Já não dá mais para escamotear o que está diante de todos. É a moral do futebol brasileiro que está em jogo.
Se a eleição na CBF realmente acontecer neste domingo 25 de maio, ficará escancarado aos quatro ventos o estado lamentável em que se encontra o futebol brasileiro. O escárnio com um dos maiores patrimônios da nossa cultura, o futebol, atinge um novo patamar.
O documentário 1958 – O Ano em Que o Mundo Descobriu o Brasil (2008), de José Carlos Asbeg, mostra que não há exagero em traçar paralelos históricos. A situação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ultrapassou todos os limites.
A simples ideia de levar adiante essa eleição sem legitimidade é uma tentativa de esconder com verniz institucional o descalabro instalado. Não dá mais para escamotear o que está diante de todos. É a moral do futebol brasileiro que está em jogo.
Caso esse processo de “escolha” continue nas mãos dos responsáveis pela desorientação do nosso futebol, caminharemos para a desmoralização completa. Não se trata mais de mera questão de gestão esportiva: é uma questão ética e institucional.
A gravidade da situação é tamanha que a Conmebol solicitou o afastamento da CBF do Conselho da Federação Internacional de Futebol (Fifa). Isso diz tudo. E esse arrastão de irregularidades e descasos se estende ao futebol feminino e ao futsal, já que essa estrutura engole tudo que pode.
O jornalista Rodrigo Capelo, com base em investigações e documentos, ajuda a dar o retrato do desastre; o sempre lúcido Maurício Noriega vem denunciando as mazelas; e Danilo Lavieri lembra que há mais de 40 anos não há eleição com oposição real na CBF. O sistema é fechado, blindado e controlado por uma lógica de perpetuação no poder.
Não adianta trocar um rosto envelhecido por alguém mais jovem, nem colocar uma mulher como símbolo de renovação se a estrutura permanece inalterada. Como bem escreveu o jornalista Alexandre Alliatti, “falar em renovação é rir na cara dos torcedores”.
As cadeiras de maior poder dentro dessa estrutura seguem passando de geração em geração como herança. Essa situação é impulsionada por um sistema de votos que favorece os aliados de sempre: clubes da Série A têm peso 2, da Série B peso 1, enquanto C, D e clubes menores simplesmente não têm voz. As federações, por sua vez, têm seus votos triplicados.
Qualquer tentativa de “reformar” sem alterar essa política será perda de tempo. O povo já entendeu o jogo e, se a CBF continuar com essa ladainha, o desprezo da parte dos torcedores só vai aumentar.
No longo prazo isso leva à perda de credibilidade, com torcedores afastando-se num processo de erosão da confiança. E sabemos que, sem gente apaixonada nas arquibancadas, não há futebol que se sustente. Por isso, a movimentação dos clubes por mudanças é um passo importante. Serve também para revelar os diferentes interesses em jogo.
Mesmo divididos em frentes como a LFU e a Libra, os clubes parecem encontrar consenso em pontos fundamentais. As principais demandas articuladas por eles incluem:
— Participação efetiva nas assembleias-gerais da CBF,
— Redução das desigualdades nos “pesos” dos votos,
— Criação de uma liga independente para organizar as competições,
— Profissionalização rigorosa da arbitragem,
— Controle real do calendário,
— Implantação de um fair-play financeiro efetivo.
Nessa mobilização, lideranças como Alessandro Barcellos (Internacional-RS) e Marcelo Paz (Fortaleza–CE) têm se destacado. A união da maioria dos clubes é promissora.
Vale também observar que a divisão entre SAFs e clubes associativos revela outra camada dessa discussão: o modelo de gestão.
Não adianta contratar o treinador da moda ou ganhar um Mundial se o sistema segue apodrecido. E a justificativa de “deixar o novo presidente trabalhar” não cola mais. É só mais uma “desculpa esfarrapada”.
Enquanto isso, o calendário continua insustentável. Nem o velho “enquanto o pau sobe e desce, descansam-se as costas” vale mais no futebol.
A quantidade de lesões antes mesmo da metade da temporada é assustadora. O fato de termos jogadores sendo poupados em plena maratona de jogos contraria a lógica do futebol coletivo: quanto mais tempo juntos, melhor o desempenho.
E isso considerando só o aspecto físico. Do emocional, então, nem se fala. É difícil exigir paixão em campo, quando o que vem de cima é só descaso. •
Publicado na edição n° 1363 de CartaCapital, em 28 de maio de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Gol contra’