A concomitância das eleições e a tentativa de despolitizar (ainda mais) a sociedade

por Daniel Gorte-Dalmoro

Considerado prioridade para 2025, tramita no Senado uma proposta de emenda à constituição que, dentre outras coisas, unifica as eleições no país – esferas federal, estadual e municipal, executivo e legislativo, todos de uma vez. O argumento é que as eleições são um custo direto e indireto para a sociedade: direto nos valores que a votação mobiliza, “consome recursos públicos escassos, num país em que necessidades prementes da população não foram ainda devidamente equacionadas”, segundo o senador Marcelo Castro (MDB-PI), como se o dreno de recursos públicos fosse as eleições e não a bolsa-milionário que o governo paga; indireto por “não dar descanso ao eleitor”, como falou o senador Otto Alencar (PSD-BA). No fundo, esse “descanso da política” é uma forma de priorizar a economia, pois a política desvia – ao menos teoricamente – a sociedade para assuntos de interesse coletivo, como prioridades, projetos e que tipo de sociedade, de cidade almejamos. Ou seja, eleições correm o risco de politizar a sociedade e prejudicar o status quo, fazer questionar a visão da economia que se pretende acima da política, ou seja, acima das lutas e contradições que o fazer da história impõe.

Numa sociedade de democracia de baixa intensidade, conforme Boaventura de Sousa Santos, as eleições servem, ou melhor, podem servir como um raro momento de educação e discussão política, fora da pauta introduzida pelos donos do capital (atualmente não apenas servidos pela mídia corporativa, como donos de boa parte dela), e trazer questões de interesse da sociedade como um todo para a ribalta – ainda que as pautas políticas venham sendo ofuscadas por pautas de moral e costumes. 

A atual concomitância de eleições para legislativo e executivo já se mostram deletérias: não só a crítica batida de não se saber em quem votou para deputado, senador ou vereador, como não se educa para as funções do legislativo, as atribuições do cargo: a eleição majoritária simplesmente engole as legislativas – deixando um flanco aberto para um voto de “neocabresto”, voto direcionado por alguma liderança (mais marcadamente religiosa, mas não só), sem uma reflexão sobre que interesses podem estar em jogo. O mesmo raciocínio vale para as eleições estaduais e federal coincidentes: a eleição para presidência acaba prevalecendo, diminuindo a atenção dada às propostas dos candidatos aos governos dos estados.

Imagine, então, se a essas discussões se somam também elementos de nível municipal. Quarenta e cinco dias para discutir questões que nos afligem em nível nacional, estadual, municipal, as propostas feita pelos postulantes para executivos e legislativos. Se atualmente já não se tem uma discussão à altura dos nossos problemas, tudo junto e misturado será a despolitização completa, uma eleição de consagração de dancinhas de tik tok e lacrações baixas. Uma mistura de Lei Falcão (1976) com vale-tudo de internet para estes tempos apoca(po)líticos.

Daniel Gorte-Dalmoro é escritor e funcionário público. Filósofo e Sociólogo formado pela Unicamp, Mestre em Filosofia pela PUC-SP (se debruçou sobre A Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord), Psicanalista em formação. Autor, dentre outros, de Trezenhum. Humor sem graça. (Ibiporã 1011) e Linha de Produção/Linha de Descartes (Editora Urutau).

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Last Update: 26/05/2025