Publicada no sítio A Terra é redonda e assinada por Helena Pontes dos Santos, o artigo A farsa da abolição da escravização apresenta dados interessantes sobre a situação do trabalhador brasileiro. O que nos parece muito equivocado é o que a colunista expõe no próprio título e logo no início do texto:
“A falsa abolição nunca garantiu reparação, não revogou leis que serviriam de impedimento para qualquer possibilidade de avanço social do povo negro, nos impondo o lugar de massa marginal, na sociedade brasileira de capitalismo dependente”
A colunista confunde – e essa confusão tem tomado conta de boa parte da esquerda – a situação do povo negro hoje com a abolição ter acontecido de fato ou não.
É fato que a população negra, inclusive por ser maioria no País, sofre com as piores condições de trabalho. Não é possível, porém, usar isso para tirar a conclusão que a abolição seria uma farsa, ou seja, que ela não existiu.
Isso não é difícil de compreender. Um direito na sociedade de classes sempre será contraditório. Como ela mesma afirma, as leis trabalhistas não são totalmente respeitadas no Brasil. Mesmo assim, elas garantiram direitos importantes aos trabalhadores e certamente a situação geral dos trabalhadores melhorou com eles.
Um problema da ideia de que a abolição foi uma simples farsa é a de que ela ignora que foi obra da luta do povo negro e do movimento abolicionista. Essa luta foi vitoriosa e forçou o regime imperial a assinar a Lei. Em partes, a entrada em cena da princesa Isabel foi uma manobra para conter um ascenso revolucionário no País que instituiria uma abolição mais radical, no entanto, manobra ou não, a lei foi essencial para libertar os escravos.
Afirmar que foi “uma farsa” é dizer que daria tudo na mesma. Se houvesse a instituição jurídica da escravidão hoje, seria melhor para os negros? A própria afirmação, colocada assim, já revela o absurdo.
“Os excluídos de sua proteção são os trabalhadores e trabalhadoras rurais e empregadas domésticas. Qual a cor destes trabalhadores e trabalhadoras?”
A população negra (considerando negros e pardos) é maioria no Brasil. Naturalmente a população trabalhadora será composta majoritariamente pela população negra. Os piores empregos acabam recaindo sobre os negros também. Isso é consequência certamente da condição dos negros, herdada pela escravidão. Isso, contudo, não significa que a abolição foi uma farsa.
Tanto é assim que os trabalhos mais degradados, como os citados pela colunista, a saber, trabalhadores rurais e empregadas domésticas, apesar de serem majoritariamente ocupados por negros, não são ocupados apenas por negros. Ou seja, o problema é antes de tudo de classe, sendo o problema da escravidão e racial, um subproduto dessa questão social.
No fim, a propaganda serve aos interesses de quem busca desmerecer a luta do povo oprimido. É também a mobilização dos escravos e das amplas massas que Santos desmerece. Dessa forma, deixa claro também que não está verdadeiramente interessada na opressão do povo negro e nem na sua superação, que só pode vir da forma como a escravidão foi combatida: com os negros mobilizados e lutando.