Boiada, picaretas e privatização
por Heraldo Campos
“Depois de muito debate em Plenário, o Senado aprovou nesta quarta-feira (21) o projeto que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021). (…) O texto, de autoria da Câmara dos Deputados, retorna para a análise daquela Casa por ter sido alterado no Senado.” [1]
“Parece um filme antigo. Esse filme que estamos vendo agora (…)” [2], com o afrouxamento da legislação ambiental para facilitar a emissão de licenças ambientais, num cenário com atores e articulações manjadas, há tempos, e que vira e mexe retorna à baila com outra roupagem, como veremos a seguir num breve retrospecto.
“Como estamos vivendo um período difícil, com muita desconfiança, não faz muito tempo, surgiram boatos sobre a venda dos nossos recursos hídricos e, em especial, a venda das águas subterrâneas do Aquífero Guarani.
Falava-se, a boca pequena, para não nos alarmarmos, porque eram apenas boatos e que a possível venda dos recursos hídricos seria inconstitucional.
Na esteira desses boatos, chegou-se a dizer que estava em tramitação no Senado, um Projeto de Lei que alteraria a lei que proibiria essa venda e que a sua alteração introduziria os mercados de água, como instrumento destinado a promover a alocação e a destinação de verbas, supostamente, mais eficiente para os recursos hídricos.
Se foram boatos ou não, a população precisa ficar, constantemente, ligada e esperta, para não sentir na pele a mudança, num golpe, com a introdução dos mercados de água, se um dia isso vier a ocorrer.
A água, seja superficial ou subterrânea, é um bem público.
O superficiário, ou o proprietário de terras, não é o dono dos rios ou dos reservatórios subterrâneos (aquíferos).
A União ou os Estados é que são os detentores do domínio dos recursos hídricos pela Constituição Brasileira promulgada em 1988.
Se de fato ainda existe ou existiu um Projeto de Lei, no Congresso Nacional, não custa lembrar que essa modificação dependeria, necessariamente, de uma Emenda Constitucional.” [3]
“ ‘Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou / São trezentos picaretas com anel de doutor / Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou / Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou / São trezentos picaretas com anel de doutor / Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou / Eles ficaram ofendidos com a afirmação / Que reflete na verdade o sentimento da nação / É lobby, é conchavo, é propina e jeton / Variações do mesmo tema sem sair do tom’.
Esse trecho da letra da canção ‘Luís Inácio (300 picaretas)’ de autoria de Herbert Vianna do Paralamas do Sucesso e composta no ano de 1995, se fosse relançada nos dias de hoje, depois da aprovação pela Câmara dos Deputados em 30/05/2023 do projeto de lei do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, estaria bem atualizada.
Esse golpe nos direitos indígenas e no povo brasileiro, limitando a demarcação dos povos originários, visando interesses escusos, abre a porteira para a passagem da boiada em vários setores da nossa frágil sociedade uma vez que a demarcação dos territórios indígenas somente pode ser reconhecida até a data da promulgação da Constituição Federal em 05/10/1988.” [4]
“Os jornais e a mídia televisiva noticiaram nesses últimos dias das tragédias das enchentes no Estado do Rio Grande do Sul, motivadas por causa dos efeitos das mudanças climáticas, mais uma aberração que vem rolando no domínio da câmara dos deputados federais: a privatização das praias.
Convenhamos que isso não vem de agora. Muitas praias ao longo do litoral da costa brasileira foram cercadas, fechadas para acesso livre do público, sempre com guaritas muito bem equipadas e privatizadas na prática. Uma pedra cantada há décadas e que agora parte dos ilustres deputados querem botar uma pá de cal nesse sensível tema ambiental, para entregar de vez o que é de todos para certos grupos especuladores. Isso nem é coisa de parlamentar conservador. É atitude de parlamentar predador.” [5]
Como vimos, nesses trechos de artigos citados num período de cerca de cinco anos, ao que tudo indica, se for mesmo aprovada essa Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021) a boiada nas águas, os picaretas e a privatização das praias tem todo um caminho azeitado pela frente para a conquista de seus objetivos finais e detonando, ainda mais, pela ganância exacerbada, o ambiente em que vivemos.
“A poluição, a ganância e a estupidez são as maiores ameaças ao planeta.” – Stephen Hawking.
Fontes
[1] “Em discussão há 21 anos no Congresso, licenciamento ambiental é tema complexo”. Projeto de Lei 2.159/2021 de 21/05/2025 divulgado pela Agência Senado. [2] “Filme antigo” artigo de 24/05/2021.https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2021/05/filme-antigo.html
[3] “A boiada nas águas” artigo de 11/06/2020.https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2020/06/a-boiada-nas-aguas-cronica-de-heraldo.html
[4] “300 picaretas” artigo de 01/06/2023.https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2023/06/300-picaretas.html
[5] “Privatizar praias é pedra cantada” artigo de 28/05/2024.https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2024/05/privatizar-praias-e-pedra-cantada.html
Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “