Em 21 de maio de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, protagonizou um momento de tensão diplomática ao acusar o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa de permitir um suposto “genocídio branco” em seu país. O incidente ocorreu durante uma reunião oficial na Casa Branca, transmitida ao vivo, quando Trump interrompeu abruptamente a agenda para exibir vídeos e imagens que, segundo ele, comprovariam a perseguição sistemática contra fazendeiros brancos na África do Sul.

O que deveria ser um encontro diplomático de rotina transformou-se numa verdadeira emboscada política. Ramaphosa, visivelmente constrangido, foi forçado a assistir enquanto o presidente americano exibia materiais sem aviso prévio, numa tática que analistas internacionais classificaram como “diplomacia de humilhação”.

Khalid Majzoub, jornalista da Al Jazeera especializado em verificação de fatos, analisou detalhadamente cada uma das “provas” apresentadas por Trump e revelou uma série de falsidades e manipulações. A investigação, publicada no programa “Fact Check” da emissora, desmonta sistematicamente as três principais alegações feitas pelo presidente americano.

A primeira acusação envolvia um vídeo que, segundo Trump, mostrava “milhares de túmulos de sul-africanos brancos assassinados”. Majzoub comprovou que as imagens eram, na verdade, de um protesto simbólico realizado em 2020 contra o assassinato de dois fazendeiros brancos. Os organizadores da manifestação confirmaram que as cruzes eram apenas símbolos temporários, removidos após o ato. Dados da Reuters citados na verificação mostram que as mortes de fazendeiros brancos representam menos de 1% de todos os homicídios no país.

A segunda alegação referia-se a um vídeo onde Julius Malema, líder do partido Combatentes pela Liberdade Econômica (EFF), aparece com apoiadores cantando “mate o Boer” – termo em africâner que significa “fazendeiro”. Majzoub contextualizou que a canção surgiu na década de 1980 como parte do movimento anti-apartheid e, segundo historiadores consultados pela Al Jazeera, integra o “teatro de insurreição em massa”, geralmente acompanhada por danças, como visto no vídeo. As imagens foram gravadas durante um comício em março de 2025 que relembrava o Massacre de Sharpeville de 1960, quando a polícia do apartheid assassinou pelo menos 91 pessoas negras.

A terceira e mais grave falsificação envolvia uma foto que Trump apresentou como “trabalhadores carregando sacos com corpos de fazendeiros brancos para serem enterrados”. A verificação da Al Jazeera revelou que as imagens foram capturadas em fevereiro de 2025, não na África do Sul, mas na República Democrática do Congo. O material original, da agência Reuters, mostrava vítimas da guerra entre o governo congolês e rebeldes do M23.

A checagem da Al Jazeera expõe como Trump manipulou informações descontextualizadas e falsas para criar uma narrativa de perseguição racial que não encontra respaldo na realidade. Embora existam tensões raciais na África do Sul – um legado do regime de apartheid que segregou o país até os anos 1990 – não há evidências que sustentem as acusações de genocídio feitas pelo presidente americano.

O episódio remete a 2018, quando Trump já havia feito alegações semelhantes sobre fazendeiros brancos sul-africanos, ordenando ao então Secretário de Estado Mike Pompeo que investigasse “expropriações de terras e fazendas e assassinatos em massa de fazendeiros”. Na época, o governo sul-africano classificou as declarações como “polarizadoras, perigosas e baseadas em informações falsas”.

A atual administração Trump foi além e ofereceu status de refugiado a 59 sul-africanos brancos, alegando perseguição – uma medida sem precedentes que gerou protestos formais do governo sul-africano e críticas de organizações internacionais de direitos humanos.

Para especialistas em relações internacionais, o incidente representa uma instrumentalização de teorias conspiratórias de supremacia branca para fins de política doméstica, visando agradar setores da base eleitoral de Trump. A tática, contudo, compromete seriamente as relações diplomáticas com um parceiro estratégico no continente africano.

A verificação da Al Jazeera não apenas desmonta as falsas alegações, mas também evidencia como a desinformação pode ser utilizada como arma diplomática, com potencial para desestabilizar relações internacionais e inflamar tensões raciais em contextos já historicamente complexos.

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Last Update: 27/05/2025