No artigo França: uma nova polarização, o dirigente petista Alberto Cantalice analisa o resultado das eleições legislativas antecipadas na França, que segundo ele, “apresentaram um novo desenho da polarização”: “de um lado”, diz Cantalice, “a extrema-direita [sic] representada pelo Reagrupamento Nacional (antiga Frente Nacional) de Marine Le Pen e Jordan Bardella e a Nova Frente Popular de Raphael Glucksman, Marine Tondelier e Jean-Luc Melenchón. O grupo centrista liderado pelo atual presidente da república Emmanuel Macron amargou um distante terceiro lugar”. Eis que da descrição, um desenvolvimento celebrado por Cantalice:
“Ainda no final da noite de domingo, o primeiro-ministro macronista Gabriel Attal apresentou a proposta de unificação do que ele chamou de Novo Polo Republicano que consiste na aliança entre os candidatos centristas e do polo progressista que ocasionaria a renúncia do terceiro colocado nos distritos para coesionar a aliança contra o extremismo direitista. A ideia de Attal foi prontamente aceita pela direção colegiada da Nova Frente Popular, dando início a essa nova recomposição.”
Ora, mas não foi essa a tônica do debate político francês no último período? Desde o naufrágio do governo de François Hollande e seu Partido Socialista, nada de novo surgiu na França além da aliança entre a direita tradicional (eufemisticamente chamada de “centrista”) e os ditos “progressistas”, que desde 2017, não fizeram mais do que alugar sua base social aos principais partidos do reacionarismo imperialista. Essa aliança, inclusive, foi responsável por eleger e reeleger o atual presidente, o insosso banqueiro “centrista” Emmanuel Macron.
“Há que se destacar”, continua o analista Cantalice, “que a novidade das eleições foi a constituição em tempo recorde da aliança da esquerda e da centro-esquerda, agora agregada pelo centrismo macronista.” A colocação curiosa é quase uma confissão que absolutamente nada de novo está, de fato, acontecendo na aliança espúria entre os partidos de esquerda e direita, exceto, o tempo em que a esquerda francesa aceitou o cabresto do imperialismo.
O que se deve destacar, de fato, é que diante da flagrante derrota do centro político, o normal seria a esquerda abandonar o náufrago incômodo e organizar o enfrentamento à extrema direita de maneira independente, mobilizando as suas forças. O que estamos vendo, no entanto, é a esquerda servindo de boia de salvação para um cadáver político, eloquentemente desprezado pelas massas francesas, à direita e à esquerda.
“À despeito do que diz a grande mídia, não foi a extrema-direita a vencedora do pleito. Esse novo polo republicano, mesmo com o grande desgaste enfrentado pelo neoliberalismo exacerbado de Macron, somou mais de 50% dos votos. Isso demonstra que as ideias das trevas, apesar de robustas, seguem minoritárias no país do iluminismo.”
Aqui, o dirigente petista abandona a análise e parte para uma torcida fundamentada em um vale-tudo despudorado. Os “mais de 50% dos votos” são sobretudo oriundos do que ainda resta de autoridade política da Nova Frente Popular, que conquistou pouco mais de 9 milhões de votos, um crescimento de 2,48%.
Os partidos do imperialismo, por sua vez, mesmo com o apoio da máquina do governo e dos monopólios, viram sua votação cair. A política do macronista Ensemble terminou com 6,82 milhões de votos, 4,48% a menos do que no pleito legislativo de 2022, enquanto o partido do ex-presidente Nicolas Sarkozy, Republicanos, foi apoiado por 2,1 milhões, perdendo 4,72% em comparação a 2022.
Não é apenas que juntos, a direita centrista que governa a França teve menos votos do que a Nova Frente Popular (cumpre ressaltar, com o governo e a força do imperialismo por trás). Estão em queda livre e pior, afundando a esquerda consigo.
A extrema direita, por sua vez, conquistou mais de 10,62 milhões de votos e além de se constituir na maior força política hoje na França, viu sua votação crescer mais de 14%, na contramão das demais tendências. O crescimento expressivo pode ser ainda maior se as tendências do Republicanos de aderir à extrema direita se confirmarem. Éric Ciotti, líder do partido, já precisou ser contido, restando saber até quando a direita tradicional conseguirá conter o RN.
O próprio Cantalice, de maneira um tanto envergonhada, reconhece que para além das agremiações, a base social da direita se expressou indicando um deslocamento ao polo direitista: “Diferente do que se viu em eleições anteriores setores ligados à grande burguesia gaullista, principalmente na mídia aderem ao discurso pró extremismo direitista, minimizando o liberalismo e a xenofobia do Reagrupamento Nacional.”
É praticamente um reconhecimento da amplitude do erro dessa política fracassada, que nunca na história resultou em algo além de derrotas inacreditáveis, seja das revoluções na Espanha e na França nos anos 1930, seja na derrota do movimento dos trabalhadores que derrubara a Ditadura Militar (1964-1985) no Brasil nos anos 1980, seja no sufoco vivido pelo terceiro governo do presidente Lula, mesmo tendo sido eleito em meio a uma mobilização capaz de tirá-lo da cadeia e levá-lo de volta à Presidência da República, nos braços do povo.
Cantalice, por sua vez, demonstra uma estranha apreciação por todos os perigos que cercam não apenas a França, mas também o Brasil e longe de uma análise honesta nos resultados obtidos com a política de alianças com deus e o diabo, propõe seu aprofundamento, “em tempo recorde”, como se o fato de terem dado errado de maneira tão expressiva, fosse uma virtude. Se há uma esquerda que a direita adora, é essa. A esquerda que longe de fazer um combate efetivo, fortalece a direita.