No último sábado (24), o jornal O Estado de S. Paulo publicou um artigo de Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o golpe de 2016, intitulado Discursos de ódio, desinformação, intolerância, redes sociais e necessidade de regular as big techs. O texto, repleto de citações, frases sofisticadas e intenções mui nobres, pode ser resumido a uma frase: é preciso calar quem incomoda os poderosos.
Mello afirma com naturalidade: “a liberdade de expressão não é absoluta”.
Mas se não é absoluta, então não é liberdade. É concessão. É licença. É uma brecha que o Estado pode fechar quando quiser. Não existe meio-termo: ou se aceita a liberdade como princípio inviolável ou ela deixa de ser direito e vira privilégio temporário.
Esse é o mesmo conceito de “liberdade” da ditadura militar. Todos tinham o “direito” de falar o que pensavam, desde que os pensamentos fossem favoráveis ao regime.
Continuando, Mello cita o famigerado paradoxo do filósofo austríaco Karl Popper, que diz que “o intolerante não deve ser tolerado”. É a versão da frase “bandido bom é bandido morto” adaptada à luta ideológica. Basta ser “intolerante” — seja lá o que isso signifique — para perder seus direitos políticos. Uma política que visa reprimir não por ações concretas e tipificadas como crime, mas pelas ideias de uma pessoa.
Mello também defende a punição de quem faz “apologia do crime” ou profere “discurso de ódio”. Mas aqui o problema é: quem define esses termos?
Assassinar alguém por que esta pessoa é negra é um crime: homicídio. Acreditar que um negro é intelectualmente inferior a um chimpanzé é apenas uma opinião. Assim como não passa de uma opinião dizer que o assassinato do negro estaria justificado, dada a suposta inferioridade intelectual do negro.
Para punir opiniões, seria necessário que alguém determinasse quais seriam as opiniões “corretas” e quais seriam as opiniões “erradas”. Isto é, seria preciso entregar ao Judiciário o poder de determinar o que se pode e o que não se pode pensar!
Considerando-se que os juízes são figuras mui democráticas como Sergio Moro e Alexandre de Moraes, o leitor pode ficar tranquilo, pois o Judiciário punirá tudo aquilo que não for a defesa da ditadura do proletariado…
Mello quer uma regulação das chamadas Big Techs para proteger a “democracia”. O problema é que o que ele de fato quer regular é o conteúdo publicado pelos milhões de usuários que utilizam suas plataformas no Brasil.
A regulação proposta por Mello nada tem a ver com os atentados que empresas multinacionais frequentemente praticam contra a soberania do Brasil. Nada tem a ver, por exemplo, com o fato de que estas empresas, sediadas no exterior, censuram aquilo que foi dito por um cidadão brasileiro.
A ideia da regulamentação é pressionar as empresas para que estas reprimam todas as opiniões que o Judiciário irá considerar como “inadequadas”.
“O populismo digital manipula a verdade”, diz Mello. E a grande imprensa, o que faz?
Quando se cria uma “verdade absoluta” protegida pelo Estado, o que se está criando é uma ditadura, por definição.
O mundo real é o maior argumento contra a tese autoritária de Mello. Graças à Internet, chegam, todos os dias, aos povos de todos os continentes, notícias e imagens sobre os crimes cometidos por “Israel” na Faixa de Gaza. Não se trata de “manipulação da verdade”, mas simplesmente da verdade.
Não fosse a Internet, o que iria acontecer? Essas imagens passariam nos canais de televisão? É óbvio que não, pois eles estão ignorando o genocídio. Assim como ignoraram o genocídio no Iraque. Assim como ignoram todos os crimes do imperialismo.
Falar na grande imprensa é falar no STF. Ambos são instrumentos da mesma classe social. Toda a baboseira dita por Mello responde unicamente a um mesmo interesse: o de justificar a censura da Internet. Isto é, transformar em crime o ato de expressar opiniões que desagradem o grande capital.