Já se foi o tempo em que Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) terminavam em “pizza”. Na CPI das Bets, instalada em novembro de 2024, o desfecho parece ser outro: tudo acaba em memes. Depoimentos como o da influenciadora Virgínia Fonseca e o de Rico Melquiades, que jogou o “tigrinho” ao vivo, viralizaram.
Mas, por trás do espetáculo, a investigação expõe uma máquina capitalista que lucra com a vulnerabilidade da classe trabalhadora, promovida por influenciadores e amplificada pelas redes sociais.
Virgínia Fonseca, com 53 milhões de seguidores, depôs, negando lucrar com perdas de apostadores. Seu contrato milionário com a Blaze (site de apostas sediado na Ilha Curaçau, um paraíso fiscal no Caribe), porém, levanta suspeitas. Rico Melquiades, ex-A Fazenda, protagonizou um momento bizarro ao jogar o “jogo do tigrinho” durante a sessão de 14 de maio, exibindo um lucro de R$ 88. A CPI ainda planeja convocar outros nomes como Felipe Neto, Viih Tube e Gusttavo Lima, apontados por promoverem bets.
Uma das principais críticas à relação entre influenciadores e as Bets é a suposta “cláusula da desgraça alheia”: bônus proporcional às perdas dos jogadores, com cupons de divulgação. A situação é ainda mais grave considerando que influenciadores recebem contas especiais, pré-programadas para obter mais ganhos. O esquema é literalmente lucrar com a desgraça alheia.
Entenda a CPI
A CPI das Bets investiga o impacto das apostas online no orçamento familiar e suas ligações com o crime organizado. O jogo, banido em 1946 (por pressão religiosa), ressurgiu com o avanço digital, em 2018, no final do governo Temer. Suspeitas incluem lavagem de dinheiro e manipulação de resultados, como na Operação Penalidade Máxima, que revelou fraudes em jogos de futebol.
Além disso, há, ainda, a “ludopatia” (compulsão por jogos de azar), um vício que afeta 3 milhões de brasileiros, e a falta de regulação efetiva. O prazo da CPI, estendido até 14 de junho de 2025, reflete tanto a complexidade quanto a resistência de setores que lucram com a desregulação e a falta de vontade política do Congresso.
Bilionários por trás das Bets
Uma fração do capital internacional
As casas de apostas não são exclusividade do Brasil. Representam uma das formas mais lucrativas do capital financeiro digitalizado, se esquivando das legislações locais e operando em zonas cinzentas da legalidade. Nos Estados Unidos, após a liberação federal, em 2018, o setor explodiu, sendo integrado aos grandes conglomerados de mídia e esportes.
Já em países da periferia do capitalismo, como o Brasil, as Bets operam como mecanismos de espoliação, vendendo ilusões de ascensão social, enquanto drenam recursos de populações empobrecidas. Com sede em paraísos fiscais e camadas de intermediação digital, essas empresas simbolizam uma face do capitalismo global: desregulado, predatório e “gamificado”, como se o processo de trabalho virasse um videogame, onde você recebe missões, ganha medalhas, “moedas” etc., com o objetivo de aumentar a motivação e o engajamento dos participantes.
Ao contrário do que querem fazer parecer a grande imprensa e os políticos, os bilionários por trás das bets não são um “setor marginal” do grande capital.
A Bet365, uma das principais no Brasil, foi fundada pela britânica Denise Coates, dona de uma fortuna de US$ 9,4 bilhões (R$ 53,2 bilhões). A Betano, também popular, é ligada ao grupo grego Kaizen Gaming, que atua em mais de sete países, com mais de 2.500 funcionários, embora não divulgue números públicos. A Betsson, ativa desde 1963, opera em vários países e tem valor estimado de US$ 1,7 bilhão (R$ 9,6 bi). Segundo o Banco Central, entre janeiro e março de 2025, as Bets movimentaram R$ 30 bilhões por mês.
Joga quem quer?
“É só não jogar”, pode dizer algum moralista. Mas, esse argumento ignora a armadilha capitalista por trás das Bets. Influenciadores normalizam o jogo, enquanto empresas lucram com usuários viciados. Em 2023, brasileiros gastaram R$ 263/mês, em média, nos jogos. Cerca de 20% dos benefícios do Bolsa Família foram usados em apostas.
O Brasil tem 210 milhões de habitantes e 90% dos trabalhadores recebem menos que R$3.500 por mês. A inflação tira o café da mesa. Todo mundo tenta arrumar uma grana extra para terminar o mês. Nesse cenário, os únicos que não precisam se preocupar com isso são os 1% mais ricos — banqueiros e empresários — que vivem da exploração.
O retrato perfeito da CPI
Esse é o cenário ideal para as Bets: exploram nosso aperto para vender ilusão. Tudo isso com o apoio dos influenciadores. “Se faz tão mal, proíbe tudo”, declarou cinicamente Virgínia. Ao fim da sessão, um senador ainda pediu selfie e vídeo da influenciadora, mandando abraço para a filha.
Essa selfie é o retrato perfeito da CPI: políticos, empresários, lobistas e influencers abraçados e sorridentes. Enquanto isso, quem paga a conta somos nós.