Um dos aspectos mais interessantes do projeto do VLT de Salvador foi a solução criativa encontrada para a aquisição dos trens. Em vez de importar equipamentos novos, o que demandaria mais tempo e recursos, a Bahia apostou nos trilhos com uma alternativa bem mais econômica e sustentável.

Os trens em questão têm uma história que remonta à Copa do Mundo de 2014. Originalmente adquiridos pelo governo do Mato Grosso em 2014 por quase R$ 500 milhões, os 40 conjuntos de composições (cada um com sete vagões) foram fabricados na Espanha pela empresa CAF. Eles deveriam integrar o ambicioso projeto de VLT que ligaria Cuiabá a Várzea Grande, com 22 quilômetros de extensão, transportando cerca de 160 mil pessoas diariamente.

No entanto, o projeto mato-grossense nunca saiu do papel. As obras foram interrompidas ainda em 2014, após denúncias da Polícia Federal e do Ministério Público sobre corrupção e desvio de dinheiro. O então governador Silval Barbosa chegou a ser preso e fez delação premiada. Desde então, os trens permaneceram guardados em um galpão próximo ao Aeroporto Marechal Rondon, em Várzea Grande, enquanto o estado gastou mais de R$ 1 bilhão no projeto fracassado.

Nicola Kury, secretário da Secretaria de Soluções Consensuais e Prevenção de Conflito do TCU (Tribunal de Contas da União), foi um dos responsáveis por mediar a transferência dos equipamentos. “A atuação, nesse caso do VLT, foi a primeira mediação interfederativa em que um estado tinha trem, mas não tinha obra, e outro estado, no caso a Bahia, tinha obra do VLT, mas não tinha os trens, que demoraria muito para chegar, caso adquirido direto no mercado internacional”, explica Kury.

O acordo foi finalmente assinado em 3 de julho de 2024, após quase um ano de negociações. A Bahia adquiriu os trens por R$ 793,7 milhões, valor que será pago em quatro parcelas anuais até 2027, com a primeira parcela prevista para dezembro de 2024.

Um dos desafios mais complexos da negociação, segundo Kury, foi a valoração dos equipamentos. “Um dos principais desafios foi valorar esses trens. Observe que são trens com 10 anos de idade, mas não 10 anos de uso. Na verdade, nunca foram usados. Então, olha o desafio que é valorar um trem que tem 10 anos de idade, que nunca foi usado, que estava sendo mantido pela própria fabricante, que vai ter todos os seus componentes substituídos caso tenha a necessidade”, detalha o secretário.

A transferência física dos vagões começou em 15 de outubro de 2024. Os equipamentos estão sendo enviados primeiramente para Hortolândia, em São Paulo, onde a fabricante CAF realizará o processo de revitalização e restabelecimento técnico-operacional. “Os trens estão sendo recondicionados em São Paulo, eles estão verificando cada componente, trocando borracha ressecada… A gente foi lá verificar inclusive”, comenta Kury.

O acordo também incluiu mais do que apenas os trens. “Houve aquisição não somente dos trens, mas também de outros componentes como trilhos, catenárias, subestações e, mais do que isso, houve também a garantia do fabricante. Então, o fabricante deu a garantia de um trem novo”, ressalta o secretário do TCU.

Um aspecto importante destacado por Kury foi a aprovação da operação pelos órgãos de controle de ambos os estados. “O Tribunal de Contas do Estado da Bahia aprovou a modelagem do negócio na perspectiva do Estado comprador, ou seja, o valor é justo, faz sentido para o estado comprador, e o estado do Mato Grosso, o TCE do Mato Grosso, também aprovou a operação, entendendo que o valor faz sentido para o estado vendedor. Então, dois tribunais em perspectivas diferentes, um de comprador, outro de vendedor, homologaram o acordo, entendendo que ele, de fato, atende melhor o interesse público.”

Segundo o governo da Bahia, a aquisição possibilitou uma economia de 37,5% em cada VLT, se comparado com os valores cobrados por outros fabricantes.

O diretor de obras da CTB (Companhia de Transporte do Estado da Bahia), Eracy Lafuente, calcula a economia total com a compra do material do Mato Grosso em mais de R$ 800 milhões. Além disso, o prazo de entrega do primeiro trem é estimado em até 12 meses após a revitalização, metade do tempo que seria necessário para uma nova compra.

Kury resume o sucesso da operação: “Essa mediação interfederativa foi muito exitosa por atender não somente ao que o estado da Bahia precisava, como também ao que o estado do Mato Grosso precisava, porque ele buscava reaver valores investidos no trem que não estava em uso. A beleza da solução foi essa, foi conseguir endereçar algo que fizesse sentido para todos os atores.”

Essa matéria faz parte de uma série de reportagens sobre o VLT de Salvador. Confira os links abaixo:
Bahia lidera revolução ferroviária no Brasil
Os trens do Mato Grosso e o TCU
O VLT de Salvador e o mundo dos trilhos
O retorno das grandes construtoras

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Last Update: 25/05/2025