Terreiro mais antigo da nação Ketu em Sergipe, o Ilê Axé Odé Bamirê Obá Fanidê (localizado na região metropolitana de Aracaju) pode perder metade do seu terreno. Isso porque uma liminar assinada pela juíza Viviane Cavalcante, da 1ª Vara Cível de São Cristóvão, determina que a comunidade entregue o espaço a um vizinho que diz ter direito à área.

A ordem foi assinada em dezembro, mas a ialorixá Acácia Maria só foi intimada na semana passada. O prazo dado pela magistrada era de 15 dias, sob pena de multa diária de 300 reais pelo descumprimento. O terreiro é considerado uma casa-matriz do candomblé Ketu, de onde se irradiaram incontáveis outras casas de santo, formando uma vasta árvore genealógica de fé e tradição no estado.

O caso envolve uma disputa fundiária por uma área que compreende lotes adquiridos pelo babalorixá José D’Obakossô, fundador do terreiro, em 1951. Dois deles eram vizinhos aos espaços sagrados e de convivência do terreiro, enquanto um lote ficava cercado e estava em nome de um dos filhos do sacerdote.

Zé D’Obakossô, patrono do Odê Bamirê falecido em 2006 – Acervo pessoal

Apesar de distintos no papel, os dois lotes se transformaram, na prática, em área única para a comunidade. Essa divisão permaneceu pelo menos até 2017, quando o dono da área separada decidiu vendê-la por 50 mil reais, sem consultar os familiares. Deu-se início, então, ao impasse, já que uma parte do terreno vendido compreende a propriedade do terreiro.

Essa parte está em nome de Mãe Acácia, filha de sangue e de santo de D’Obakossô. Como a posse do terreiro sempre foi exercida por ela desde antes da aquisição formal da área, seus advogados alegam que a propriedade foi adquirida por usucapião. Um processo que busca reconhecer o direito ao terreno tramita no TJ sergipano desde 2020, ainda sem resolução.

O usucapião é um instrumento jurídico que dá o direito de propriedade de um imóvel ou bem a um indivíduo, após a comprovação de certo período contínuo em posse dele.

No meio dessa ação, o vizinho do terreiro apresentou uma nova ação sob alegação de que Mãe Acácia teria “invadido” o terreno anexo à sua casa. Ao conceder a liminar, a juíza do caso afirmou ter visto possível “perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Ela ainda convocou uma audiência de conciliação para buscar uma saída consensual à disputa.

Procurada por CartaCapital, a defesa do Axé Odé Bamirê informou que recorrerá. “A execução desta decisão é um desastre iminente para a comunidade de terreiro. A remoção dos assentamentos ali existentes é inadmissível, e o acesso de pessoas estranhas às dependências do terreiro e às atividades litúrgicas representa um profundo desrespeito ao sagrado e aos segredos do povo de santo”.

A porção de terra reivindicada abriga os quartos de santo, inclusive o de Oxossi, orixá de D’Obakossô (o sacerdote faleceu em 2006), além de áreas de lazer que compõem a residência de Mãe Acácia. Entregar a parte em disputa, afirmou à reportagem Bruno Heim, advogado da comunidade e professor de Direito na Uneb, é “uma grave ameaça à liberdade religiosa e ao patrimônio cultural”.

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Last Update: 21/05/2025