Em artigo intitulado O C4 e a moral golpista, publicado no Brasil 247 nesta quarta-feira(28), Oliveiros Marques tenta analisar a história brasileira com base em uma abstração que ele chama, como indicado pelo título, de “moral golpista”. Segundo o marqueteiro, “a República brasileira foi parida por um golpe de Estado”, e desde então, vivemos “um ciclo golpista” que se repete com base em uma moral reacionária, da “ameaça comunista”, do “combate à corrupção” e da “defesa nacional”, ao que acrescenta:

“O ciclo golpista se repetiria em 1964 […] consolidada, ali, a moral golpista que sustenta o ‘partido militar’: enfrentamento ao comunismo (mesmo que este seja uma construção imaginária), combate à corrupção (ainda que seus próprios governos não estejam isentos de escândalos), e defesa nacional (mesmo quando alguns de seus integrantes prestam continência à bandeira dos Estados Unidos).”

Ora, mas Oliveiros Marques finge que está analisando historicamente os golpes de Estado no Brasil, quando, na verdade, ignora por completo o conteúdo político de cada uma dessas rupturas. Ao colocar todos os “golpes” num mesmo saco, como se fossem frutos da mesma “moral”, ele substitui a análise concreta da realidade por um julgamento moralista, abstrato, próprio da esquerda pequeno-burguesa que teme enfrentar as contradições da luta de classes.

Não se trata de saber se houve ou não um golpe em um determinado evento. Trata-se de saber quem deu o golpe, contra quem, em nome do quê e com que resultado. Ao se recusar a responder a essas perguntas, Oliveiros acaba fazendo justamente aquilo que finge combater: encobrir os verdadeiros golpistas.

Mais adiante no texto, ele sustenta que a tarefa atual é “desconstruir essa moral” e que isso “começa por chamar as coisas pelo nome: são criminosos. É isso que se espera dos julgamentos no STF relacionados aos atos de 8 de janeiro. Condenar todos os envolvidos será um bom começo”.

Ou seja, sua proposta para combater o “golpismo” é… apoiar o STF, o principal agente do golpe de 2016! E mais: pede que “todos os envolvidos” sejam condenados, sem critério algum, apelando para uma política de repressão generalizada que tem servido como base para o fortalecimento do regime autoritário do golpe. Para combater o golpismo, Oliveiros quer mais repressão por parte das instituições do próprio golpe.

Em nenhum momento o colunista menciona que as forças políticas que hoje dizem combater o “bolsonarismo” são as mesmas que deram todos os golpes da história recente: que impuseram o Estado Novo, assassinaram Getúlio, deram o golpe de 1964, elegeram FHC e Collor, derrubaram Dilma, prenderam Lula e colocaram Bolsonaro na presidência.

Pior ainda é sua condenação por princípio a qualquer ruptura institucional — como se toda operação do gênero fosse, por definição, negativa. A Revolução Russa que pela primeira vez na história expropriou a burguesia e libertou os trabalhadores foi um golpe. A Revolução Cubana fez o mesmo contra o imperialismo norte-americano a míseros 130 km da maior potência imperialista do mundo, foi um golpe. A Revolução de 1930 que enterrou definitivamente a República Velha e a política do café-com-leite, sendo fundamental para o surgimento de um Brasil industrial e urbano, foi um golpe. E daí? São todos golpes ruins por isso? É óbvio que não.

O que define o caráter progressista ou reacionário de uma ruptura política não é a forma como ela se dá, mas a que classe serve. Para o moralismo pequeno-burguês de Oliveiros Marques, porém, esse debate não interessa. Sua política é esconder a luta de classes por trás de um manto de “moralidade democrática”.

No fundo, o que está em jogo é uma tentativa de blindar o regime político atual — um regime golpista, policialesco, oriundo do golpe de 2016 e submetido ao imperialismo — sob a desculpa de que ele representa a “democracia” e de que seus adversários são apenas “criminosos”. Trata-se, portanto, de uma política profundamente reacionária, que serve apenas para manter o controle da burguesia sobre o Estado e reprimir qualquer mobilização popular que ameace essa ordem.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 29/05/2025