Por Tânia Mandarino*
O jornal O Globo publicou neste domingo, 25 de maio, artigo com o título “Manobra militar na Guiana envolvendo Brasil e EUA envia recado à Venezuela sobre Essequibo às vésperas de eleição”.
O artigo, além distorcer os fatos, reforça uma narrativa profundamente alinhada com os interesses geopolíticos dos EUA e de suas aliadas potências ocidentais.
Dizer que o presidente Nicolás Maduro “inventou” o Estado do Essequibo é uma falsificação histórica.
O território do Essequibo pertence à Venezuela desde os tempos da Capitania Geral, sob domínio espanhol. Foi incluído no mapa da pátria desde o processo de independência liderado por Simón Bolívar.
A tentativa de apagar essa verdade histórica serve a um objetivo claro: legitimar a pilhagem dos recursos naturais por parte de corporações multinacionais e manter a região sob domínio de uma Guiana submissa aos interesses anglo-americanos.
Colonialismo e arbitragens viciadas, a raiz do conflito
A disputa pelo Essequibo não nasceu com Maduro — tampouco com o chavismo. Ela tem raízes coloniais.
Em 1899, uma arbitragem internacional, viciada e fraudulenta, concedeu a posse do território à Grã-Bretanha. Décadas depois, documentos revelaram conluios entre os juízes britânicos e russos, levando até figuras da diplomacia internacional a reconhecerem que a Venezuela foi vítima de um tribunal manipulado.
O Acordo de Genebra de 1966, assinado pouco antes da independência da Guiana, reconheceu a existência da disputa e comprometeu as partes a buscarem uma solução mútua.
A Guiana, no entanto, cedeu progressivamente à lógica imperial e passou a leiloar blocos de petróleo em águas em litígio — sem sequer concluir o processo de resolução.
ONU, CIJ e o “direito internacional”
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), onde a Guiana tenta agora consolidar a ocupação do Essequibo, opera sob o manto do chamado “direito internacional”.
Mas é importante dizer: esse direito, como apontaram juristas críticos e líderes do Sul Global, não é neutro. Ele foi construído e é aplicado para proteger os interesses das grandes potências, sobretudo os EUA e seus aliados europeus.
É por isso que tantas decisões da ONU ou da CIJ ignoram, sistematicamente, os direitos dos povos do Sul — da Palestina ao Saara Ocidental, passando por Cuba, Venezuela e tantos outros.
Quando um país periférico tenta romper com essa lógica, é imediatamente tachado de “ameaça” ou “ditadura”.
O povo como protagonista
A criação do Estado do Essequibo é uma resposta soberana da Venezuela, baseada não apenas em sua história, mas na vontade expressa de seu povo.
Em referendo realizado em dezembro de 2023, mais de 95% dos venezuelanos votaram a favor da incorporação do Essequibo. Esse processo não é uma “manobra”, mas um gesto de autodeterminação diante de uma ocupação ilegítima e de um sistema internacional corrompido.
Aos povos do Sul
As trombetas que soaram hoje na Venezuela, sobretudo nas eleições do 24º estado, não são apenas sons de campanha: são um chamado à consciência latino-americana.
É um alerta de que a soberania não se negocia e que os recursos dos povos devem estar a serviço dos povos — não do grande capital financeiro internacional.
*Tânia Mandarino é advogada. Integra o Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD)