Padre Fábio de Melo se apresenta em Carmo do Rio Claro, no Sul de Minas: cachê de R$ 280 mil. Imagem: reprodução

Ao subir ao palco antes do show do padre Fábio de Melo, em Carmo do Rio Claro (MG), o prefeito Filipe Carielo (PSD) foi direto: “A nossa meta é, pelos próximos quatro anos, realizar eventos voltados ao público cristão.”

A apresentação custou R$ 280 mil aos cofres públicos — valor equivalente à metade do repasse feito ao principal hospital da cidade no mês de março. O caso ilustra um movimento nacional de prefeitos que têm investido pesadamente em eventos religiosos com verbas públicas.

Um levantamento do Globo mostra que ao menos 38 prefeituras em 16 estados destinaram juntas mais de R$ 13,8 milhões a eventos cristãos entre junho de 2024 e o último fim de semana.

Foram 27 celebrações evangélicas, 13 católicas e uma de natureza cristã sem especificação. Os repasses, em geral feitos por inexigibilidade de licitação, têm incomodado tribunais de contas e gerado questionamentos no Ministério Público, especialmente pela falta de transparência.

No Rio, o Tribunal de Contas tem histórico crítico sobre esses aportes.

Em 2013, o ex-prefeito de Teresópolis foi multado por destinar R$ 119 mil a uma Marcha para Jesus em 2010.

Neste ano, o mesmo evento recebeu R$ 1,9 milhão da prefeitura carioca. Outros dois projetos religiosos, a Expo Cristã (R$ 3 milhões) e o Cariocão, promovido pela Igreja Adventista, também contaram com patrocínio da prefeitura, o que levou à abertura de uma representação no Ministério Público Federal contra Eduardo Paes por “suposto favorecimento ao público evangélico”.

O debate se repete em outros estados.

No Maranhão, o MP tentou suspender o “Zé Doca com Cristo”, carnaval cristão de R$ 600 mil. No Rio Grande do Norte, a recomendação era que não se usasse verba pública para eventos religiosos, mas uma festa católica acabou recebendo R$ 17 mil. Já em cidades pequenas, como Campestre de Goiás (GO), o apoio chegou a representar 50% da arrecadação anual do IPTU.

O Dia Nacional da Marcha pra Jesus foi instituído em 3 de setembro de 2009, e, em 11 de janeiro de 2011, o encontro passou a fazer parte do calendário oficial da cidade.

Especialistas apontam a dificuldade em fiscalizar esses eventos, justamente pela sobreposição entre manifestações religiosas e culturais. “Há uma linha tênue entre religião e cultura”, afirma Rodrigo Vittorino, da UFU. “Patrocinar proselitismo é inaceitável, mas há festas tradicionais que sempre receberam apoio.”

A prefeitura de Carmo do Rio Claro defendeu a legalidade dos investimentos: “O Estado, embora laico, não é antirreligioso — sendo legítimo fomentar atividades que contribuam para a formação cultural e espiritual da sociedade.”

Para o cientista político Vinicius do Valle, do Observatório dos Evangélicos, o uso de dinheiro público revela desigualdade no apoio religioso no espaço público. “Religiões de matriz africana são frequentemente reprimidas”, critica. A falta de equilíbrio, segundo ele, torna controversa a ocupação religiosa das ruas e palcos pelas mesmas expressões religiosas, sob o manto da cultura.

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Last Update: 25/05/2025