Ainda sobre o Papa Francisco: em defesa da falha[1].
por Laura Santos
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?[2]
Andava tão atarefada com as coisas da vida que quando soube que o Papa Francisco havia morrido, nada li, vi, ou ouvi sobre. Depois de uma semana, vi algumas reportagens sobre sua vida, umas entrevistas com Frei Beto e fiquei encantada. Pretendia fazer um texto em homenagem à sua linda história.
Me perdi e parei. Novamente, a vida me atropelava com as mil e uma demandas do dia a dia. O irônico é que, à época, minha pretensão era escrever um texto sobre a necessidade de pararmos e chorarmos a morte do papa. A verdade verdadeira é que não tive tempo. Depois da morte do menino Miguel, que me deixou três dias de olhos vermelhos de tanto chorar, não há lágrimas. Nunca mais vi notícias à toa, sem estar psiquicamente preparada. Mas quem haveria de estar pronta para uma tragédia?
Voltemos à morte do lindíssimo Papa. Uma das curiosidades mais bonitas que achei sobre sua vida foi a história mal contada sobre uma suposta ajuda aos militares, durante a ditadura na Argentina. Obviamente, ao saber da notícia, a reação natural da gente é sentir um pouco de raiva e um enorme incômodo. E se perguntar: nem Franciso, nem Gandhi nem Madre Teresa de Calcutá, olhando de perto, parece que ninguém escapa.
Pois é. Não escapa mesmo. Como diria o filósofo alemão Nietzsche, somos humanos, demasiadamente humanos. E acrescento: essa é a graça. Depois de tomar um susto e me revoltar, olhei a fofoca pontifícia com outros olhos. A atitude do papa _que jamais teria falado sobre o assunto era uma possível assunção de culpa. Não falou coisa alguma. Não precisou se justificar ou se defender com palavras.
A vida dele foi muito, mas muito maior do que aquele suposto erro gravíssimo. Aqui e ali terão os super-homens e mulheres, os semideuses do Poema em Linha Reta do Álvares de Campos jogando pedra no papa? Sim. Mas também considero essa parte de sua história como um chamado à esperança. Todos nós já fizemos coisas das quais nos envergonhamos profundamente. Olhando de perto, ninguém escapa. Quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra. E aos apedrejad3s, estes eu espero que se ergam e sigam o exemplo de Francisco. Como dizem por aí, peguem todas as pedrinhas e construam um castelo. Caso vocês, querid3s leitor3s, não sejam psicopatas ou bolsonarian3s, vilanias e desentendimentos serão sequer lembrados. Ao fim e ao cabo, terão um saldo final de vida muito mais cheio de acertos, amores e alegrias. E tenho dito.
Laura Santos, advogada, esp. em Direito Penal e Criminologia Crítica, mestra e doutoranda em Filosofia Política pela UFS, tendo desenvolvido parte de sua pesquisa (em andamento) na Universidade de Westminster-Londres.
[1] Por Neguinha da Fé.
[2] Poema em Linha Reta, Álvaro de Campos.
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