias.

Esse cenário ajuda a explicar a convocação de um número maior de jogadores que atuam no Brasil. Chama atenção a presença de cinco jogadores do Flamengo – quase todos do setor defensivo –, incluindo Gerson, um jogador de ligação, posição em falta no meio-campo. Também foram escolhidos atletas mais calejados, capazes de oferecer estabilidade emocional ao grupo neste momento crucial.

Outros sinais dessa abordagem são a necessidade de contar com jogadores bastante conhecidos e, mais que isso, com reconhecida capacidade de liderança. São esses os casos de Casemiro, parceiro de longa data e especialista nessa função essencial, e Danilo, testado em várias funções e considerado um verdadeiro curinga.

Chamou atenção também a convocação, entre outros, de Richarlison, que parecia esquecido. Além de incluir nomes bastante jovens, capazes de equilibrar a média de idade do elenco, como Andrey Santos, Ancelotti convocou atacantes de destaque, como Raphinha e seu bem conhecido Vinícius Jr.

Fica evidente sua capacidade de trabalhar em equipe. Ele falou abertamente sobre a importância do bem-estar de todos e da satisfação pessoal. Disse, com naturalidade, que pretende aproveitar a cidade e o País nos seus períodos de folga – trouxe, inclusive, toda a família consigo.

Ancelotti ressaltou que a escolha dos jogadores segue duas linhas principais: talento e personalidade individual, valorizando a dedicação e o comprometimento. E sua postura deixou claro que ele não tem nada de autoritário.

O técnico, dono de uma carreira vitoriosa, também não tem dificuldade em valorizar os craques em evidência. É o caso de Neymar, motivo constante de discussão. Convocar o jogador mais talentoso desta geração poderia prejudicar o processo de sua recuperação clínica e física.

Nada melhor então do que abrir o jogo e falar diretamente sobre sua situação e as possibilidades de uma evolução positiva — que, em última instância, depende só dele.

Ancelotti não esqueceu sequer de destacar a importância de a Seleção voltar a jogar no Maracanã, símbolo forte da identidade e das conquistas do futebol brasileiro em seus melhores dias. Embora não possamos nos esquecer de que vitórias não resolverão os velhos problemas estruturais da desordem administrativa atravessada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), temos, agora, de torcer pelo sucesso do novo treinador. •

Publicado na edição n° 1364 de CartaCapital, em 04 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Ancelotti chegou’

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Last Update: 29/05/2025