Após o governo de Donald Trump restringir vistos a autoridades estrangeiras “cúmplices de censura a norte-americanos”, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) festejaram. O motivo é a possibilidade de a medida atingir o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, embora essa eventual sanção fique aquém do que deseja a extrema-direita brasileira.

O anúncio foi feito pelo secretário de Estado Marco Rubio, sem menção direta a nomes, mas com referências à América Latina e ao perfil dos alvos, como autoridades que multaram cidadãos norte-americanos. “Estrangeiros que trabalham para minar os direitos dos americanos não devem desfrutar do privilégio de viajar para o nosso país”, declarou. A reação de Moraes diante do descumprimento de ordens judiciais por parte do X (ex-Twitter), de Elon Musk, é vista como um dos estopins da retaliação.

O deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tenta capitalizar politicamente a medida, embora ela se insira em um movimento mais amplo dos Estados Unidos de reforçar seu papel de “xerife global”, agora com viés ainda mais ideológico sob Trump.

Para os bolsonaristas, restringir o visto de Moraes seria apenas uma “punição simbólica”. O objetivo declarado é enquadrar o ministro na Lei Global Magnitsky, aprovada em 2016 com o intuito de sancionar autoridades envolvidas em corrupção ou violações de direitos humanos. A legislação permite ao governo dos EUA revogar vistos, congelar bens e bloquear transações de indivíduos considerados “ameaças” aos valores norte-americanos.

Por meio dessa norma, a Casa Branca pode revogar vistos, bloquear propriedades em território norte-americano, congelar bens e contas e proibir estrangeiros de realizar transações com cidadãos ou empresas dos Estados Unidos.

Além das restrições já anunciadas e da aplicação da Lei Magnitsky, outras iniciativas em curso também miram Moraes. Em fevereiro, um comitê da Câmara dos Representantes aprovou o projeto No Censors on Our Shores Act, que prevê sanções a autoridades estrangeiras acusadas de violar a liberdade de expressão nos EUA. A proposta ainda precisa passar por outras etapas no Legislativo para entrar em vigor.

Paralelamente, a empresa de comunicação de Trump e a plataforma Rumble moveram uma ação contra Moraes nos Estados Unidos. Alegam que o ministro violou leis norte-americanas ao determinar o bloqueio da conta do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, foragido nos Estados Unidos. Em fevereiro, Moraes determinou a suspensão do funcionamento do Rumble no Brasil por descumprimento da legislação. O Departamento de Estado reagiu, afirmando, sem citar o ministro, que bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por não censurarem seus usuários “é incompatível com os valores democráticos, como a liberdade de expressão”.

Freios, contrapesos e retaliação

Para Acácio Miranda, phD em Direito Público e mestre em Direito Internacional, é improvável que a Justiça norte-americana declare inconstitucional a decisão do governo Trump de restringir vistos de autoridades estrangeiras. Miranda considera viável, porém, que o Brasil busque mecanismos de reciprocidade.

“Não há tratado sobre isso, mas temos soberania. Podemos criar instrumentos jurídicos internamente que estabeleçam essa reciprocidade”, afirmou Miranda a CartaCapital.

Ou seja, teria de haver uma nova normativa que desse conta de reagir a uma situação que parecia impensável até o início do segundo mandato de Trump. “Seja uma legislação, seja algo em sede de Organização das Nações Unidas. Mas hoje não existe.”

A eventual inclusão de Moraes nos efeitos da Lei Magnitsky é descrita pelo jurista como uma “morte civil”: não apenas o visto seria cancelado, como também haveria bloqueio de bens e contas, inclusive de familiares, e a suspensão de cartões de crédito vinculados a bandeiras norte-americanas. “Elas não podem ter qualquer relação com os Estados Unidos, seja privada, econômica ou de turismo.”

Já o embate jurídico entre Moraes, Trump e Rumble expõe a visão distorcida que a extrema-direita tenta impor sobre o conceito de liberdade de expressão. Miranda reconhece que o Supremo pode ter exagerado ao determinar o bloqueio da conta de Allan dos Santos até no exterior, o que deu “margem para que malucos batessem bumbo”. Ainda assim, defende que há limites: “Se você faz uso constante da liberdade de expressão para cometer crimes, tem de ser punido por isso.”

Segundo ele, o pano de fundo da crise é a radicalização do papel dos EUA como “xerife do mundo”, intensificada sob Trump. “Eles sempre se enxergaram assim. A diferença é que agora ideologizaram esse papel, numa lógica de ‘nós contra eles’.”

O “zero um” e um novo flanco de embate

Enquanto aliados festejam medidas americanas, Moraes autorizou investigação contra Eduardo Bolsonaro por sua atuação nos Estados Unidos para deslegitimar instituições brasileiras — em especial, o próprio STF.

O inquérito foi solicitado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, que apontou indícios de três crimes: coação no curso do processo, obstrução de investigação de organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Gonet destacou a escalada nas ações de Eduardo à medida que avança o processo contra Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe em 2022. O procurador citou ainda a possibilidade real de sanções contra Moraes: “O sr. Eduardo Bolsonaro, ele próprio, as considera ‘pena de morte financeira’”.

Caso a Casa Branca confirme a inclusão do ministro e eventualmente de outros magistrados do STF nas sanções, a expectativa é de reação por parte do governo Lula — ao menos no campo diplomático. O presidente já tem criticado Trump abertamente, especialmente no contexto da guerra comercial.

Resta saber se os EUA de fato divulgarão os nomes dos atingidos pela medida. A depender da resposta, o Brasil poderá ser empurrado para um novo embate institucional, ainda com contornos imprevisíveis.

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Last Update: 28/05/2025