Como analisamos no artigo anterior desta semana, na América Latina, a mineração historicamente representa um dilema: não é a extração mineral em si que gera problemas, mas sim o modelo capitalista de exploração, que impõe condições precárias à força de trabalho e agrava impactos ambientais. Neste artigo vamos analisar como se dá a luta dos trabalhadores na resistência contra a exploração predatória, defendendo o direito dos países de proteger suas riquezas naturais.
Panamá: A greve contra a reforma da previdência e a mineração capitalista
O Panamá vive atualmente um dos momentos mais críticos da luta popular em sua história e no planeta, com uma greve que começou em 23 de abril por tempo indeterminado. Foi iniciada por professores contra a reforma da previdência, que busca privatizar as aposentadorias. Mas logo também foi apoiada pelo sindicato da construção, Suntracs e pela população em geral , que apoia essas lutas.
A decisão de reformar a previdência social pelo governo de José Raul Mulino coincidiu com a assunção do poder por Donald Trump nos Estados Unidos, e entre muitas propostas bizarras de natureza internacional (Groenlândia, Ucrânia, Palestina, etc.) incluía a retomada do controle do Canal do Panamá. Isso teve como contrapartida a assinatura de um memorando colonial entre os dois governos. A luta desse movimento grevista também estão exige que este memorando seja eliminado.
O movimento também exige a paralisação de dois projetos de grande impacto ambiental e social: a mina Donoso e o reservatório de Río Índio (relacionado ao abastecimento de água para o Canal do Panamá). Portanto, as mobilizações não poderiam ser mais antineoliberais.
No caso da mina de Donoso, não é um projeto novo, mas é a reabertura de uma mina de cobre que estava sem operação desde 1968 (cobre, em declínio, mineral essencial para o setor energético e também para a suposta transição). Devido aos inúmeros e enormes impactos causados por esse tipo de mineração, em 3 de novembro de 2023, a Assembleia Nacional do Panamá aprovou a Lei 407 ou Lei da Moratória da Mineração. Esta lei “veda a outorga de concessões para a exploração, extração, transporte e benefício da exploração da mineração de metais em todo o território nacional”. O impasse surgiu dos grandes problemas gerados pela mineração e a impossibilidade do governo do país de assumir o controle das minas. Assim, o movimento acompanhou as medidas tomadas em El Salvador em 2017 e decidiu proibir a mineração de metais em seu país.
Deve-se notar que ambas as decisões (do Panamá e de El Salvador) não são medidas ideológicas, ou meramente de defesa ambiental, mas são consequência dos terríveis grandes impactos produzidos por esse tipo de mineração, que advém de empresas transnacionais, ou seja, imperialistas, e que atuam impunemente contra os seus trabalhadores, o meio ambiente e não representando nenhum avanço do desenvolvimento do país, mas apenas a geração de lucros monopolistas altíssimos que vão abastecer os cofres dos bancos e dos bilionários estrangeiros.
É contra esta dominação capitalista e imperialista que os trabalhadores panamenhos protestam, e lutam contra a reabertura da mina de Donoso, porque esta decisão significa a eliminação da moratória sobre a mineração de metais.
A mina Donoso pertencia à transnacional de mineração canadense First Quantum Minerals, que além de obter enormes lucros (2, 959 bilhões de dólares em 2022), exportava todo o cobre para fora da América Latina. Então, novamente, vemos como os interesses internacionais prevalecem. Mas o Panamá nunca deixou de ter uma luta corajosa contra a capitulação e a submissão.
A única resposta do governo e das classes dominantes às mobilizações, mesmo quando são contundentes e prolongadas, é a repressão violenta. Desde o primeiro dia, o governo deslegitimou grevistas e manifestantes, e a mídia os criminalizou. O governo suspendeu os salários dos professores em abril e fará o mesmo em maio. Em 13 de maio, foram realizadas prisões arbitrárias e violentas de professores, trabalhadores, estudantes e líderes comunitários em todo o Panamá.
Mas os trabalhadores panamenhos têm resistido bravamente. A greve é tão efetiva que a transnacional de bananas Chiquita suspendeu sua produção de frutas, pois se via incapaz de transportá-las.
El Salvador: Bukele revoga lei que proíbe a mineração de metais
El Salvador foi o primeiro país do mundo a proibir a mineração de metais por meio de uma lei em 2017. Mas o lobby da mineração, leia-se o imperialismo, continuou insistindo em sua revogação, que ocorreu em dezembro do ano passado, 2024. Isso aconteceu apesar do fato de que a maioria da população (61%) ser contra. Sem falar nas pessoas diretamente afetadas e que vivem nos locais de mineração.
Para essa mudança de direção, era essencial que alguém como Nayib Bukele estivesse no poder. Bukele se alinha com Trump e, sobretudo, com as grandes transnacionais, apesar de em seu passado, renegado por ele, ter sido de esquerda e da FMLN. Ele usou de violenta repressão contra as organizações e comunidades que mais se opõem à mineração, e que, obviamente, também são as que a sofrem mais diretamente.
No caso de El Salvador, são as comunidades de Santa Marta em El Cabañas, e são ativistas de organizações como a ADES que são alvo do governo para desmobilizar e intimidar a população. Cinco líderes dessa organização sofreram quase dois anos de prisão preventiva, que terminou quando seu caso foi arquivado em 18 de outubro de 2024. Mas o caso deles, no entanto, foi retomado em 22 de novembro de 2024 sem que eles ainda tivessem sido julgados. Sem dúvida, essa estratégia não tem outro propósito senão aproveitar ao máximo uma operação de repressão extraordinária já em andamento e ter o maior e o pior efeito possível sobre a sociedade mobilizada.
Enquanto isso, o extrativismo em geral persegue comunidades em todo o país. Cerca de 20 comunidades pobres e camponesas estão ameaçadas de serem despojadas de suas terras. Especialmente violenta foi a repressão ao protesto da Cooperativa El Bosque, cujo despejo está previsto para 22 de maio.
Honduras: a submissão às mineradoras
O governo que substituiu o nefasto Juan Orlando Hernández prometeu uma situação diferente. Mas com Xiomara Castro, o extrativismo se intensificou. Honduras é um país que está entregue à mineração com 35.000 km2 de concessões de projetos (um território maior que a superfície de El Salvador). Um destes projetos mineradores causou a morte de Berta Caćeres, e a maioria destes projetos matam ativistas, os prendem e os forçam a deixar seu território. Berta Cáceres foi assassinada em sua casa por homens armados, depois de anos de ameaças contra a sua vida. Doze defensores do meio ambiente foram mortos em Honduras, em 2014, de acordo com a pesquisa Global Witness, o que o torna o mais perigoso do país no mundo, em relação ao tamanho da sua população, para ativistas ambientais.
Em 14 de maio, o coletivo Guapinol Exige Justiça, juntamente com muitas outras organizações, exigiu exatamente isso, justiça, para um dos últimos líderes a ser assassinado, Juan López, há 8 meses. A ação exige responsabilidade do Estado hondurenho pela falta de resultados na suposta investigação, bem como investigações anteriores sobre as ameaças que recebeu e sua interferência na negação de medidas de proteção a Juan López. Juan López foi assassinado por ser um líder do Comitê Municipal de Defesa dos Bens Comuns e Públicos de Tocoa, que está enfrentando a mina Los Pinares, uma usina de processamento de pelotas de ferro e o projeto termoelétrico que a abastece de energia, no Parque Nacional Carlos Escaleras.
Em 12 de maio, o governo aprovou o Decreto Legislativo PDIII-0000-2025 #CN – Lei de Licenciamento Ambiental. Se até agora as empresas já tinham muitas vantagens para promover seus projetos, agora com essa nova lei elas terão ainda mais facilidade, pois ela permitirá que as mineradoras obtenham licenças ambientais rapidamente, sem estudos aprofundados. Entre outras inconsistências, essa lei aprovará automaticamente as licenças se o governo não responder em 60 dias. A lei também determina que o controle desses projetos recairá sobre consultores privados pagos pelas próprias empresas, em vez de serem supervisionados pelo Estado.
Sem dúvida, esta nova lei é mais um instrumento contra o meio ambiente, contra o território hondurenho e sua soberania, e contra as comunidades afetadas por esses projetos, que estão tendo cada vez menos direitos e menos reinvindicações sendo consideradas. O incrível é que essas medidas vêm de um governo em que as comunidades e os ecologistas depositaram toda sua confiança.
Argentina: os perigos da mineração de urânio
É sabido que Milei não tem escrúpulos em iniciar projetos qualquer que seja seu impacto, se os benefícios para os empresários forem enormes. É o caso da energia nuclear e, portanto, da mineração de urânio, há muito tempo em stand-by na Argentina, mas que agora foi novamente retomada. A Argentina também é, junto com o Brasil e o México, um dos três países latino-americanos que produzem energia nuclear. Uma das ambições da Argentina é ser autossuficiente.
A energia nuclear está passando por um boom internacional depois de ter sido por muitos anos descartada pela maioria dos países. Recentemente, a Agência de Energia Nuclear (NAEA) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) publicaram um relatório, o Livro Vermelho, no qual pedem urgentemente novos fornecimentos de urânio. Mas, além da energia, como bem aponta o jornalista comunitário Juan Manuel Izzo, há também nesta nova conjuntura planetária, um boom de armamentos e, sobretudo, de recuperação de armas nucleares. Embora ambas as indústrias nucleares (energia e armamentos) sempre tenham estado intimamente ligadas, o rearmamento também afeta a demanda por urânio.
Neste contexto, a Argentina, devido às suas grandes jazidas, tem uma nova oportunidade de explorar esta riqueza.. Eduardo Eurnekián, o magnata armênio da Corporación América adquiriu o projeto de extração de urânio Ivana na província de Río Negro.
Um projeto radioativo
O projeto Ivana foi vendido devido à impossibilidade de explorá-lo. No entanto, as facilidades para Eurnekián são maiores, porque, afinal ele é um dos financiadores da campanha eleitoral de Milei, e Milei, por sua vez, foi diretor econômico da Corporación América. Além das consequências negativas de uma simples mineração a céu aberto de forma capitalista, a mineração de urânio, é muito mais agressiva, já que o minério extraído contamina radioativamente. Por esta razão, a oposição a este projeto de mineração de urânio não tardou a surgir.
A Argentina, sendo atravessada pela cordilheira andina, como o resto dos países (Chile, Peru, Bolívia, etc.), sofre especialmente com o brutalismo da mineração a céu aberto. Os Andes abrigam alguns dos maiores depósitos minerais do planeta. Ocorre que, além de ali existirem ecossistemas a serem protegidos, há o perigo de afetar negativamente a população local, pois é nos Andes que o país e, portanto, todos os seus ecossistemas são abastecidos de água. Por isso, a luta contra a mineração e em defesa da água e da vida estão profundamente interligadas. Tanto que, apesar de Milei intensificar a repressão, não há sinais de que ela diminua. Em Catamarca, a Assembleia do PUCARÁ acaba de apresentar um novo espaço de informação para combater o avanço da mineração naquela província e promover iniciativas na luta em defesa da água e da vida. Porque a resistência continua.
O extrativismo imperialista
Cerca de 450 famílias vivem a jusante da mina de ouro da Barrick Gold, uma empresa canadense, em Pueblo Viejo, na República Dominicana, também perto da instalação de armazenamento de rejeitos. Esses rejeitos são resíduos de mineração resultantes da separação de micropartículas minerais do ouro por água e produtos químicos altamente tóxicos. Em 2025 a empresa deve aumentar a altura do reservatório contendo esses rejeitos de 135,5 metros para 152. Em 2023, o reservatório armazenou 100,1 Mm3 de rejeitos.
Essa situação é a mesma que resultou nas catástrofes vividas no Brasil, em Brumadinho ou Mariana, e que as comunidades afetadas também querem evitar a todo custo. A população vem cobrando há anos o reassentamento das comunidades afetadas, bem como a paralisação da expansão da mina a céu aberto, medidas ignoradas pela mineradora.
Sejam as terras raras ou os metais tradicionais, o imperialismo busca o controle destes recursos, usando para isto de todas as formas de chantagem, violência e até mesmo a invasão militar. O imperialismo utiliza de métodos de exploração em que único objetivo são os enormes lucros e, por isso, não se preocupam coma destruição do meio ambiente e a precarização total do ambiente de trabalho nas minas. E essa atividade, na América Latina, é feita apenas para que as empresas estrangeiras remetam seus lucros para fora do país, não se preocupando em fazer investimentos para fortalecer a economia do país em que é feita a mineração.
É necessário que as lutas populares contra a mineração a céu aberto sejam lutas contra o imperialismo e pela exploração racional e justa dos minerais. Isto só é possível de acontecer se as empresas estrangeiras forem expropriadas e se estabelecer uma empresa estatal para a exploração mineral sob o controle dos trabalhadores. Nenhuma empresa imperialista vai adotar uma outra forma de exploração mineral pois seus modos de estruturação e operação são capitalistas. O exemplo da empresa Vale do Rio Doce no Brasil é claro: a empresa, antes estatal, foi privatizada pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso e tornou-se uma multinacional fabricadoras de desastres e sem qualquer ligação com seu país de origem.