Em artigo intitulado Mídia corporativa x cidadãs de primeira classe, publicado pelo Brasil 247, Elisabeth Lopes se propõe a defender Janja Lula da Silva dos supostos “ataques misóginos” da imprensa. Mas o que se revela é outra coisa — e bem mais perigosa: uma tentativa de blindar uma política de censura por meio da falsa defesa da mulher.
Sim, Janja virou tema de debate. Mas não por ser mulher, nem por ser esposa do presidente, e sim porque falou como representante de Estado em uma reunião diplomática com a China — para defender a regulação (censura) do TikTok.
Logo de início, Lopes convoca Dalmo Dallari para justificar a suposta “cidadania” de Janja:
“A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo.”
Tudo bem.
Mas participar do governo não é fazer política pública em nome do povo — sem ter sido eleita.
Cidadania é uma coisa. Ser porta-voz de decisões governamentais, ainda mais em cenário diplomático internacional, é outra.
O que Janja fez foi colocar em circulação, num dos ambientes mais sensíveis da política mundial, uma defesa da regulação estatal das redes sociais — dentro da China, um dos grandes aliados do Brasil e que é acusado o tempo inteiro pelo imperialismo de ser uma ditadura.
A autora, então, parte para a blindagem identitária clássica. Ao relatar os comentários negativos feitos por analistas da imprensa burguesa, Lopes diz:
“Os julgamentos foram ironicamente misóginos. Até jornalistas mulheres foram coniventes com o machismo.”
A regra de ouro dos identitários: você critica uma mulher no governo, é “machismo”. Ponto. Fim da conversa.
Mas não é crítica à condição de mulher que se faz aqui. É crítica a uma atuação política disfarçada de figura conjugal, num momento estratégico, num tema sério.
O governo brasileiro, em vez de se preocupar com o seu povo, que está passando fome, quer defender censura, controle de redes, vigilância sobre conteúdo digital? Que o defenda. Mas tenha coragem de fazê-lo em público, como governo, com projeto de lei, com um debate democrático.
Que diga abertamente que é a favor de censurar o adolescente que publica um vídeo sobre o genocídio na Faixa de Gaza, mas que é contra a cassação da concessão da Rede Globo. Ou, melhor: diga que doou R$177 milhões do dinheiro do povo brasileiro à Globo em apenas um ano.
A fala de Janja na China teria passado despercebido. Seria apenas um comentário de uma mulher que não sabe em que mundo vive.
Tudo isso ganha outra dimensão porque o presidente Lula não tem uma posição definida sobre os grandes assuntos da política nacional e da política mundial. Ao mesmo tempo em que visita a China, reluta em entrar na Nova Rota da Seda. Ao mesmo tempo em que visita a Rússia, critica Vladimir Putin. No que diz respeito às redes sociais, se mostra incapaz de fazer um debate honesto: o governo é realmente favorável a reprimir os usuários da Internet para favorecer os jornais responsáveis pela sua prisão?
Janja que nos perdoe, mas a condição feminina da primeira-dama é um assunto absolutamente secundário nesta discussão. E o fato de que os apoiadores do governo se escondem por detrás disso revela apenas que não estão dispostos a abandonar uma política fadada ao fracasso.