A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ingressou com petição no Supremo Tribunal Federal (STF) na sexta-feira (23) para suspender as oitivas que vêm sendo conduzidas no âmbito do processo sobre a suposta tentativa de golpe de Estado, relacionada ao período pós-eleitoral de 2022. Os depoimentos, iniciados em 19 de maio, estão sendo conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes e têm previsão de encerramento no dia 2 de junho.

No documento protocolado, os advogados de Bolsonaro alegam cerceamento de defesa. Segundo eles, o acesso às provas reunidas pela Polícia Federal — fundamentais para o contraditório e a ampla defesa — foi dificultado de forma sistemática.

Os arquivos só teriam começado a ser disponibilizados no dia 14 de maio, apenas cinco dias antes do início das oitivas. Mesmo assim, a defesa afirma que os documentos vieram desorganizados, com links corrompidos, arquivos inacessíveis e ausência de senhas, o que inviabilizaria qualquer análise minimamente eficaz dentro do prazo estipulado pela Corte.

A equipe jurídica do ex-presidente também acusa a acusação de agir de maneira desonesta, utilizando trechos isolados de mensagens trocadas por investigados sem apresentar o conteúdo completo das conversas. Um dos casos citados é o de um suposto diálogo entre Mauro Cid e o general Mario Fernandes. Segundo a defesa, essa conversa embasa parte da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), mas sequer consta nos materiais entregues pela PF.

A solicitação à Suprema Corte ocorre em meio a um processo que já vem sendo amplamente contestado não só pela defesa de Bolsonaro, mas também pelos representantes dos demais acusados. Na última quarta-feira (21), veio à tona mais uma série de contradições e incongruências nos depoimentos colhidos até o momento.

Em destaque, o testemunho do ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, que, convocado a falar sobre sua participação em reuniões no final de 2022, reconheceu que não leu a chamada “minuta do golpe” e que deixou a reunião onde o documento foi apresentado, em 14 de dezembro daquele ano. Ainda assim, a PGR trata o episódio como prova de um plano articulado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

Baptista, no entanto, classificou as reuniões como “tempestades de ideias” e confirmou que jamais houve qualquer movimentação concreta para a execução de um golpe. Segundo ele, chegou-se a cogitar até mesmo a prisão de Alexandre de Moraes, mas ninguém levou adiante a proposta, que teria sido descartada na mesma hora. “Vamos prender todos?”, teria questionado um dos presentes, sem identificação.

A inconsistência dos relatos ficou ainda mais evidente quando o mesmo brigadeiro afirmou que o general Freire Gomes ameaçou prender Bolsonaro caso decretasse a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) com objetivos inconstitucionais. Ouvido dias antes, no entanto, Freire Gomes negou que tenha proferido qualquer ameaça, afirmando apenas que alertou o então presidente sobre as implicações legais.

A tentativa de Baptista de relativizar a contradição, dizendo que não houve agressividade, apenas reforçou a fragilidade dos depoimentos que sustentam a denúncia. Outro episódio revelador da ausência de base factual é o que envolve o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier.

Baptista declarou que Garnier teria colocado as tropas da Marinha à disposição de Bolsonaro, mas, em outro momento, disse que o almirante se mostrou contrário ao conteúdo do documento apresentado. A defesa de Garnier, diante dessas declarações contraditórias, questionou a confiabilidade das falas do brigadeiro.

O depoimento de Baptista também serviu para tentar incriminar o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Segundo ele, durante uma viagem de carona em aeronave da FAB, aproveitou para alertar Heleno de que a Força Aérea não participaria de ruptura institucional alguma. Heleno teria se mostrado surpreso com o aviso, o que enfraquece ainda mais a tese de que havia um plano coordenado em curso.

No caso de Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro, a acusação da PGR se mostra especialmente frágil. O órgão afirma que Martins participou de uma reunião no Palácio da Alvorada na manhã do dia 7 de dezembro de 2022.

Dados da operadora TIM somados a registros de antenas e uma corrida de Uber realizada naquele mesmo período, contudo, provam que o ex-assessor estava na Asa Sul, distante do local apontado. Mesmo diante dessa prova documental, Moraes se recusou a garantir acesso completo aos dados da operadora, atitude que a defesa considera abusiva.

A ausência de provas materiais, de ordens efetivamente dadas ou de movimentações das tropas militares deixa claro que o processo tem sido conduzido a partir de delações, interpretações subjetivas e trechos de conversas truncadas. A acusação se apoia, quase que exclusivamente, na delação do tenente-coronel Mauro Cid, classificada pelo próprio como baseada em “conversas de bar”.

Apesar disso, Alexandre de Moraes e os demais ministros do STF — como Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Flávio Dino — vêm tratando o caso como uma ameaça à democracia, evocando discursos inflamatórios e analogias históricas com o golpe de 1964. Moraes chegou a afirmar que os envolvidos teriam cogitado ações mais radicais do que as do próprio regime militar, incluindo até a eliminação física de ministros — afirmações que não possuem qualquer respaldo probatório.

Diante de um processo recheado de inconsistências, contradições, ausência de provas e com sinais cada vez mais evidentes de perseguição política, a defesa de Bolsonaro passa a questionar abertamente a legalidade do processo e a atuação do próprio relator, que atua não como juiz, mas como parte interessada em sustentar uma narrativa que atenda aos interesses do regime político estabelecido. A solicitação feita ao STF, portanto, não é apenas uma medida jurídica, mas uma denúncia pública de que o julgamento em curso configura-se como uma farsa política destinada a eliminar o ex-presidente do cenário eleitoral e a perseguir uma parcela expressiva do eleitorado brasileiro, em um processo conduzido de maneira abertamente parcial por Alexandre de Moraes e sustentado por declarações oficiais sem respaldo em provas materiais.

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Last Update: 25/05/2025