A tradicional Universidade de Férias do Partido da Causa Operária (PCO) debaterá, em sua 53ª edição, a teoria marxista da revolução, com foco em sua aplicação para os dias atuais. A seguir, confira os temas que serão abordados no curso.
O que é a teoria marxista da revolução
A teoria marxista da revolução é uma teoria da luta de classes. Ao contrário de teorias que se limitam a explicações econômicas, a teoria marxista da revolução se concentra em identificar quais classes sociais desempenham o papel dirigente num processo revolucionário. Ela se pergunta: a revolução é burguesa ou proletária? Quais são suas forças motrizes? Que alianças são possíveis?
A teoria marxista não é abstrata: é uma ferramenta prática para orientar a ação revolucionária. Sua base está na compreensão de que qualquer mudança social profunda só pode ocorrer quando uma classe toma o poder do Estado para cumprir as tarefas necessárias ao desenvolvimento histórico.
Teoria da revolução em Marx e Engels
Karl Marx e Friedrich Engels partiam da premissa de que a revolução socialista seria realizada pela classe operária em países capitalistas desenvolvidos. Contudo, ainda em 1848, perceberam que mesmo as revoluções burguesas estavam sendo traídas por suas próprias classes dirigentes. A burguesia, diante da ameaça de uma mobilização popular real, abandonava a luta e se aliava às aristocracias governantes.
Essa observação é essencial para entender o desenvolvimento posterior da teoria revolucionária: se a burguesia não é capaz de cumprir suas próprias tarefas históricas (como a reforma agrária, o fim das monarquias absolutas, a independência nacional), então a responsabilidade recai sobre o proletariado. Essa constatação já aparecia nas análises de Marx sobre a Revolução de 1848 e foi aprofundada em seu balanço sobre a Comuna de Paris de 1871.
A ditadura do proletariado
A ditadura do proletariado é a espinha dorsal do marxismo. Trata-se do poder exercido pela classe operária após derrubar a burguesia — e isso é considerado por Marx como o objetivo inevitável da luta de classes. Não há marxismo sem colocar esse conceito no centro da teoria e da prática.
Marx foi categórico: a luta de classes leva necessariamente à ditadura do proletariado, e esta é apenas uma etapa de transição para a abolição das classes e do próprio Estado. No entanto, esse tema é amplamente negligenciado ou mesmo rejeitado por muitas organizações que se dizem marxistas hoje.
Todo Estado, em qualquer forma histórica, é uma ditadura de classe. Na escravidão, o Estado era a ditadura dos senhores de escravos. No capitalismo, é a ditadura da burguesia — inclusive sob a forma da democracia liberal. A chamada democracia burguesa jamais permite a alternância entre classes no poder. Permite alternância entre partidos, nunca entre classes dominantes.
Logo, a ditadura do proletariado não é uma opção tática ou uma “fase” discutível: é o único caminho possível para a superação do capitalismo. Somente com o poder da classe operária será possível expropriar a burguesia e iniciar a construção de uma sociedade sem classes.
A teoria da revolução na Rússia: Plekhanov, Lênin e Trótski
A teoria revolucionária russa começa com George Plekhanov, que considerava que a Rússia passaria inicialmente por uma revolução burguesa, conduzida pela burguesia, antes de uma revolução proletária. Essa visão foi posteriormente distorcida pelos mencheviques, que defendiam que o proletariado deveria apoiar a burguesia e se limitar a ser uma ala de oposição ao czarismo.
Vladimir Lênin, por sua vez, estabeleceu que, embora as tarefas da revolução fossem democráticas (reforma agrária, fim do czarismo), a burguesia russa era incapaz de liderar esse processo. Ele propôs que o proletariado, em aliança com o campesinato, assumisse o poder para realizar essas tarefas. Surgiu assim a tese da ditadura democrática dos operários e camponeses.
Contudo, em 1917, esta política foi adaptada conforme a própria realidade. A classe operária não parou na fase democrática e instaurou a ditadura do proletariado. A teoria de Lênin foi, portanto, atualizada pelos acontecimentos.
A Revolução Permanente
A teoria da revolução permanente é a única teoria marxista coerente para os países de capitalismo atrasado. Ela se baseia na constatação de que, a partir de 1848, a burguesia deixou de ser uma força revolucionária. Assim, nas nações onde as tarefas democráticas ainda não foram resolvidas, cabe à classe operária, ao tomar o poder, realizá-las — sem interromper a marcha rumo à revolução socialista.
Essa teoria foi desenvolvida por Trótski a partir da Revolução de 1905, na qual presidiu o soviete de São Petersburgo. Observando que o proletariado não se limitava à etapa democrática, ele concluiu que a revolução não deveria ser dividida em etapas separadas. A experiência de 1917 confirmou essa tese: a revolução começou democrática e terminou socialista.
A revolução permanente é, portanto, uma generalização científica da prática da classe operária. Foi ela que guiou a Revolução Russa à vitória.
A experiência histórica: Rússia, China, Espanha, Vietnã, Cuba
A Revolução Russa foi a primeira revolução proletária da história. E, como tal, serve de modelo até os dias de hoje para o movimento operário.
Em fevereiro de 1917, o czar Nicolau II foi deposto, abrindo espaço para um governo provisório burguês. Em outubro, os bolcheviques, liderados por Lênin, tomaram o poder em São Petersburgo e iniciaram a construção do primeiro Estado operário da história. A revolução pôs fim ao regime czarista, retirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial e promoveu profundas mudanças sociais, como a reforma agrária, que impactaram a relação entre operários e patrões em todo o mundo.
Na China, a revolução se desenvolveu ao longo de décadas de guerra civil e resistência ao imperialismo japonês. Com forte apoio camponês, a classe operária tomou o poder em 1949, abrindo o caminho para a construção de um Estado centralizado sob controle do Partido Comunista. A revolução confirmou novamente a tese de revolução permanente, uma vez que ocorreu em um país bastante atrasado.
Em 1936, os trabalhadores espanhóis entraram em um processo revolucionário profundo. A experiência, no entanto, provou, pela negativa, o fracasso da teoria da revolução por etapas. Orientados pela burocracia stalinista, os comunistas formaram uma frente com a “sombra da burguesia”, o que levou à desmoralização da luta contra os militares liderados por Francisco Franco.
Além disso, é inegável a inferioridade teórica dos quadros dirigentes da revolução chinesa em comparação a Vladimir Lênin e Leon Trótski — estimulados pelo stalinismo, o Partido Comunista Chinês havia transformado a oportunidade de tomar o poder décadas atrás se transformar em um sangrento massacre. Esse fato, por sua vez, serve para comprovar a inevitabilidade da revolução. Ela acontecerá como um processo histórico necessário. Mesmo sem uma direção desorientada, a classe operária saiu vitoriosa.
Em Cuba, a classe operária tomou o poder em 1959 após uma guerrilha liderada por Fidel Castro, Che Guevara e outros combatentes da Sierra Maestra. O regime de Fulgencio Batista, apoiado pelos EUA, caiu, e os revolucionários assumiram o poder. Inicialmente com um programa nacionalista e democrático, a revolução evoluiu para uma transformação socialista, com reforma agrária, nacionalizações e ruptura com o imperialismo. Cuba se tornou o primeiro Estado Operário da América, demonstrando de maneira inegável a fraqueza da dominação imperialista norte-americana.
O mesmo que foi dito sobre a debilidade teórica dos dirigentes chineses pode ser dito sobre os cubanos. O mais interessante deste caso é que o dirigente máximo sequer era comunista. Fidel Castro, no início do processo revolucionário, era uma liderança nacionalista. Um homem de determinação política extraordinária, mas cujo programa inicial respondia às necessidades da pequena burguesia cubana. Com o desenvolvimento da luta revolucionária, Castro decretou a expropriação da burguesia.
Também merece destaque o fato de que a revolução cubana foi dirigida por um grupo guerrilheiro, e não por um braço direto do Partido Comunista da União Soviética. Embora houvesse o Partido Comunista Cubano, Fidel Castro era dirigente do Movimento 26 de Julho, que só se fundiu ao Partido Comunista após a revolução. Este fato também demonstra a fraqueza da burocracia stalinista, cada vez mais desmoralizada por sua política contrarrevolucionária.
No Vietnã, a revolução se desenvolveu em duas etapas principais: a independência do domínio colonial francês e a posterior guerra contra os Estados Unidos. Em 1945, o Viet Minh, liderado por Ho Chi Minh, proclamou a independência do país, mas os franceses tentaram retomar seu controle. Após a vitória de Ho Chi Minh em Dien Bien Phu (1954), o Vietnã foi dividido em dois, e a luta continuou contra o regime pró-Estados Unidos no sul. A vitória final em 1975, com a queda de Saigon, unificou o país sob liderança comunista, após uma das guerras mais genocidas do século XX.
A revolução do Vietnã se destaca das demais pelo aumento exponencial dos crimes de guerra do imperialismo, revelando a sua fragilidade cada vez mais patente. O uso indiscriminado de armas químicas — e até o debate sobre uso de armas nucleares —, bem como os intensos bombardeios sobre a população civil, escancararam a covardia dos norte-americanos, que foram incapazes de deter a força revolucionária de um povo de um país agrário e dezenas de vezes menor que a China.
A tenacidade, a disposição de luta, a disposição de se sacrificar por uma determinada causa — são os grandes fatores que levaram à vitória no Vietnã. Que mostrou que o imperialismo não é invencível.
O líder militar do Vietnã, o general Vo Nguyen Giap, desenvolveu a sua própria concepção da luta popular contra o imperialismo. Uma das bases fundamentais dos grupos que hoje lutam no Oriente Médio, como o Hesbolá e o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), é a guerra do Vietnã.
Crítica das teorias antimarxistas: revolução por etapas, teoria da dependência etc.
A teoria da revolução por etapas, defendida por José Stálin e seus seguidores, afirma que a classe operária deve apoiar a burguesia na realização de uma revolução democrática para, apenas depois, preparar uma revolução socialista. Isso é a negação direta da teoria marxista. A experiência demonstrou que a burguesia nunca cumprirá essas tarefas. Essa teoria foi usada na China em 1927 e terminou em um massacre contra os comunistas, atrasando a revolução por duas décadas.
A teoria da dependência, por sua vez, desloca o foco da luta de classes para uma relação externa entre países, obscurecendo as contradições internas entre burguesia e proletariado em países atrasados. Isso leva a desvios, como a ideia de que a revolução socialista no Brasil só seria possível porque o país já seria um capitalismo desenvolvido.
Essas teorias tentam evitar um confronto direto com a revolução permanente, muitas vezes por causa do tabu deixado pelo stalinismo.
Após 1956, com a repressão da Revolução Húngara, diversos setores romperam com o stalinismo, mas sem romper com sua teoria etapista. Preferiram criar soluções teóricas híbridas ou artificiais para justificar posições conciliatórias, o que só gerou mais confusão na esquerda internacional.
O Brasil e a Revolução Permanente
A realidade brasileira expressa de maneira exemplar as teses da revolução permanente. O país apresenta simultaneamente formas avançadas de capitalismo e enormes estruturas atrasadas — especialmente no campo. É a marca de uma economia dependente e deformada pela dominação imperialista.
Nesse sentido, a burguesia brasileira tem um papel contraditório. Embora reacionária enquanto classe, setores dela podem entrar em conflito com o imperialismo, como se viu em figuras como Getúlio Vargas ou, mais recentemente, Hugo Chávez na Venezuela. A teoria da revolução permanente não nega essa contradição — reconhece que há tensões reais, mas que a burguesia não tem força histórica para completar a revolução democrática. Ela sempre recua diante do imperialismo.
O erro comum de muitos grupos de esquerda é cair num dos dois extremos: ou defendem aliança com a burguesia em nome do nacionalismo, ou negam qualquer relevância aos conflitos internos entre burguesia e imperialismo, chegando a se alinhar, mesmo que indiretamente, com o imperialismo contra regimes nacionalistas.
Um partido revolucionário deve ter independência de classe. Isso significa não se aliar politicamente à burguesia, mas também não negar a existência de contradições reais no seio da classe dominante de países oprimidos.