“Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida.”
— Antonio Candido
Que tempos!
Uma mãe, médica pediatra palestina, recebe no hospital onde trabalhava os corpos de nove crianças: eram seus filhos, mortos pelo Estado terrorista de Israel.
O presidente Lula reage, com justa indignação. Faz isso pela plataforma X, de Elon Musk.
Fica a pergunta: preterimos o Estado?
Qual o papel da chancelaria, o Itamaraty?
Não seria mais eficaz substituir a postagem — em uma rede completamente deslegitimada — pela retirada do pessoal diplomático brasileiro de Tel Aviv?
Será que a esquerda se rendeu à diplomacia da imagem?
Por falar no Estado sionista: ao comprar tâmaras, perguntem antes a procedência. O Estado terrorista está inundando o mercado brasileiro com frutas que não consegue desovar em outras latitudes. Não aconselho: elas têm gosto de sangue.
Libertemo-nos do mainstream. Podemos pensar com a própria cabeça. Não é porque todos agem de certa forma que devemos seguir essa senda larga.
Não justifiquemos nosso conformismo com a educação que recebemos, mesmo que ela tenha sido determinante para nosso pensamento e nossas ações.
Com Hermeto Pascoal, estejamos cientes de que:
“Escolas não ensinam palavras, ensinam frases prontas.”
Ao mesmo tempo, abramos portas e janelas ao nosso próprio julgamento.
A citação acima está em Elis – Nada Será Como Antes (Companhia das Letras), de Julio Maria, obra que também registra o diálogo entre Elis Regina e Cauby Peixoto:
— Elis, o que é isso?
— Ah, Cauby, está muito calor.
— Uma estrela não pode andar desse jeito — disse ele. — Andar arrumada é algo que você deve fazer para o seu público, não para você.
Parece banal. Não é.
Os haitianos, por exemplo, seguem isso à risca: não se vestem para si, mas em respeito ao outro.
Os estadunidenses, ao contrário, vestem-se como se fossem ficar em casa, misturando espaço público e privado — uma relação promíscua que induz à sobreposição da vontade individual ao bem comum.
Em A Legião Estrangeira (Editora Rocco), Clarice Lispector ensina:
“…a grande força do ovo: sua grandiosidade vem da grandeza de não poder, que se irradia como um não querer.”
Conseguimos nos limitar apenas por nossa condição humana, explorando tudo o que em nós pode nascer e florir?
No posfácio do livro, Marília Librandi evoca:
“A Legião Estrangeira, o livro que temos na mão e diante dos olhos, é o tesouro que ela nos oferece. Clarice transporta-nos para uma outra dimensão elevada do pensar e, num gesto de amor, dá-nos o ovo para chocá-lo, no livro-incubadora: ‘Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, a um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos — e a isso chamamos de amor.’”
Amar não é reconhecer?
Entender o significado no significante?
Não é despojamento de determinismos, mas aceitação deles — e só deles?
No mesmo posfácio, Librandi complementa:
“Clarice também ensina a difícil lição de que, para escrever, é preciso ócio — esse luxo que a gente só consegue se largarmos o que temos, os bens que queremos, e ficarmos pobres e livres.”
Cita ainda:
“Eu sacudia dos ombros todos os deveres e dela saía livre e pobre, e com um tesouro na mão.”
Sim, tempo não é dinheiro — é disponibilidade, respeito à alteridade, amor.
Em última instância, é forma de possibilidade.
Librandi cita mais uma vez Clarice:
“A agonia de seu nascimento. Até então eu nunca vira a coragem. A coragem de ser o outro que se é, a de nascer do próprio parto, e de largar no chão o corpo antigo.”
Não somos muitos? Sim, somos.
Dois excelentes filmes atualmente em cartaz tratam disso de formas distintas: Ritas e Criaturas da Mente.
No primeiro, Rita Lee explica como era muitas Ritas — sendo a roqueira apenas uma delas.
No segundo, Sidarta Ribeiro confirma, científica e espiritualmente, que de fato somos muitos.
Em ambos os casos, o diálogo deve se impor entre os nossos “nós” — inclusive com a lembrança do teatrólogo Antonin Artaud, que nos recorda: temos muitos estados, sendo um mais perigoso que o outro.
De fato, o cinema brasileiro se impõe. A qualidade da produção nacional é impressionante — tanto na forma quanto no conteúdo.
O recente reconhecimento em Cannes, com o prêmio de melhor diretor para Kleber Mendonça Filho e de melhor ator para Wagner Moura, confirma isso.
Outro filme premiado internacionalmente, Manas, é um soco no nosso comodismo, em nossos olhos cegos para o machismo, no olhar e não ver.
Viva a arte! Viva a cultura! Viva sermos muitos — e variados — seres!