Se dependesse dos posts de Donald Trump nas redes sociais, a guerra na Ucrânia teria acabado na segunda-feira 19, quando o presidente norte-americano anunciou o “início imediato de negociações e, mais importante, o FIM da guerra” – assim mesmo, em letras garrafais. No dia seguinte, a Ucrânia disse ter registrado 117 ataques militares russos contra seu território.

Ao contrário do que Trump diz, a ­atual rodada de negociações não teve “início imediato”. Começou na semana anterior, na Turquia, e as conversações não produziram resultados. Nenhuma das partes aceitou abrir mão do ponto principal de discórdia: a disputa pelas possessões de Donetsk, Lugansk, Zaporíja e Kherson, no sudeste da Ucrânia.

Em meio ao impasse prolongado, a Rússia realizou, no domingo 18, o maior ataque com drones desde o início do conflito. A União Europeia anunciou, na terça-feira 20, a 17ª rodada de sanções contra Moscou, evidenciando que, ao contrário do que Trump diz em seus posts, todos os elementos da guerra seguem de pé.

O presidente da Rússia, Vladimir ­Putin, não viajou à Turquia. Deixou seu homólogo ucraniano esperando à toa. Putin também não se encontrou com Trump até agora, frustrando a promessa de campanha do presidente dos EUA, que havia prometido resolver o impasse num piscar de olhos, assim que assumisse a Casa Branca. Com isso, o chefe do Kremlin mantém-se em evidência, sem ceder terreno nos campos diplomático e militar, e navegando a economia russa em meio a um mar de sanções europeias.

Para fazer frente às tentativas de isolamento impostas a Moscou pela Europa, Putin ainda recebeu os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da China, Xi Jinping, em Moscou, para a parada militar de 8 de maio, que celebrou a vitória soviética sobre os nazistas na Segunda Guerra Mundial. A agenda do presidente russo ainda pode contemplar uma viagem ao Rio de Janeiro, em 6 e 7 de julho, para a cúpula dos BRICS.

O pedido de prisão feito contra ele pelo Tribunal Penal Internacional poderia ser um impedimento para a viagem, mas dois fatores pesam em seu favor: o afastamento do procurador-geral do TPI, o britânico Karim Khan, que está sendo acusado por uma colega de assédio sexual; e o fato de que Lula já fez declarações no passado no sentido de não cogitar uma captura de Putin no Brasil, mesmo que isso contrarie uma obrigação assumida pelo País ao ter aderido ao Estatuto de Roma, que rege o funcionamento do tribunal.

Putin disse que não haverá nenhum acordo com Zelensky enquanto não se “removerem as raízes causais da crise”, o que inclui a anexação de territórios do país vizinho e a garantia de que a Ucrânia não ingressará na Organização do ­Tratado do Atlântico Norte, a Otan. Ele disse isso depois de uma conversa telefônica de duas horas com Trump – um diálogo ao qual o presidente dos EUA se referiu como se fosse um grande logro de sua parte.

Zelensky, por sua vez, indicou que tampouco tem disposição para romper o impasse, se Putin mantiver uma posição maximalista na negociação: “Ninguém vai desistir de nossas terras, nossos territórios, nosso povo”, disse o presidente ucraniano a jornalistas, logo após o anúncio de Trump. Ele dá a entender que aceita negociar uma agenda proposta por Moscou, desde que não inclua a seção de seus territórios: “Se a Rússia estabelecer condições para a retirada de nossas tropas de nosso território, isso significa que ela não quer um cessar-fogo e não quer que a guerra termine”.

Apesar dos entraves, é de Zelensky que partem os sinais de uma disposição maior para negociar. Ele foi à Turquia pessoalmente, esperando encontrar-se com Putin, mas teve a viagem frustrada pela presença apenas de funcionários de segundo escalão do Kremlin. O presidente ucraniano disse a Trump também que estava “pronto para negociar diretamente com a Rússia em qualquer formato que pudesse produzir resultados”.

Putin não viajou para a Turquia. Deixou Zelensky esperando à toa

Um desses formatos pode ser uma conversa cara a cara com intermediação do papa Leão XIV. Essa possibilidade foi mencionada, na sexta-feira 16, pelo secretário de Estado da Santa Sé, ­Pietro Parolin. Ele disse à rede italiana RAI que “a Santa Sé está sempre pronta para ajudar a reunir os inimigos, cara a cara, para que conversem entre si, para que os povos em todos os lugares possam mais uma vez encontrar esperança e recuperar a dignidade que merecem, a dignidade da paz”. Três dias depois, o vice-presidente dos EUA, JD Vance, teve uma audiência com o papa no Vaticano, mas não emergiram detalhes da agenda.

Oferta semelhante foi feita pela China, que disse estar à disposição para apoiar um “diálogo direto”. “Esperamos que as partes envolvidas continuem a buscar um acordo de paz justo, duradouro e vinculativo, aceitável para ambos, por meio do diálogo e da negociação”, disse Mao Ning, um dos porta-vozes do Ministério das Relações Exteriores chinês.

Passados mais de três anos da invasão da Ucrânia pela Rússia, sobram ofertas de canais de diálogo: Vaticano, Turquia, EUA, China e até mesmo o Brasil se oferecem como mediadores. Mas os grandes ausentes são os próprios protagonistas do conflito, que não conseguem estabelecer uma agenda mínima além das trocas de prisioneiros de guerra e do compromisso pontual de não atacar a infraestrutura de energia elétrica, por exemplo – duas obrigações impostas pelo direito de guerra que são tratadas, no entanto, como concessões generosas de lado a lado.

Ninguém advoga publicamente pela continuidade da guerra. Todos dizem ser a favor da paz. O problema é que cada ator envolvido – Rússia, Ucrânia e os demais países, que tentam facilitar a conversa – busca fazê-lo em seus próprios termos. Todos têm vantagens a tirar de um impasse que, enquanto não se resolve, mantém as populações civis como reféns. •

Publicado na edição n° 1363 de CartaCapital, em 28 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sem recuo’

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Last Update: 22/05/2025