A primeira vez que ouvi falar de Laércio de Freitas foi no longínquo ano de 1980. Estava recém contratado como chefe de reportagem de Economia do Jornal da Tarde e, de vez em quando, dava uns pitacos sobre música. Aí, fui procurado por Armando Aflado, produtor do selo Eldorao, com uma proposta de escrever a contracapa de um LP de Laércio.
Até então, só conhecia Laércio pelo hit “Capim Gordura”.
Esmê era Esmeraldino Salles, um fantástico compositor paulistano que eu havia conhecido no Festival do Choro da Rede Bandeirantes, alguns anos antes.
Fui com Aflalo acompanhar as gravações, no estúdio Eldorado. O que ouvi foi um baque, uma harmonia fantástica e imprevisível que deixava louco o Xixo, cavaquinho conhecido em São Paulo, mas era dominada com maestria por Heraldo do Monte, o grande violonista nordestino.
Escrevi a capa falando dos gênios anônimos, como Casé. Depois, fiquei preocupado. Será que meu entusiasmo não poderia ter sido afetado pelo fato de ser minha primeira contracapa? Com o tempo, o LP tornou-se um dos mais importantes da história do choro.
Muitos anos antes, perguntei a Rafael Rabello quem Radamés Gnatalli tratava como gênio. A resposta me acalmou: Radamés dizia que, entre os vivos, gênio é Laércio de Freitas.
Com o tempo foi ampliando nossa amizade e as informações que me chegavam dele. Conversando com os maiores músicos de São Paulo – como Proveta -, todos eles em algum momento mudaram depois de receber conselhos do “tio” – como Laércio era chamado.
Era o próprio preto velho da umbanda, com seu modo vagaroso de falar, os conselhos que dava, as frases para cada ocasião. Tornou-se frequentador dos nossos saraus, com sua querida Piki.
Agora, o amigo Itamar Assieri me conta que Laércio foi um dos dois pianistas que tocaram a quatro mãos com Radamés – o outro foi sua irmã Aida Gnatalli.
Deixa filhos musicais e amigos por toda parte. Ontem, o Facebook coalhou de mensagens dos maiores músicos brasileiros saudando o grande gênio que nos deixou.