Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, é emboscado por Trump

Momentos antes de o presidente Donald Trump acompanhar seu homólogo sul-africano, Cyril Ramaphosa, até o Salão Oval na quarta-feira, assistentes da Casa Branca foram vistos levando dois grandes televisores de tela plana do caminho para o local da reunião.

Era uma emboscada.

Trump mandou apagar as luzes e começou a exibir um vídeo que ele alegou ser uma prova de que os sul-africanos brancos estariam sendo alvo de perseguições e até de “genocídio”. Fake news.

Ramaphosa, visivelmente chocado e que havia acabado de trocar gentilezas com Trump sobre golfe, assistiu em silêncio. Diplomata experiente, que já atuou como principal negociador de Nelson Mandela nas conversas que encerraram o regime de minoria branca, Ramaphosa mal conseguiu disfarçar seu desconforto.

As relações entre os dois países se deterioraram desde que Trump assinou uma ordem executiva em fevereiro, alegando que os sul-africanos brancos eram vítimas de expropriação de terras e do “genocídio” promovido pelo governo, enquanto aceitava alguns desses afrikaners como refugiados nos EUA.

Trump também suspendeu toda a ajuda externa para a África do Sul e expulsou o embaixador do país nos EUA, Ebrahim Rasool.

A cena foi orquestrada. A equipe de Trump tinha até documentos para ele exibir na frente das câmeras, alegando que os davam respaldo às suas falsas acusações de “genocídio” contra brancos na África do Sul.

Era quase inevitável que Trump usasse esse encontro para reforçar as alegações marginalizadas que tem repercutido há meses, de que os fazendeiros brancos da África do Sul estão sendo forçados a abandonar suas terras e estão sendo mortos em grande número. Apenas na semana passada, 59 sul-africanos brancos chegaram aos Estados Unidos após obterem status de refugiados concedido pela Casa Branca.

Desde que assumiu o cargo, Trump não hesita em transformar suas reuniões em momentos de hostilidade pública. Contudo, o espetáculo dessa reunião ultrapassou tudo o que ele já havia feito no Salão Oval. Mesmo sua troca de gritos com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em fevereiro — que para alguns críticos parecia ser uma armadilha premeditada — não envolveu recursos visuais.

Um oficial da Casa Branca afirmou que Trump usou o evento de quarta-feira para iluminar um tema que a administração acredita que a “mídia tem ignorado”. Trump afirmou ter recebido informações de “milhares” de pessoas sobre o assunto. E, apesar das tentativas calmas de Ramaphosa de descrever a situação de seu país e refutar as alegações de Trump, o presidente dos EUA parecia impassível.

“Morte, morte, morte, morte horrível”, ele disse, folheando os papéis dos artigos que estava segurando.

Como ficou claro durante o desenrolar da cena, Trump e sua equipe haviam planejado exaustivamente o evento para tentar respaldar suas alegações infundadas de perseguição aos brancos. Assistentes disseram que haviam antecipado que o tema estaria no centro da reunião no Salão Oval e prestaram atenção quando Ramaphosa disse antes de viajar para Washington que esperava convencer Trump a reconsiderar suas visões equivocadas.

Logo após o término da exibição do vídeo, a Casa Branca postou uma cópia em suas redes sociais oficiais. Os artigos que Trump exibiu durante a sessão também foram compartilhados sistematicamente online por assistentes.

Os aliados de Trump aplaudiram a confrontação online, vendo-a como mais um exemplo do presidente cobrando responsabilidade dos líderes mundiais.

A distribuição planejada do material sugeriu o quanto Trump e sua equipe estavam ansiosos para usar a reunião para avançar sua narrativa de perseguição, enquanto Ramaphosa esperava discutir comércio e outras questões geopolíticas.

Nenhuma quantidade de elogios ou calibragem por parte do líder sul-africano — seja convidando dois golfistas profissionais para se juntar à sua delegação ou elogiando Trump pela renovação dourada do Salão Oval — foi suficiente para evitar a surpresa planejada.

“O que você viu nos discursos que estavam sendo feitos — isso não é política do governo. Temos uma democracia multipartidária na África do Sul que permite que as pessoas se expressem”, disse Ramaphosa após o vídeo. “A política do nosso governo é completamente, completamente contra o que ele estava dizendo.”

A fixação de Trump pelos supostos maus tratos dos sul-africanos brancos não é uma obsessão nova; ele já havia discutido a vontade de ajudar os fazendeiros brancos deslocados de suas terras durante seu primeiro mandato. No entanto, suas alegações públicas de opressão e “genocídio” aumentaram significativamente nos primeiros meses de seu segundo mandato.

A Casa Branca acelerou o processamento de refugiados afrikaners, enquanto suspendeu as aplicações de refugiados de outras nacionalidades. E, no início deste ano, os EUA congelaram a ajuda para o país e expulsaram seu embaixador.

De muitas maneiras, as críticas de Trump às leis da África do Sul — destinadas a reparar danos causados pelo apartheid — se alinham com seus esforços para erradicar as iniciativas de diversidade nos Estados Unidos, que, assim como algumas das leis sul-africanas que ele desaprova, visam corrigir disparidades raciais históricas.

Seus pontos de vista têm sido apoiados pelo bilionário sul-africano Elon Musk, que foi um dos principais conselheiros de Trump nos primeiros meses de sua nova administração.

Musk, que se afastou de seu trabalho reformando o governo federal para se concentrar em seus negócios, retornou à Casa Branca na quarta-feira para a reunião com Ramaphosa, ficando atrás de um dos sofás dourados e assistindo ao desenrolar da reunião contenciosa.

Musk havia acusado a África do Sul de bloquear seu serviço de internet Starlink por não atender às leis de propriedade negra.

Antes da visita de quarta-feira, os líderes do governo sul-africano estavam preparando um plano alternativo para permitir que o projeto de Musk operasse na África do Sul. O gesto foi visto como uma tentativa de gerar boa vontade com a administração dos EUA antes do início das negociações.

Parece que isso fez pouco para suavizar as tensões. Trump tentou livrar a cara do aliado. “Elon é da África do Sul, e eu não quero falar sobre isso com ele”, disse Trump. “Não acho que seja justo para ele.”

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Last Update: 22/05/2025